Ainda pouco passou do meio século sobre o tempo em que as mulheres pariam em casa, entregues e confiantes nas mãos experientes de quem não sabia ler nem escrever, mas que "acanavam" os meninos na hora do parto.
Ainda hoje se diz que tinham um dom, eram jeitosas para salvar e trazer novas vidas ao mundo e sendo chamadas (curiosamente as pessoas mais idosas e vizinhas), céleres se deslocavam apeadas a casa da parturiente dando ordem de água quente na caldeira da lareira, panos lavados e uma tesoura para depois cortarem o cordão umbilical .
Apenas isto...e a sabedoria, que ao que consta jamais deixaram perder no parto uma alma,não sendo a tia Luisa que morreu no parto, mas sem culpas, afinal médicos e hospitais, apenas ouviam falar numa terra sem estradas. Tudo ficava tão longe que a vida tinha de continuar nos seus modos ancestrais, afinal eram a prova cabal de sobrevivência e multiplicação.
Muitos dos partos eram feitos na cozinha por terem as coisas ao dispôr e se o parto demorava, esfregavam uns pingos de azeite para apressar, mas o mais certo era esperar e depois ver se era menino ou menina pois as histórias da barriga para determinar o sexo, eram muito falíveis.
O maior medo, era que a criança estivesse virada ao contrário, tal como aconteceu com a minha irmã mais velha que não trazia a cabeça bem direita e a vizinha chamada, a ajudar, a mulher do tio Luis Pego, ajudou a que tudo terminasse em bem.
Houve muitas mulheres em Forninhos que tinham o "dom" e depois do bem sucedido parto, mais tarde a garotada exibia em defesa da sua parteira, o umbigo "bem curado" por ela.
O meu e das minhas irmãs, foi a minha avó Maria da Lameira, mas o meu irmão e com ela já falecida, foi a tia Maria Coelha, avó da Paula, Uma trabalheira, pois verificou-se que eram gémeos e a menina nasceu morta, sendo de louvar que salvou o outro. pela sua mestria e entrega.
Tinha eu dez anitos e recordo como se fosse hoje, chegar junto à porta da cozinha e ver toda aquela azáfama e muito fumo, afinal era Novembro e muito frio; lembro um petiz roxo a berrar, uma bacia e ele a ser enrolado em panos brancos...
Outras houve, tal como a tia Prazeres da Barbeira, mãe da tia Pincha, e a trisavó da Paula, a avó Dulce que segundo perdura nas coisas contadas, era a mestre de "acanar" os rebentos.
Também houve quem não tivesse parteira ao lado.
A tia Correia que indo buscar o correio ao comboio de Fornos e tal trazia depois da Matança para Forninhos, lhe rebentaram as águas em plena serra, nas Lageiras e ali teve sozinha o rebento e ficou para contar...