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sábado, 28 de novembro de 2020

Dissabores da Missão

Continuação...
A equipa B-2, do Serviço Cívico Estudantil, que chegou a Forninhos em Agosto de 1975, concentrou esforços também nas localidades da Cortiçada e Matança; era composta por dois rapazes e duas raparigas; as suas terras de origem eram bastante diversificadas: enquanto dois vinham de regiões próximas (Mangualde e Viseu), o outro rapaz vinha de Gaia e outra rapariga era açoriana da Ilha de São Miguel. 

Mapa da região:Cortiçada, Forninhos e Matança

Quando a missão ia adiantada e terminada a permanência na Cortiçada e em Forninhos, ao chegarem à Matança escrevem para a Sede, em Lisboa: 
"Estamos deveras decepcionados com a falta de apoio geral".
Em termos mais explícitos, perguntam a Lisboa:
"Numa localidade onde não conhecemos ninguém e sem dinheiro...a população já de si fica desconfiada ao ver um grupo que de repente lhe aparece, e que fará se esse grupo lhe vai comprar coisas, pedindo que lhes fiem...".
Apesar do trabalho de recolha em Forninhos ter sido muito bem sucedido, onde contaram com o apoio de jovens locais: "recolhemos trinta e tal instrumentos", tal trouxe-lhes preocupações com o transporte, pois queixam-se da dificuldade em organizar o envio dos "instrumentos agrícolas antigos" recolhidos em Forninhos e dos obstáculos ultrapassados para os conseguirem expedir por via-férrea, assim como as penúrias financeiras. Mas persistem na missão, enfrentando os problemas logísticos:
"Encontramo-nos desde ontem na última das localidades - Matança -, onde encontrámos alojamento na residência paroquial e na escola. O próprio transporte teve de ser de táxi, pois não tinhamos transportes públicos"〔carta da Equipa B-2, escrita na Matança em 3 de Setembro, dirigida aos serviços centrais〕
Depreende-se que haviam resolvido o problema do alojamento: uns na escola, as raparigas protegidas pela proximidade da instância eclesiástica local.
Da carta citada ainda dão conta do estado de andamento das recolhas de literatura oral gravadas em cassetes. Em finais de Agosto tinham enviado para Lisboa três, havendo outra prestes a estar terminada.  Anunciam para os próximos dias a remessa de registos biográficos e de inquéritos à saúde devidamente preenchidos.
Para além dos dados sobre as logísticas do grupo, testemunham o modo e o cariz dos contactos estabelecidos com as populações:
"Este trabalho de recolha dos vários aspectos da cultura popular é importante, mas difícil de explicar às pessoas".
Por isso um dos jovens -que estava muito à frente do seu tempo- tenta forjar argumentos para convencê-las:
"Calcule que depois desaparecem estes instrumentos e depois(...) os que virão depois não conhecem, e o nosso trabalho é esse, aglomerar o maior número de instrumentos antigos para depois os dar a conhecer às pessoas no futuro".
〔Entrevista com B-2, bobine 1〕
Em 2 de Setembro, o responsável pela equipa, o Acácio, assina a carta de porte relativa à expedição por via férrea de um total de 68 quilos, repartidos por "6 volumes com alfaias agrícolas, 1 com canga e ripanço juntos, 1 arado com 1 serra e 1 mangual juntos, 1 sachola". Outros objectos seriam ainda recolhidos.
Apesar destes contratempos, os dois rapazes e duas raparigas levaram a termo a tarefa de que tinham sido incumbidos.
Bem-Hajam.

