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sexta-feira, 5 de abril de 2013

Coisas de outros tempos!



Esta é uma escritura do arquivo pessoal de João Ferreira Albuquerque, feita em papel selado. Tem a data de quatorze de Maio de mil oito centos e noventa e nove, 1899, e diz que é vendida a José Ferreira e sua Justina de Mello do lugar e freguesia de Forninhos, concelho de Aguiar da Beira, uma velga de terra que produz milho e feijão no sítio dos Carregais com seis dias d'aguas de regar e limar cada 4 dias da semana são 2 que pertencem à dita velga. Havendo juntamente um quarto de uma laija que pertence à mesma propriedade; foi pelo preço e quantia certa de 13,500 reis dinheiro corrente neste Reino.
A figura mostra o carimbo com o escudo da Monarquia, o qual é rodeado pelas seguintes palavras "IMPOSTO DO SELLO ***100 RÉIS***".
Mantive a ortografia tal qual está!
Tudo mudou de então para cá. Dantes, na agricultura, as regas eram partidas, ou seja, havia dias e meios-dias a que tinham direito à água daquela poça d'abrir ou poço e esse direito era lavrado em escritura. Agora já não é assim e os antigos foram-se, mas ainda há em Forninhos pessoas (poucas) que conhecem o registo das várias águas das nascentes e que, na minha opinião, devíamos ouvir o quanto antes, de modo a que estes "sinais" fiquem gravados, porque quantos mais anos vão passando, mais pormenores se perdem.
Quem souber como era e conhecer estórias d'outros tempos relacionados com as partilhas das águas, deixe-nos aqui em comentário esse contributo. Agradecemos todos.

22 comentários:

  1. Interessante como as coisas eram feitas. Aqui, quando eu era pequena, ainda lembro de ir à COLETORIA comprar selinhos para os documentos.. Beijos,lindo dia! chica

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    1. Aqui o papel selado teve uma longa existência, que durou mais de 300 anos. E, para além do papel selado, houve em Portugal a obrigatoriedade de utilização do papel azul de 25 linhas, que era exigido em requerimentos, procurações, contratos e diversas peças processuais. Os contratos e procurações levavam estampilhas fiscais. Eu ainda dactilografei muito nesse papel azul e ainda faço muitas peças em documento word formatado em 25 linhas.
      Agora, reparei que o papel selado deste contrato/escritura é de 30 linhas e o mesmo levou 2 selos fiscais, só que foram retirados ou descolaram-se com o tempo!

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  2. Obrigado João Aalbuquerque por partilhar esta memória tão antiga.
    As partilhas das águas dos poços e poças, são ancestrais.
    Adquirido o direito ao uso de água para determinado lameiro, ficava a fazer parte do património deste e era transmissível aos futuros proprietários.
    De facto as águas eram partidas e chegava-se a escriturar, agora mantém-se ainda na palavra das pessoas.
    É sagrado!
    Havia quem tivesse meio-dia ou até um dia, mas também um dia para mais que uma pessoa e aí, quem chegasse primeiro ia regar.
    Ia-se guardar a poça de madrugada, por vezes a noite inteira, enquanto a nascente a ia enchendo.
    Era a necessidade da água para regar o milho, o feijão e as abóboras e por vezes gerava discussões!
    Numa crónica do grande escritor, Aquilino Ribeiro, este diz "comunal em essência é a água de rega, artigo de primeira nestas terrinhas altas e vãs, atormentadas pela seca, onde a maior percentagem de mortes e barulhos tem seu teatro á beira da poça ou dos talhadouros de regar...".
    Também em Forninhos isso aconteceu.
    Certa vez, determinada pessoa foi ao talhadouro e desviou a água para o terreno dele, quando outro desta se servia.
    Perante tal afronta, o lesado vai-se a ele,ergueu a sachola e matou-o, infelizmente.
    A água valia ouro, neste caso valia a vida.

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  3. Para os tantos amigos fora de Portugal que nos visitam, quero esclarecer alguns termos que usei no meu comentário.
    POÇAS - espécie de pequena represa artesanal, alimentada por água de nascente.
    GUARDAR A POÇA - Estar presente para justificar que tinha sido o primeiro a chegar e tinha prioridade na rega.
    TALHADOURO - Lugar onde se talha ou corta a água. Ela corre nos sulcos e com uma sachola cava a terra e desvia o seu curso.
    SACHOLA - Enxada pequena.
    Desculpem o atrevimento mas são termos muito regionais.
    Abraço.

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    1. Aquilino Ribeiro é porventura o escritor português mais notável no que se refere à escrita regional. Homem nascido na nossa região, é quanto a mim quem melhor interpretou a vida rural das gentes das terras beirãs da sua geração.
      Em cada terra deve haver um caso de morte e para cada caso haverá sempre uma explicação. Essa tragédia que referes, acho que aconteceu na poça da Estracada. Era uma poça de abrir, onde a água corria por si. Os meus pais tinham/têm junto a essa poça um terreno que chamavam de "arreto".

      Arreto = Pequeno muro que sustém a pressão de terreno em declive.

