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sábado, 30 de maio de 2020

A Festa do Espírito Santo

Começava-se a contar no Domingo de Páscoa, até se atingir o Pentecostes ou Festa do Espírito Santo cinquenta dias depois, como indica o nome grego Penteconta = 50.



Até lá, nos domingos seguintes. era costume as paróquias à volta de Forninhos irem todas ao Santuário de Nossa Senhora dos Verdes, em procissão, com cruz e lanternas e o respectivo pároco, por vezes comum, cantando e rezando as ladainhas: Corticô, Vila Chã, Sobral Pichorro, Fuinhas, Maceira, Penaverde, Matança, Algodres, Infias, Casal Vasco, Vila Cova, Esmolfe e Sezures, Dornelas, Cortiçada, Valverde, Soito e talvez mais povos, cada uma em seu domingo e cada uma por sua vez cumpria o Voto, à excepção da Paróquia de Dornelas que ia no dia de Santa Cruz (3 de Maio).
Matança, ía nas vespéras do Espírito Santo. 
Eram sete as romarias, a última das quais já constituindo a festa do Divino.
Fonte: Maria Augusta Guerra da Fonseca.
O Monsenhor Pinheiro Marques no "Terras de Algodres" sobre o cumprimento de votos colectivos de ordem religiosa das povoações, diz-nos que "competia à Câmara de Algôdres convocar os moradores e ir com êles em romagem a certos santuários". E, ligeiramente, refere que a Câmara de Algôdres, com as anexas ia, desde tempos remontíssimos à Senhora dos Verdes em Forninhos.
O Pe. Luís Lemos no "Penaverde Sua Vila e Termo" refere que ainda lá foi uma vez em criança, no Espírito Santo, quando o Prelado diocesano já tinha proibido a actuação de outros padres, que não o Pároco de Forninhos. "Naquele ano já não foram sacerdotes, mas as freguesias compareceram e cada uma por sua vez "cumpriram o voto" - assim diziam - fazendo romaria à capela e cantando a ladaínha a Nossa Senhora dos Verdes ou outros cânticos marianos".
No "Forninhos a terra dos nossos avós" nenhuma referência, o que demonstra bem a leviandade no modo de tratar e aprofundar o príncipio da fé tão arreigada nestas terras.
Agora, não vos sei dizer quando se iniciaram estas ladainhas, mas terá sido depois do milagre ocorrido há 300 anos, portanto, no século XVIII. Em 1758, o Cura local já fala de romagem ao santuário em alguns dias do ano, principalmente nos dias Santos do Espírito Santo. Sem outra documentação que se conheça e como humanamente é impossível saber como era em tempos mais recuados, fica sempre, claro está, a incerteza.
Também não vos sei dizer quando e porquê terminaram estas romagens. Se calhar foi porque o divertimento se sobropôs à devoção. 
O século XX foi trágico para as populações. Primeiro foi a Primeira Grande Guerra e depois veio a Segunda Guerra. A seguir a emigração por razões políticas como forma de não irem combater no Ultramar (Guerra Colonial 1961-1974) e económicas na procura de melhores condições de vida, trouxe novas ideias e costumes e o fim da ditadura com o 25 de Abril de 1974 levaram a uma maior abertura, a uma mudança de mentalidades. 
Presentemente, ainda rumam à Senhora dos Verdes no dia da Festa do Espírito Santo os povos de Sezures e Esmolfe, Dornelas e Penaverde.

Nota Pessoal: Este ano devido ao covid-19 não sei se há romagem ou não. A única coisa que sei é que o Sr. Padre há mais de 2 meses abandonou este povo, mas espero que, com ou sem padre, os paroquianos honrem uma história com três séculos, pelo menos!

segunda-feira, 25 de maio de 2020

O Dia da Criança está a chegar...

Nasci nos montes,
Outeiros,
Sem pontes,
Nos ribeiros,
Em Forninhos.



Usei burel
E cotim
Fiz moinhos
De papel
Comi mel
De alecrim
e rosmaninhos

Era uma alegria
A gente crescia
Tão feliz
E não sabia...

Fui um petiz
E um muito feliz
Menino...