Do Livro "A Missão" - Capítulo 6 - Pelo interior adentro, de Jorge Freitas Branco e Luísa Tiago de Oliveira.

domingo, 22 de novembro de 2020

De Forninhos até Setúbal

Estamos no Verão Quente de 1975 e no Forninhos de há 45 anos, a vida diária decorria de sol a sol a trabalhar a terra.
Entretanto.... eis que sob a supervisão de Michel Giacometti, reputado etnólogo,  chega à nossa aldeia a equipa B-2 dos alunos do Serviço Estudantil, com vista a reunir alfaias agrícolas, instrumentos e ferramentas do quotidiano rural forninhense para o então denominado Museu do Trabalho de Setúbal.
Compradas ou doadas, no outono de 1975, chegam a Setubal cerca de uma dezena de peças  vindas de Forninhos:

canga, compra a Luis Moreira, com chapa "Luiz Albuquerque Forninhos Aguiar da Beira"


De José Guerra Guerrilha:
- Arado
- Ferro de passar a ferro



- Manuel Martins Ferreira
1 Punhal



De Ludovina Moreira:
1 Serrote
1 Tesoura da poda

E de Luís Teixeira:
- Chocalhos




Além da literatura oral, que já demos conta AQUI,  Isabel dos Anjos Paz Vaz contribui ainda com:  
1 Botelha
1 Espadela


Fonte: https://books.google.pt/


Imagens interior do Museu do Trabalho: retiradas do google.

Já em tempos me havia proposto fazer uma visita a este Museu pelo que tem guardado da ruralidade, mas a pandemia tal adiou, no entanto o confinamento deu azo e tempo a variadas pesquisas temáticas entre as quais e com alguma surpresa, o que acima se descreve.
Ainda bem que peças nossas estão expostas em Setúbal, estas e outras ferramentas de trabalho são o melhor testemunho para transmitir às novas gerações da reviravolta que as últimas décadas proporcionaram nas sociedades.
Só que de Forninhos a Setúbal ainda é um longo caminho.
Eu conto lá ir em breve, se o Covid o permitir, claro.

sábado, 14 de novembro de 2020

Um Padre "Miguelista"

O reinado de D. Miguel foi curto e conturbado, mas em torno dele gerou-se um fenómeno de idolatria que se traduzia num exagerado culto ao seu retrato - a "real efigie". Mesmo antes de se tornar rei, já circulavam milhares de imagens suas aplicadas em broches, caixas de rapé, alfinetes ou medalhas.
Rapidamente entendido como uma arma política, o que começou como uma moda extemporânea, tornou-se uma obrigação após a subidade de D.Miguel ao trono.
Os cidadãos deveriam pedir ao soberano a mercê de usar a sua efigie e este tinha a prerrogativa de o autorizar...e mandar publicar na Gazeta de Lisboa!
El-Rei D. Miguel distribuia medalhas de ouro à sua base social de apoio e o símbolo de fidelidade ao monarca que ficou conhecido pelos cognomes "O Usurpador" e "O Absolutista"também chegou a Forninhos, pasme-se!!
Foi a 20 de Novembro de 1830 que o monarca concedeu o uso da sua real efigie, em ouro, ao Cura Lourenço Homem de Albuquerque, pároco de Santa Marinha de Forninhos
Fonte: Artigo/Comunicado da Gazeta de Lisboa, 26-11-1830.
Este padre, claro, foi apoiante do partido de D.Miguel, o que, em tempo de perseguições como aquele foi, nunca seria um bom sinal para Forninhos, já que o símbolo de fidelidade ao monarca, durante as Guerras Liberais, ameaçava a segurança e a vida das pessoas. Um abade da Matança, de nome Garcia ou Barros, foi assasinado no momento em que celebrava missa, em dia de S. Bartolomeu. Podem ver o acontecimento horroroso aqui
Sobre a Guerra Civil Portuguesa, de 1832-1834, também conhecida como Lutas Liberais, Guerra Miguelista ou Guerra dos Dois Irmãos, vidé:

 

Houve mais medalhados e medalhas que "O Rei Absoluto" era um mão-largas...
O Reverendo da Villa de Figueiró da Granja, Abbade da Igreja de Nossa Senhora da Graça, por exemplo, também foi medalhado.
Mas quem foi Lourenço Homem de Albuquerque?