      Podemos e devemos ter orgulho da gente antiga, sim Sr., pelo vocabulário que usavam e não só...

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  4. Bom Final de Semana, Xico...
    Confesso que não entendo muito disso que falou, "partilhas das águas"... Desejo que venham comentários que possam ajudá-lo no assunto!

    O meu abraço

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  5. É muito bom haver pessoas de vontade de querer mostrar às novas gerações aspectos importantes do nosso passado colectivo.
    Bem-Haja João Albuquerque e XicoAlmeida!
    O objectivo deste post é voltar a mostrar aos mais novos como viviam os nossos antepassados, de modo a que também eles possam dar mais valor às coisas passadas. Quantas mortes, rixas ou pendências a resolver em Trancoso houve, por causa das partilhas das águas?
    Tem esta escritura pormenores deliciosos, como a referência a um quarto de uma laija pertencente à propriedade e, em especial, à água de regar e limar.
    Para quem não saiba a água, de verão, como é óbvio servia para regar as culturas próprias; de inverno para manter, nos lameiros bravos, de seitoira ou de erva de semente, a "água de limar".

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    1. Até se dizia "Vou botar a água ao lameiro...".

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    2. Um abraço, Paula!
      Gostei de conhecê-la no Vida & Plenitude...
      Então, você e o Xico partilham de um mesmo blog, não é mesmo?! Em dias diferentes fazem os seus posts...
      Foi bom ler mais sobre "Coisas de Outros Tempos!"

      Bom Final de Semana...

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  6. Não Paula, os selos fiscais foram arrancados por ignorância, pensando o dito..., que teriam valor filatélico.
    Infelizmente são aos milhares os documentos nesse estado.
    Felizmente está guardado um documento muito interessante para a história de Forninhos, e de Portugal. São esses papéis que nos relatam a história deste povo, que somos todos nós.

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    1. Muito obrigada Francisco pelas palavras que vai escrevendo neste espaço e, sim, é possível que tenham sido arrancados por desconhecimento ou mesmo para coleccionar.
      Também muitas vezes aqueles selos fiscais que não estavam rasurados eram reaproveitados para outros documentos.
      Mas é provável que o documento quando chegou às mãos do neto do José Ferreira já vinha sem as estampilhas...não sei. Sei é que estes documentos são deveras interessantes e ajudam a contar a história de um povo, que somos todos nós, tal como refere.

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  7. Penso que o seu blog está discutindo assuntos interessantes e sérios, muito inteligente da parte de ambos: você e o Xico. Um abraço, Yayá.

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  8. Sei que o blog foi criado para manter viva a cultura do povo de Forninhos, mas na verdade, nós que visitamos temos verdadeiras aulas sobre assuntos muito interessantes.
    Nunca havia ouvido falar tal coisa, e muito menos que havia sido documentando.
    Essa escritura é uma relíquia.

    Xico e Paula,

    Obrigada pelas partilhas nos comentários sobre o pássaro. Aprendi muito com as informações de vocês.
    Amo essa interação. Isso me faz um bem enorme.

    Um lindo final de semana para todos!

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    1. Obrigada Yayá e Lucinha.
      A vida mudou, mas quase todos os forninhenses (depende da idade) presenciamos os nossos avós ou pais a "botar a poça" e eu gosto de registar as estórias e história de Forninhos, por um lado, porque o presente da minha terra já nada me diz; e, por outro, porque já se tornou num "vício" procurar os factos passados.
      Aprender é preciso!

      Um abraço meu para vocês.

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  9. A escritura dos Carregais é o documento mais antigo que possuo, herdado dos meus pais; já lhe faltam os selos fiscais, mas é uma escritura muito completa sobre a divisão da água e da lage. Foi comprada pelo meu avô materno, natural de Dornelas, julgo que viveu na Quinta da Ponte e veio para Forninhos quando casou com a minha avó Justina de Melo; foi imigrante nos EUA, para onde levou o meu tio Francisco em 1918, quando fez 18 anos, para não o deixar ir para a Grande Guerra em França; este meu tio, nascido em 1900, levou também os meus pais para os EUA, em 1968. O meu avô Francisco faleceu em Forninhos no dia 7 de Setembro de 1923, quando a minha mãe ainda não tinha completado 4 anos de idade. A minha tia Maria Augusta pagou nas Finanças de Aguiar da Beira, a quantia de Esc. 93,60 sobre a herança, no valor de Esc. 2.352,60. Recordo-me quando era criança, ter ido com o meu pai ao terreno meus avós paternos em Santa Maria, arrancar várias ameixoeiras que plantámos nos nossos terrenos em Carregais, Valongo de Baixo e Valongo de Cima; as dos Carregais ainda resistem, mas já muito velhinhas. Desse esse dia fiquei com o gosto palas árvores, principalmente pelas antigas; tenho plantado muitas e das antigas destaco a amoreira e a cerejeira trigal negra. Na Páscoa não fui a Forninhos, devido ao mau tempo, mas espero ir lá esta semana, para matar saudades tratar das árvores. Um abraço ao pessoal da terra.