Ilídio Guerra Marques

Não sei se é um poema, se um texto poético, só sei que contém uma mensagem tão clara, que oxalá que a criança que há em cada adulto, ao longo do seu caminho, seja um petiz e um muito feliz menino.
Gostei imenso.

quinta-feira, 21 de maio de 2020

5.ª Feira de Ascensão

Hoje é 5.ª feira de Ascensão. Para muitos é o dia da espiga, mas eu sempre conheci este dia como a 5.ª feira de Ascensão, o dia em que Jesus Cristo subiu (ascendeu) ao céu em corpo e alma, após 40 dias na terra, depois da ressureição.
Em tempos, terá sido um importante feriado religioso, o dia em que eram benzidos os campos, principalmente os dos cereais, que eram primordiais na alimentação humana e dos animais. 
Depois que deixou de ser feriado, a Ascensão é celebrada no domingo próximo.


Em conversa telefónica com algumas pessoas, a maior parte bem se lembra da procissão das ladaínhas à volta da igreja e da benção ser feita no sentido Cruzeiro Paroquial/Casa Paroquial. De volta ao interior da igreja realizava-se a cerimónia, com o Santíssimo Sacramento exposto na Custódia e com todo o povo ajoelhado e na altura da "uma hora santa" do altar-mor era atirada em direcção ao Santíssimo uma chuva de pétalas de rosas desfolhadas. Era como o dia do Lausperene.
- Dia do Lausperene? Perguntei eu.
- Sim, em memória do período que o corpo de Jesus Cristo passou no túmulo até à Ressureição, só que agora era para lembrar a Ascensão de Jesus, o senhor padre vinha também aspergir com água benta.
- Ah! não me lembro nada disto, dentro da igreja só lembro na minha infância, de atirar punhados de pétalas de rosas para cima do altar de Nossa Senhora de Fátima no último dia do mês de Maio, no final de se rezar o terço.
Enchiam-se açafates com pétalas de rosas de várias cores, brancas, cor de rosa, amarelas, vermelhas, mas predominavam as vermelhas.
- Agora o que se verifica é que ao longo da história,  a Igreja Católica tem andado muitas vezes às aranhas em relação a muita coisa. Não fazem as coisas bem feitas. Desta vez os campos não vão ser benzidos por causa do estranho covid-19, mas no ano passado o padre também já não abençoou os primeiros frutos.
-Também não sabia disto. Foi a chuva que o impediu?
-Não, não lhe apeteceu. De tal maneira que...
- Dizia a minha mãe que neste dia os passarinhos não iam ao ninho.
- E também se dizia, e disto eu lembro-me,"Dia da Ascensão seca a raíz ao Pão" anunciando assim o pão, a vida e o aloirar/amadurecer das searas.

sábado, 16 de maio de 2020

Patimónio popular: O Tronco

Sendo o gado vacum, asinino e cavalar um auxiliar precioso para os trabalhos do campo, depressa o povo concluiu que lhes tinha de proteger os cascos, o que deu ao proliferar nas aldeias de um equipamento fundamental importância: o "Tronco" que servia para ferrar o gado do trabalho. 
O
Tronco de Soutocico, Arrabal, Leiria