Assinatura do Cura "Miguelista"

Nos registos paroquiais, por vezes, encontramos diversos párocos quase em simultâneo, pelo que não é fácil assinalar a data em que um termina e outro começa. Mas...Lourenço Homem de Albuquerque paroquiou a freguesia de Forninhos de 1820 a 1832, doze anos, portanto. Em 1833 veio paroquiar esta freguesia o Cura Belchior Luiz do Amaral (1833-1837), seguido do Cura Pe. Manoel de Barros (1838-1840)...

Já agora as medalhas de "filiação política":



Alfinete Miguelino

Na monografia de Forninhos no capítulo "Invasões e Liberalismo" há uma informação que dizem datar de 27 de Novembro de 1830 que diz isto:
"Neste dia a Gazeta de Lisboa noticiava que o Rei D. Miguel tinha concedido no dia 20 desse mês(...), o uso da Sua Real esfinge, medalha em ouro, ao reverendo Lourenço Homem de Albuquerque, pároco de Santa Marinha de Forninhos, pertencente ao Bispado de Viseu. A notícia é parca em informações pelo que não nos foi possível apurar qual o motivo de tal honra."(sublinhados nossos).

Primeiro- a informação data de 26 de Novembro de 1830 e não 27 de Novembro, conforme se prova com  folha numerada com o nº 1142:


Segundo- O motivo de tal honra!!!  Não se trata de sinal de honra, mas sinal de pertença, como elemento ativo numa guerra. O Padre de Forninhos, foi um dos muitos que se permitiu pedir ao usurpador do trono, a mercê de usar o penduricalho de propaganda da causa miguelista, digo, a sua efigie (e não esfinge como se lê). 
Segundo o dicionário Priberam Esfinge é um monstro fabuloso com a cabeça humana e corpo de leão. Já Efígie é um retrato, imagem, figura de um indivíduo. 
Algumas vezes, as pessoas pronunciam "esfinge" ou "efinge", mas Historiadores de "alto gabarito" confundirem o termo...é Obra!!
Mas isso é outra história...

Fontes: 
Gazeta de Lisboa

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Onze anos depois...

Estamos de Parabéns!
A nossa razão de existir na blogosfera foi conhecer primeiro o passado para compreender o presente. Foi uma reflexão do momento e de afirmação do meu sentir.
Eu, em 2009, pouco ou nada sabia da história antiga, tudo o que agora sei já aprendi por aqui, com os textos e comentários publicados desde o início. 
De maneira que 11 anos de vida já ninguém os tira.
Este ano e pela idade antiga, o Blog faz a 4.ª classe, já que a idade mínima para admissão ao exame da quarta classe era de 11 anos completos ou a completar até ao dia 31 de Dezembro.




Mas quando esta foto foi tirada eu ainda não tinha a 4.ª classe!!
Por adivinhação, o trator John Deere do meu pai a fazer a curva "diz-me" que a foto foi tirada no ano de 1978. Temos cá fotos de 1976 e 1977, começamos com a tradição dos andores carregados pelas pessoas e depois aos poucos, pelos tractores na data de 15 de Agosto...recordam-se?
É uma pena, volto a dizê-lo, os andores não serem transportados como foi antigamente, mas de certa forma mantém-se a tradição, o que é o mais importante e como temos de acompanhar os tempos...
Alteramos o texto do cabeçalho do Blog e iniciamos um novo ano. 
Vamos a isso!

sábado, 7 de novembro de 2020

De tanto girar...

Como o tempo corre! Passou já um ano após a data em que trouxemos à memória Os Expostos.
Naquela altura não era certo (para mim) existir uma roda ou casa de Expostos em Aguiar da Beira, etc...mas o documento abaixo apresentado, relativo ao baptismo de uma criança, de nome Apolónia, dá-nos informação que existiu mesmo uma Roda de Expostos na Vila de Aguiar da Beira.