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  10. Os meus pais também tinham terrenos com partilhas de água na estrecada e nas androas, não me lembro se era um dia ou meio- dia de água, sei que quando a partilha nos calhava ao Domingo e nos dias das festas ficávamos tristes pois perdíamos um bocado da festa ou do Domingo para irmos regar, por vezes ainda demorávamos um bocado ate a água acabar.

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    1. Era mesmo assim, Maria.
      Primeiro "guardava-se" a poça, para depois andarmos a chapinhar os pés na água fresquinha, no meio do milho.
      Algumas vezes em miúdo, sentava-me em volta da poça das Zandroas, por vezes com as minhas irmãs e, enquanto esperavamos que os nossos pais chegassem, iamos aos morangos silvestres na barroca, aquele ribeirinho pequeno ao lado do lameiro..
      Eram fáceis de encontrar tal a intensidade do seu aroma..
      Mas o que dava mais gozo, era ir àquela ameixoeira que os teus pais lá tinham perto do lameiro e roubar aquelas ameixas grandes e suculentas.
      Até nos divertiamos e gozamos a natureza e aquele ar puro-
      Valia a pena o sacrifício.
      Bons tempos...

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  11. Anónimo4/07/2013

    Estos Testimonio nunca deberían perderse porque son herencias culturales y bienes hereditarios que deberemos conservar para generaciones posteriores.
    Ya estoy, de nuevo, con mi poesíayvivencias...¡¡¡Gracias por estar siempre ahí!!!...Eres un Encanto.
    Abrazos y besos.

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  12. Sim, Pedro, deveríamos conservar, mais que não fosse, registando esta temática, para as gerações vindouras.

    Entretanto, faço notar 2 coisas:

    Primeira - o documento de 1899, selado em Réis (não esquecer) tem linhas de muito interesse agora mais completo com o comentário do João Albuquerque, é certo.

    Segundo – As poças eram periodicamente limpas e reabilitadas normalmente aquando do início das regas…depois foi o abandono!
    Lembro aqui uma poça que há muitos anos atrás foi para mim e para as pessoas da minha idade, a nossa piscina, o nosso jacúzi – a poça da Eira. Também para as famílias naquela poça é que se lavava e corava ao sol a roupa e a água servia para regar os campos:
    3 dias pertenciam às minhas tias Matelas;
    3 dias à minha tia Arminda/Joaquim Gonçalves;
    e o dia de Domingo pertencia ao meu avô Antoninho Matela.
    A vida diária de Forninhos e das pessoas que lá vivem e viveram era assim há muitos anos atrás. A diferença, nos tempos que correm, é que mesmo depois de a Junta ter efectuado limpezas – o que muito agradavelmente me surpreendeu – são poucas as pessoas que ali lavam roupa; a poça deixou de ser um lugar de lazer até porque está bastante degradada; os campos dos Moncões estão abandonados (quem reabilitava a poça eram as pessoas que tinham direito àquela água); e cada vez menos são as pessoas que conhecem os vários registos das nascentes da nossa terra, mas penso que esta é uma realidade comum e transversal a todas as aldeias do concelho de Aguiar da Beira!

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  13. Traz boas lembranças de facto a poça da Eira.
    Crianças ainda, os nossos pais proibiam que fossemos para o poço dos Caniços com medo que acontecesse qualquer desgraça.
    Sobrava a poça da Eira para onde iamos em cuecas por vezes algumas rôtas. Era uma diversão para nós e uma arrelia para as mulheres que lavavam a roupa porque pertubavamos e estavam sempre a correr connosco.
    A sede apertava mas ao lado esta a fonte do Miguel com aquela água fresquinha.
    Ainda nadei algumas vezes na poça dos Mancões, mas a da Eira, tinha outro sabor e as pedras onde nos estendiamos a secar, pareciam tão macias como a areia e a seguir mais uns mergulhos.

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  14. Apenas um comentário ao comentário da minha prima Maria sobre a água da Estracada:
    - 2 dias pertenciam ao tio Abel;
    - 2 dias pertenciam à avó Coelha, mas devido às partilhas por herança/divisão do terreno, passou a ser:
    - 1 dia para o meu pai (Samuel);
    - 1 dia para a tua mãe (Júlia);
    Normalmente era a tua mãe quem todos os anos, por sua iniciativa, estipulava o início do calendário da rega e fazia ‘a coisa’ de modo a calhar o dia da festa de Agosto (dia 15) ao tio Abel ;).
    Ninguém gostava de deitar a água aos Domingos, Dias Santos e Dias de Festa, mas esses tinham de calhar a alguém;)
    Já diz o povo: candeia que vai à frente alumia duas vezes (provérbio), ou seja, quem se adianta melhor se arranja.

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  15. Fico muito agradado por ler estas publicações tão interessantes! Posso dizer que na minha terra (Oliveira de Azeméis) já pouca gente sabe os registos das nascentes e a quem pertenciam os tempos de rega. Por cá penso que a nomeação de estruturas ou práticas agrícolas têm alguns termos diferentes mas também têm muitos outros idênticos. É necessário fazer o trabalho de campo (investigação) relativamente a este património imaterial. Muitos parabéns pelo blog!

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