Hoje à mesa, recordamos este dia na sua simplicidade de outrora. Do modo em que se festejava com cumplicidade, coisas de união no bairro em que nascemos e crescemos, tal como o dia de São Martinho de quase trinta anos atrás, no entretanto do descascar de mais uma castanha...
- Bons e santos dias!
- Tao cedo e já andas a cirandar, gostas mesmo daqui...
- O que quer ti Casimiro, o dia promete calor, quem tal diria...
- Olha que o mundo virou, te digo eu. Já ontem a vaca esfolada raiava no céu para as bandas de baixo do lado de Sezures e do frio nem cheiro, quanto mais da neve, assim nem o vinho se cura. Sabe la a gente o que vira, se calhar nem as ovelhas emprenham...Dizem que hoje e dia de S Martinho e temos que ir ao pipinho. O meu acho que esta limpo e o do teu pai? deve estar um mimo pois ele sabe tratar, aprendeu com o teu avo... mas queres provar do meu?
- Bem haja, mas mais logo na vinda, bem haja.
- Tu o sabes, abocanhamos qualquer coisita e provamos. Não me faças a desfeita.
E na volta por la parei e por entre uma mastiga de presunto e bacalhau seco, segredou.
- Sabes que da parte do teu pai ainda somos primos, olha que coisa afinal, somos quase todos na terra entre uns e outros , mas os mais velhos, os antes deles, quanto mais nos agora, tinham um segredo falado por este dia que tenho medo em te revelar por ser restrito, sabes o que quer dizer? mistérios. Mas fica entre nos...Jeropiga. Feita em duas medidas por uma, percebes? sem manigâncias que tem sido um pecado esconjurado pelos lavadores que adoravam os seus vinhos puros e que agora um ou outro fascìnora para ganhar mais algum mistura o que quer que seja, mas a nossa, puríníha.
Surripiavam o mosto e entre umas partes de aguardente e acucar misturado, era um Deus nos acude de mixórdia!
Mas diz-me tu que tens letras, afinal este santo o que tem de especial, pois o quanto sei tinha uma espada e acudiu a um pobre e lhe deu parte da capa para o proteger do frio e que o soldado foi enterrado neste dia e que mais tarde ficou santo A seguir veio o sol e calor tal como hoje e quase todos os anos. Estranhas estas coisas, pois afinal a gente passa tanto frio nas serras e nem um facho de palha nos acomoda...
- Não se incomode ti Casimiro, santos sao santos e ao menos este podemos festejar, va la, nao se arrelie...
- Olha ai, não te vás, carago que és cá um apressado, espera e ouve o que te digo. Quantos sois os que cá estais, tirando os que cá estavam?
Achas bem o vinho novo, claro que ainda não limpou bem, mas já começa a ter cor, que achas?
- Já e uma grande pomada!
- Achas, de certeza?
- Claro, ate faz uns picoznhos no céu da boca...
- Mas nao respondeste, afinal quanto sois?
- Meia dúzia, mais ou menos.
- Boa, e outro tanto daqui. Vou tratar do assunto.
Nisto grita pela dona Maria,
- Somos quase vinte, mulher!
Por vezes ficam agastados e por tal ela remedeia a coisa,
- Contando com as galinhas, coitadas que ainda aguardam as couves que ficaste de ir buscar. Ainda hão-de esticar o pernil pela fome. Raio de homem que com vinho novo nao quer outra coisa...
- Ouve uma coisa vizinho, confidencia o ti Casimiro,tenho de navegar para a horta pois quem sabe se não irei precisar de uma canja delas um dia, mas com a minha mulher ca me entendo, ela sabe o galo que ainda tem na nossa capoeira la em casa. Quando voltar vou limpar o realejo que sabes que dou uma mão e venham as quadras a preceito...
Então vai ser assim, dita. Tenho ali ainda no carro das vacas uma carrada de caruma que a fui arrebanhar mais a patroa ontem pelo meio da tarde. Esta sequinha. Castanhas tenho mais de uma arroba delas do lado de Trancoso, pois sabes que por aqui a maligna acabou com tudo, mas descansa que são boas, da martainha, finas mesmo.
Fazemos um belo magusto aqui na nossa rua do ribeiro e olha, se mais vierem cá caberão, mais cântaro de vinho ou requeijão, não vai acabar o mundo. Não leves a mal não gostar da agua pé, cá por coisas, com vinho tao bom que temos, saberia a agua mijona, nao achas? Agora orienta a coisa da tua parte, mas sem finuras pois um magusto quanto mais porco mais bonito. Sei que percebes e não por ti.
Neste caso e se concordares, ficamos firmados, por volta das quatro...
Dei a volta no ir mas ele gritou
- Não vás, ainda não lambeste a gaja...
A jeropiga, divina e sensual, comprovei e fiquei rendido.
Raio do homem que ainda me goza enquanto de carrinho de mão, de madeira fugia para a horta,
- Um magusto sem ela, era como um homem casar sem mulher.