Baptizada em Forninhos "debaixo da condição" aos cinco dias do mês de Março da Era de mil oitocentos e cinquenta e dois anos pelo Cura Joze A. Fernandes, Apolónia, vinda/dizem  no primeiro de Fevereiro da dita era, da Roda de Aguiar da Beira, foi exposta em casa de Antónia Carvalho.
(não existem mais informações).


Os bébés Expostos raramente traziam com eles alguma coisa que pudesse identificá-los, mas por vezes tinham a indicação do nome e a informação de já terem sido baptizados em casa, para evitar que a criança morresse sem o baptismo. Mesmo assim eram novamente baptizados sob conditione, como é referido em alguns registos.
Diz a história que, isto acontecia quando, da parte dos progenitores havia intenção de recuperar a criança mais tarde. De acordo com os regulamentos das casas dos expostos, esta recuperação estava sempre garantida, pois em qualquer momento os pais podiam requerer a guarda dos filhos sem se sujeitarem a qualquer penalização ou julgamento.
Apolónia pode ser um bom exemplo desta situação. Foi levada para a roda, mas terá sido entregue mais tarde a Antónia Carvalho de Forninhos, que não declarando ser mãe dela, acredito ser a sua progenitora, porque de acordo com os registos de baptismo da altura, deu à luz outras crianças de pai incógnito, José, João, António, foram apenas três delas:

- José, nascido em 27-05-1848 e baptiz em 04-06-1848, filho de pai incógnito, mas dizem ser Francisco Dias Guerra.
Madrinha: Maria, filha de António Carvalho e de Ana de Andrade Janela.
Padrinho: José Carvalho, de Forninhos, solteiro

- João, nascido em 16-05-1850 e baptiz em 26-05-1850
Madrinha: Maria, filha de António Carvalho e de Ana de Andrade Janela.
Padrinho: João Carvalho, tio, solteiro

- António, nascido em 16-02-1853 e baptiz em 27-02-1853
Padrinho: Inocêncio Rodrigues, de Forninhos, solteiro
Madrinha: Maria da Fonseca, de Forninhos, solteira

- João, nascido em 27-04-1856 e baptiz em 11-05-1856, filho de pai desconhecido, mas dizem ser António Antunes.
Madrinha: Maria, filha de Francisco Dias Andrade e de Ana da Fonseca, de Forninhos, solteira.
Padrinho: João Carvalho, tio materno, de Forninhos, solteiro

(Por vezes, os nomes repetiam-se porque o primeiro "João" acabava por morrer passado pouco tempo sobre o baptismo).

Notas Minhas:
Os bébés baptizados eram netos de José Carvalho, de Pena Verde e de Maria Andrade Janela, de Forninhos.
Não deixa de ser curioso, o meu trisavô "Cavaca" ser filho de Inocêncio de Albuquerque e de Isabel Andrade filha de Manuel de Andrade Janela; nos registos o nome do meu trisavô, que nasceu em 1819, aparece como António de Albuquerque, António de Andrade Albuquerque ou ainda António Albuquerque Janela.
Ciente que todos podemos ter um antepassado Exposto ou Enjeitado, volto a pedir às autarquias (municipal e local) que invistam um pouco mais na História das terras que representam, no caso, seria uma forma de relembrar centenas de desconhecidos que durante séculos tiveram também um papel importante no concelho. 
A roda até pode já não existir, mas há documentos que só esperam ser resgatados e em tempo de pandemia, o pesquisar é coisa que podem fazer sem perigar e é um bom exercício.
De Forninhos existem registos paroquiais desde 1634 (uma raridade para uma freguesia do tamanho da nossa), disponíveis no Arquivo Distrital da Guarda, assim como na Torre do Tombo em Lisboa e tendo consciência dessa fonte inestimável para Todos, é pena não haver um projecto para transcrição dos documentos indispensáveis para reconstituirmos a memória do nosso passado.
"Tudo vale a pena quando a alma não é pequena" (Fernando Pessoa).