O tronco tal como a própria designaçao indica, consistia numa estrutura de madeira, de quatro pilares obtidos através de troncos, dois deles com orifícios onde se fixava uma pequena armação em madeira, em forma de jugo, onde era metida a cabeça do animal quando vinha a ferrar. A estrutura cingia-lhe os movimentos, permitindo ao ferrador executar o seu trabalho, evitando coices e cornadas.
Houve dois em Forninhos. 
O mais antigo de que há memória era nos Olivais; o outro ficava na direcção do Picão, perto da escola velha (hoje Casa/Sede da Junta de Freguesia). 
Havia ali um largo com oliveiras e nesse largo fizeram o 2.º tronco, que servia todos os lavradores de Forninhos e de outras povoações, que quisessem vir ali limpar e proteger os cascos dos seus animais de trabalho. Ainda existia há uns anos.
O ferrador era o tio Belarmino do Barracão (já falecido), uma pessoa muito entendida em animais, com conhecimentos de veterinário popular, formado na universidade da vida, por isso chamado também sempre que algum animal doméstico sofria acidente ou tinha um achaque. Exemplo, quando as vacas se engasgavam com uma batata entalada na goela, lá vinha o tio Belarmino do Barracão...
Trabalhou nos dois troncos a "calçar" e cuidar dos animais dos nossos antepassados. 
Bem-haja!
Toda a gente conhece as ferraduras de burros e cavalos. Menos conhecidas são as ferraduras dos bois, chamadas canelos.
Cavalos, burros e machos, animais com casco único, levavam ferraduras, seguras com cravos que entravam a martelo. Já as vacas, animais de dois cascos, eram aplicados canelos, igualmente seguros por cravos.
Imobilizados os animais, o ferrador tirava a ferradura velha com uma grande turquês. Depois cortava com um formão um pouco do casco. Alisava o casco com uma grosa e aplicava-lhe a seguir com grandes marteladas uma nova ferradura, ajustada ao tamanho e unha do animal. Com um martelo espetava os cravos - uns pregos que eram enfiados em buracos da ferradura de modo oblíquo relativamente à pata. Depois cortava e limpava com uma grosa as pontas dos cravos que saiam do casco.
Existe uma expressão relacionada com o ofício de ferrador "dar uma no cravo e outra na ferradura" que significa dar um golpe certo e outro não, dizer duas coisas contraditórias.
Naquele tempo, nos animais sujeitos a muito trabalho, os cascos dianteiros tinham de ser ferrados de quinze em quinze dias, não só por trabalharem todo o santo dia, mas devido também ao esforço desses animais na tracção dos carros pelos caminhos pedregosos. Mas havia lavradores que não levavam ao tronco os seus animais com esta regularidade.
O meu pai disse-me que as conhecidas jarmelistas foram as primeiras vacas que o meu avô teve e se o tio Belarmino não viesse dentro de quinze dias a Forninhos o meu avô Cavaca ia ao tronco das Antas ou de Dornelas. Foi lá muitas vezes...
Como em quase todos os lares havia pelo menos um animal de tracção ou carga, o tempo de espera para ferrar os animais, chegava a ser um bom par de horas, ou mais...!
O que vale é que havia por perto tabernas onde podiam esperar pela sua vez enquanto toamavam uns copos e conversavam. Mas também podiam ficar a conversar entre si, perto do tronco. Os troncos de ferrar eram locais de convívio aonde acorria muita gente para contar e ouvir histórias e novidades.

Nota: Foi com a preciosa colaboração do meu pai: Samuel Cavaca, filho de um afamado lavrador de Forninhos: Zé Cavaca, que fiz este artigo sobre um "património menor", porém de uma funcionalidade e de um saber-fazer importantíssimo. 

domingo, 10 de maio de 2020

Orfãos da terra

A protecção dos bens e interesses dos orfãos, foi desde há muito tempo, uma protecção do Estado. Até ao início do séc. XVI, na maior parte das localidades, essa protecção era assegurada pelo Juíz Ordinário, mas nas localidades mais pequenas, o Juíz de Orfãos não tinha obrigatoriamente que ter formação jurídica. A sua escolha era fundamentada sobretudo na integridade moral e no reconhecimento social. Era, por isso, um cargo de grande prestígio e responsabilidade para quem o ocupava.
No dia 13-07-1439 "D. Afonso V nomeia Afonso Vasques, irmão de Martim Vasques Moreira, porteiro da câmara régia, para o cargo de juiz dos orfãos dos concelho de Algodres e Pena Verde e seus termos, como o era em vida de D. Duarte".
Onde os houvesse, competia-lhes confirmar a nomeação dos tutores feita pela família dos orfãos e obrigariam-nos a redigir um inventário de todos os bens que lhes pertencessem, o qual deveria ser entregue a esses juízes. 
Para além do inventário o tutor era obrigado ao depósito integral de todas as quantias  ou objectos de valor pertencentes a estes numa espécie de arca (ou cofre), especialmente construída para o efeito. Nesse cofre estavam também dois livros, um de receitas e outro de despesas, onde era registados todos os movimentos de entrada e saída de dinheiro relacionados com os proventos ou despesas do menor.
Era a ele que competia também autorizar o arrendamento, venda ou aforo de terras de que o menor fosse proprietário. 
Competia-lhe ainda autorizar o casamento do orfão, caso este não tivesse completado 25 anos de idade.
Para saber mais sobre este assunto, basta ir ao Google e procurar em: Livro 1 Tit. 88: Dos Juízes dos Orfãos. É interessante perceber a preocupação que há tantos anos já havia com os orfãos, ao ponto de se legislar com grande minúcia sobre a salvaguarda dos seus direitos e interesses patrimoniais. 

