Foi no início do ano de 2010 que escrevi que nos meados do século passado nas aldeias do interior a população alimentava-se com o que a terra produzia e dos derivados do cevado, assim era designado o porco destinado à matação; e a partir daí dediquei-me a vários aspectos da vida aldeã dos anos 50/60.
Hoje deu-me para fazer um 'post' sobre o peixe que se comia, para além do fiel amigo, o bacalhau, sempre presente na ceia de Natal, e no jantar (= almoço) e merendas das ceifas ou malhas e vindimas.
Família do falecido ti Luís Moreira, conhecida por 'Pissoto' |
Na aldeia de Forninhos era a sardinha o peixe que mais se comia. É certo que por compra também se obtinha o chicharro, mas o peixe fresco que mais aparecia na terra era a sardinha grande e pequenina.
Digo fresco, porque já sou do tempo em que a caixa trazia a sardinha com umas pedras de gelo por cima, mas boa parte das vezes acho que já chegava ardida, mas ardida ou não, comia-se! Dizem que uma sardinha chegava a dar para três, um comia o rabo, outro o meio e o terceiro a cabeça. Pensava eu que era porque não havia dinheiro para comprar sardinhas para todos, mas hoje acho que tal devia-se ao racionamento, originado pela falta de produtos aquando da II Guerra Mundial e que por causa disso os portugueses sofreram com a falta de alimentos, especialmente para a sua alimentação. Tempos difíceis a que os de agora, ainda que de crise, não se lhes assemelham!
Quanto a peixes mesmo frescos, lá havia um ou outro pescador-amador que apanhava umas bogas e uns barbos no rio, ribeira ou ribeiros, mas estar horas a fio a olhar para a minhoca acho que não dava comida a muitos.
Quando esvaziavam algum açude para reparação (e dos muitos existentes havia sempre um a necessitar dela) é que lá ia um magote de rapazes e homens apanhar peixes. Nesse dia, sim, dava comida a muitos.
Normalmente quando queriam peixe do rio, usavam práticas ilegais: deitavam imbude no rio ou ribeiro e aguardavam que os peixes viessem ao de cima, atordoados ou mortos. Outra prática criminosa consistia em deitarem uma bomba de algum foguete guardado do Espírito Santo ou do Santo António dos Valagotes atada a uma pedrita para ir ao fundo. Escolhiam o local onde haviam visto peixes e pum(!) lá vinham uns peixitos ao de cima, mas esta prática usada por alguns, era perigosa!
Fora este modo de os arranjar, só por compra se obtinham. É de notar porém que foram encontradas enguias nas águas do nosso rio e ribeiros. O resto dos peixes eram para os lisboetas e C.ª.
E de repetente ao fazer este 'post' lembrei-me dum trecho do livro O Homem que Matou o Diabo do Aquilino Ribeiro, homem da província e conhecedor do saber popular, mas também intelectual das urbes, no qual retrata uma viagem pelo Portugal rural, de uns janotas à nossa Beira, que carregados de fome aportaram na Ponte do Abade e lançaram ao que havia ao dispôr. A medo, perguntaram à vendeira (mulher da taberna) - "Que há de almoçar?".
"E ali que tem?", apontando uma terrina desasada. "Peixes cá do corgo, mas nem lhos ofereço que são amanhados à nossa moda e as senhoras não gostam". "Deixe ver..." Provámos; era uma deliciosa calda de escabeche, gorda e profunda como cheia do Nilo, que afogava uma boa dúzia de trutas, esses extraordinários salmonídeos que pediram casaca aos marqueses de Luís XIV, para serem janotas da água doce, e o sabor ao jantar dos deuses para não ir nada igual à mesa de gulosos.
A medo provaram o petisco, pensando em apenas matar a fome, que de outro modo não tocariam em comida assim disposta. Só que quando o pitéu lhes roçou as papilas gustativas, deixaram-se de brios e emborcaram sofregamente o que havia, como se acabassem de descobrir a melhor maravilha do mundo".