Como é que as mulheres de antigamente ocupavam os seus tempos de "ócio"?
Antes de mais, falar de "ócios" para uma mulher casada nos anos 40, 50, 60...na aldeia só pode ser uma piada de mau gosto, já que essas mulheres tinham sempre que fazer: lavar roupa, varrer a casa; preparar a comida para o vivo (os animais), pois na maior parte dos casos estava a cargo das mulheres; acartar lenha, preparar as cinco ou mesmo seis refeições do dia, amassar e cozer o pão. Depois disto tudo, que tempo havia de restar às mulheres da aldeia que se possam mesmo dizer "tempos de ócio"?
Os poucos momentos que tinham ainda assim eram passados a trabalhar: sentadas ao soalheiro passavam o tempo a remendar meias, a bordar, a fazer meia com cinco agulhas (anos 40 e 50), a fazer malha com duas agulhas, a fazer renda (mais tarde nos anos 60)...
Ou seja: mesmo nesses momentos, o tempo livre era para uso da casa e família.
Era o tempo de criar sete, oito, nove, dez, onze, doze filhos. Era um amanhecer cedo e deitar tarde, desde as sementeiras às colheitas.
E, à noite, sob a luz do candeeiro, de azeite, de petróleo, era quando se podiam sentar na máquina de costura para deitar uns fundilhos nas calças dos maridos e dos mais pequenos ou transformar a roupa dos mais velhos para os mais novos. Até que um dia...
Correu no povo que não era bom coser à noite pois aparecia "a costureirinha", uma personagem de outro mundo, uma alma penada que faltara ao cumprimento de uma promessa.
Segundo testemunhos, à noitinha ouvia-se o tic-tic-tic de uma máquina de costura, das antigas, de pedal, assim como o cortar da linha e até, segundo alguns relatos, o som de uma tesoura a ser pousada. O som podia vir de qualquer casa vizinha onde houvesse uma máquina de costura a trabalhar, mas, certo é, que estes inexplicáveis sons deram origem à "lenda-da-costureirinha" (no Google há várias lendas associadas) e foi assim que se deixou a costura nocturna e era nas tardes livres - quase sempre ao domingo - que as mulheres se sentavam a costurar na máquina.
Era o tempo de uma sociedade que tinha os seus medos, os seus mitos, as suas crenças e o seu modo de ser e de estar na vida.
A minha avó materna, lembro que tinha a sua máquina no quarto de dormir junto à janela virada para a rua e era onde as suas filhas nas horas vagas se sentavam a costurar. Foi na máquina da minha avó que a minha mãe aprendeu a coser roupas e a minha avó disse várias vezes em vida que quando morresse a máquina ficava para a minha mãe, mas na partilha dos herdeiros não lhe coube a máquina.
Entretanto, a minha mãe comprou uma máquina manual que colocava sobre a mesa e enquanto cozia rodava a manivela com a mão. Eu pedia-lhe que me deixasse coser (parecia fácil), mas ela não me deixava, não fosse a agulha partir-se ou eu picar-me nela!
Depois vim para a Grande Lisboa e o tempo foi passando e acabei por não aprender a alinhavar e a coser.
|
foto retirada da wikipédia |