Alzira Fernandes  - 15 anos

Quase sempre o tutor nomeado era o padrinho de baptismo do(s) menor(es). Mas o padrinho era mais que um tutor, porque constitui-se uma relação quase familiar, não se extingue com a maioridade - É para toda a vida (salvo se existir revogação).

Em determinada altura foi Sr. José Rodrigues Tutor dos Orfãos de Forninhos. Foi também Regedor e ainda hoje é referido muitas vezes como uma pessoa notável, séria e prestigiada.
Acolheu várias crianças orfãs, mas parece que  última criança a ficar aos seus cuidados,  foi a filha mais nova da tia Etelvina. Etelvina Fernandes morreu em 1957.
À minha pergunta se não tinha pai, respondem:"A Alzira era filha do tio Delfim, mas ele nunca a registou como filha e, por isso, com 13 anos de idade ficou ao cuidado do teu tio José Matela até embarcar para o Brasil, onde já estavam as irmãs mais velhas".
Em Abril de 1959, com 15 anos de idade, a Alzira parte de Forninhos rumo ao Brasil. João Albuquerque e Ezequiel Rodrigues despediram-se  dela numa casa junto à Igreja de Santo Contestável em Lisboa.
Um outro caso: O marido da tia Raquel Castanheira, Luís Coelho, que era pedreiro  de profissão, morreu numa pedreira no dia 28 de Novembro de 1958. 
Quando o chefe da família falecia, se deixasse filhos solteiros menores de 25 anos - como foi o caso - era na mesma nomeado um tutor, uma vez que à mulher viúva não era reconhecido o papel de administradora do património da família.
Francisco Almeida, conhecido por Francisco ferreiro, também foi tutor de  alguns orfãos, assegurou a salvaguarda dos bens dos menores orfãos de pai: Augusta Guerra da Fonseca e seus irmãos António e Rosa. 
Esta responsabilidade terminava quando atingissem a maioridade, que era aos vinte e cinco anos.
Já os expostos (aqui no Blog já se lhe fez referência) era aos vinte anos, cinco anos mais cedo que os restantes cidadãos!
De referir que os expostos eram também considerados orfãos, cabendo aos juízes a nomeação dos seus tutores quando estes tivessem completado os sete anos de idade, altura em que deixavam de estar sob a tutela das instituições responsáveis. 
Um retorno ao passado de Forninhos e suas gentes que permite-nos conhecer como se cuidava dos orfãos e dos seus bens.

sexta-feira, 1 de maio de 2020

No campo...

O 1.º de Maio é o dia do trabalhador, e  para o comemorar escolhi um "textosito" dum Livro que aprecio muito, em homenagem aos trabalhadores do campo, que dele(s) tira os miminhos que todos apreciamos:
"Romperam há semanas as batatas na leira estrumada e pedem monda e logo rega, murchas ao primeiro aperto da canícula, enquanto ao lado, as fêveras do milho grosso, já saído, vão crescendo com as lufadas do suão...E é o tempo das sachas. Andam ranchos, em tapadas e cerrados, vergados para a terra a mondar os milhos entre cantigas em côro ou à desgarrada (...)



enquanto as cerejas coram, às meiguices do sol de Junho.
E, num ai, as ceifas à porta. Não há mãos a medir. Ao domingo se combina o serviço entre todos, para todos se ajudarem, porque todos se devem favores: - tal dia para fulano, tal dia para cicrano, outro para beltrano, e fica a semana encarrilhada. Mal se dorme, que as noites são pequenas e o trabalho não dá sesta."

"Penaverde Sua Vila e Termo, Pe. Luís Ferreira de Lemos

Que todo o trabalhador seja recompensado pelo esforço continuado de manter o mundo alimentado e farto.
Que viva pois,  o Dia do Trabalhador.