Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura...
Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
(Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos")
Quase meio século atrás. O lugar do Outeiro era tal assim, sem precisar de nome de ruas nem código postal, para tal bastava a tia Augusta "brasileira" que se encarregava de entregar e receber as parcas cartas redigidas por boca e de boca ouvidas, ela que corria o povo, mas que ali morava com o irmão António e a irmã Clementina e os filhos desta.
Para mim (suspeito por ter nascido ao fundo da ladeira, junto ao ribeiro dos Moncões), sem dúvida o local mais lindo e airoso de Forninhos.
Olhando em frente e a direito, por cima de lameiros, arretos, vinhas e matas, lá estava a Matela que nos tapava a vista para a serra da Estrela, mas que no inverno dava a novidade da vinda da neve por a receber primeiro que nós.
Para a direita, as terras da Moradia, perdendo a vista as terras de Castendo que eram olhadas como pronúncio do tempo para o dia seguinte, conforme o céu estivesse, não fossem as nuvens mostrar a "cabra esfolada" ou o vermelho do pôr do sol, ditar o calor e as vacas terem de ser jungidas madrugada ainda noite. Mesmo por cima dos olivais, sentia-se a proximidade do cemitério e via-se o sitio do Lugar, encimado pela igreja matriz e a cada badalada dos sinos, parecia que as telhas velhas do casario do Outeiro, se rachavam. Torcendo o pescoço para a esquerda, a vista alcançava desde o Picão, o caminho dos Cuvos e a serra de S. Pedro, a caminho dos Valagotes.
Estas duas fotos, representam a comunidade genuína desse tempo em que as mulheres encostadas nestas paredes, catavam os piolhos aos garotos, punham a conversa em dia e ao anoitecer vinham de cântaro na cabeça e cantarinha no braço de água da fonte para a janta.
Por aqui, entre a casa da tia Eduarda, da tia Olivia e da Micas e mesmo da minha avó Ana, havia uma eira na qual se malhava centeio e trigo, assim como o milho que juntamente com o feijão ali ficavam a secar e guardados toda a noite. Aos domingos, depois de um tempo na taberna, os homens ali faziam companhia às mulheres, nas novidades e saboreando um ou outro copo do vizinho, antevendo que o dia seguinte seria de "pica o boi". Duro, como sempre, pois não havia tempo para "rónhonhó" ou ficar na preguiça.
Aquele carro foi uma novidade e colocou o nosso "território" em alvoroço, Acho que era do tio Manuel Guerra e que o tio Elísio levou nas férias. Tirando o carro do Antoninho Bernardo, de algum caixeiro viajante e os carros de aluguer da Guarda Republicana, pouco se via. Não contando com a do médico, a Renault 4 que por norma ficava atolada na estrada da Matela.
Se fosse falar na alegria da garotada que ali reinava e que tinha de ser arrastada para a cama no fresco do verão, quantas vezes presos pelas orelhas, ficava aqui toda a noite...
Digam se o Outeiro não tem magia?
Fotos: Henrique Lopes.
Fotos: Henrique Lopes.