Quase se atamancavam no transpôr da porteira para entrar no pátio e dizer o bom dia que anunciava que haviam chegado para o desejum da vindima: chouriça, farinheira, queijo, vinho e bagaço, num belo mata bicho! E...tal acontecia pelas sete, variando com o tempo.
Quem imaginaria que um dia o roncar dos tratores, iria turbilhar as memórias das donas da vindima caseira e quase familiar que tinham por obrigação ir primeiro na frente escolher os melhores cachos - o Jaé e Moscatel - cujas videiras escondidas vinham do tempo de seus avós...
«Estariam os cachos nas videiras, assim rezavam...».
Nesse entretanto já a irmandade calcorreava os caminhos íngremes e esburacados rumo a Valongo, melhor, ao Castiçal, mais acima, como que em procissão atrás do carro das vacas que acarrava imponente a dorna ainda vazia, se bem que segurada a preceito. O lavrador sabia a mestria dos que a prenderiam.
No socalco abaixo do alto da vinha ainda existe quase sofucada por mategado, uma figueira de figo preto riscado e no outro arreto a seguir, uns pessegueiros de aparta caroço que o tio Joaquim Branco e o Forra estreavam na vindima, ainda a pingar da orvalhada.
No pinhal, ao lado, estacionava o carro das vacas, retiradas e presas aos pinheiros circundantes, enquanto demorava o acarregar dos canastros nos ombros dos mais afoitos para entornar na dorna, ao som de cantorias por ser dia de festa. Era dia de vindima e como tal soltavam a desgarrada...Ó Moscatel, és um vinho sem igual...e dorna cheia, havia que fazer o mais difícil: levar tal por carreiros de seixos e pedregulhos sulcados e vincados pelas chuvas de inverno, com medos, mas com mestria.
Duas sacholas fortes e seguras, prendiam o topo da dorna e tal guiando para não entornar e porventura dai o termo de adornar, pondo em risco a vida dos homens afoitos, animais e mosto.
Chegados ao lagar, coisa para quem sabia. Dependia do lagar da sua boca de entrada e altura.
O do meu pai era fácil por ser de entrada baixa, mas o do meu avó Francisco, um bom lagar, era alto e carecia de gente ainda mais capaz que além de saber manejar uma dorna carregada de cachos com milhares de quilos, tinha de ter um bom lavrador a manejar o gado.
Houve uma ou outra altura a beijar a desgraça, mas passado o susto o que diziam (já mais descansados) era que virar um carro de caruma, de estrume ou de milho, era mais fácil de acontecer.
Entre um copo de regresso para a vinha, acabavam por levar a piqueta para o pessoal, a sardinha frita, as fritas e aquelas iguarias entre as quais mais um garrafão que havia que despejar, pois o novo já se fazia anunciar. A hora era a que o tempo mandava, seco ou molhado e o dono ditava se partiam para outro lado mais enxuto e depois voltavam para acabar o resto.
A janta, era quando tal aprouvesse, com os restos da piqueta e quem para tal pudesse, acrescentado com batatas e bacalhau.
E esta gente, sentada na sombra do pátio, apenas começava a comer quando ouvia o último grito dos homens ...
Não havendo gritos a seguir, a vindima tinha corrido bem e seria comemorada a preceito na noite caída, na pisa do lagar com muitas cantigas em louvor do senhor vinho.
E no fim, depois do lava pés, não cantava o maior galo da capoeira, pois estava há muito na panela pronto para comer!