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domingo, 10 de maio de 2020

Orfãos da terra

A protecção dos bens e interesses dos orfãos, foi desde há muito tempo, uma protecção do Estado. Até ao início do séc. XVI, na maior parte das localidades, essa protecção era assegurada pelo Juíz Ordinário, mas nas localidades mais pequenas, o Juíz de Orfãos não tinha obrigatoriamente que ter formação jurídica. A sua escolha era fundamentada sobretudo na integridade moral e no reconhecimento social. Era, por isso, um cargo de grande prestígio e responsabilidade para quem o ocupava.
No dia 13-07-1439 "D. Afonso V nomeia Afonso Vasques, irmão de Martim Vasques Moreira, porteiro da câmara régia, para o cargo de juiz dos orfãos dos concelho de Algodres e Pena Verde e seus termos, como o era em vida de D. Duarte".
Onde os houvesse, competia-lhes confirmar a nomeação dos tutores feita pela família dos orfãos e obrigariam-nos a redigir um inventário de todos os bens que lhes pertencessem, o qual deveria ser entregue a esses juízes. 
Para além do inventário o tutor era obrigado ao depósito integral de todas as quantias  ou objectos de valor pertencentes a estes numa espécie de arca (ou cofre), especialmente construída para o efeito. Nesse cofre estavam também dois livros, um de receitas e outro de despesas, onde era registados todos os movimentos de entrada e saída de dinheiro relacionados com os proventos ou despesas do menor.
Era a ele que competia também autorizar o arrendamento, venda ou aforo de terras de que o menor fosse proprietário. 
Competia-lhe ainda autorizar o casamento do orfão, caso este não tivesse completado 25 anos de idade.
Para saber mais sobre este assunto, basta ir ao Google e procurar em: Livro 1 Tit. 88: Dos Juízes dos Orfãos. É interessante perceber a preocupação que há tantos anos já havia com os orfãos, ao ponto de se legislar com grande minúcia sobre a salvaguarda dos seus direitos e interesses patrimoniais. 

Alzira Fernandes  - 15 anos

Quase sempre o tutor nomeado era o padrinho de baptismo do(s) menor(es). Mas o padrinho era mais que um tutor, porque constitui-se uma relação quase familiar, não se extingue com a maioridade - É para toda a vida (salvo se existir revogação).

Em determinada altura foi Sr. José Rodrigues Tutor dos Orfãos de Forninhos. Foi também Regedor e ainda hoje é referido muitas vezes como uma pessoa notável, séria e prestigiada.
Acolheu várias crianças orfãs, mas parece que  última criança a ficar aos seus cuidados,  foi a filha mais nova da tia Etelvina. Etelvina Fernandes morreu em 1957.
À minha pergunta se não tinha pai, respondem:"A Alzira era filha do tio Delfim, mas ele nunca a registou como filha e, por isso, com 13 anos de idade ficou ao cuidado do teu tio José Matela até embarcar para o Brasil, onde já estavam as irmãs mais velhas".
Em Abril de 1959, com 15 anos de idade, a Alzira parte de Forninhos rumo ao Brasil. João Albuquerque e Ezequiel Rodrigues despediram-se  dela numa casa junto à Igreja de Santo Contestável em Lisboa.
Um outro caso: O marido da tia Raquel Castanheira, Luís Coelho, que era pedreiro  de profissão, morreu numa pedreira no dia 28 de Novembro de 1958. 
Quando o chefe da família falecia, se deixasse filhos solteiros menores de 25 anos - como foi o caso - era na mesma nomeado um tutor, uma vez que à mulher viúva não era reconhecido o papel de administradora do património da família.
Francisco Almeida, conhecido por Francisco ferreiro, também foi tutor de  alguns orfãos, assegurou a salvaguarda dos bens dos menores orfãos de pai: Augusta Guerra da Fonseca e seus irmãos António e Rosa. 
Esta responsabilidade terminava quando atingissem a maioridade, que era aos vinte e cinco anos.
Já os expostos (aqui no Blog já se lhe fez referência) era aos vinte anos, cinco anos mais cedo que os restantes cidadãos!
De referir que os expostos eram também considerados orfãos, cabendo aos juízes a nomeação dos seus tutores quando estes tivessem completado os sete anos de idade, altura em que deixavam de estar sob a tutela das instituições responsáveis. 
Um retorno ao passado de Forninhos e suas gentes que permite-nos conhecer como se cuidava dos orfãos e dos seus bens.

18 comentários:

  1. Bom Domingo de fé e esperança querida amiga!
    Impressionante como abordou um tema que todos acabamos por esquecer neste Dia, neste mês dedicado às mães.
    Há tanto tipo de orfandadde... muitas dolorosas, como a que mostrou aqui.
    Órfaos, uma dolorosa situação em todo tempo...
    Tenha um Dia das Mães abençoado!
    💙 M aria
    💙 M ulher
    💙 M ae
    Bjm carinhoso e fraterno de paz e bem

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    1. Gostei do seu comentário.
      Maio é o mês de Maria, da Mulher Mãe.
      Bom Dia de Mãe, Rosélia.
      A orfandade é muito mais antiga do que nós pensamos!
      Não consultei os Registos Paroquiais, mas através de um artigo do Professor e Historiador João Nunes, neto da terra de Forninhos, fiquei a saber que entre 1860 e 1862 foram pelo menos registados 5 casos de mães solteiras.
      Possivelmente não possuíam bens de família para administrar, já que se tratava-se de gente muito pobre, mas não se livravam de ter um tutor que até podia ser o padrinho de baptismo, quase sempre alguém com posses, alguém que estava na cúspide da hierarquia.
      Bj

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  2. Importantíssima lembrança essa ! Gostei de ler! bjs, ótimo dia! chica

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    1. Obrigada Chica.
      Feliz Dia das Mães.
      Bj, tudo de bom!

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  3. Boa noite Paula,
    Era na verdade importante que se defendessem os órfãos e belos exemplos esses que dá de Forninhos.
    Na minha aldeia, eu era muito criança, não me recordo de ter ouvido falar deste assunto.
    No entanto em 1978, aquando do falecimento do meu sogro, como havia ainda filhos menores foi-lhes nomeado um tutor que, no caso, foi um tio materno. Não sei se essa lei ainda está em vigor.
    Obrigada por dar a conhecer mais um assunto que considero importante para defesa dos interesses dos menores.
    Beijinhos e boa semana, com saúde.
    Ailime

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    1. Boa noite Ailime,
      Agora há os Tribunais de Família e Menores para nomear o tutor de entre os parentes do menor ou de entre as pessoas que tenham cuidado ou estejam a cuidar do menor ou tenham por ele demonstrado afeição.
      Se o menor tiver completado 14 anos, o tribunal ouve o menor antes de proceder à nomeação de tutor.
      Porque gosto de saber o porquê das coisas fui ler sobre...e aprendi umas coisas...
      (também pouco ou nada conhecia sobre o assunto!).
      Boa semana.
      Bj

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    2. Obrigada, Paula. Também não sabia como se processava neste momento e não me lembrei dos Tribunais de Família. Este corona virus tira-me do sério;))! Beijinhos.

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    3. O vírus está limitar-nos a todos;)) por isso há que aguentar e cara alegre!
      Bj.

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  4. Extraordinário post, é o que se me permite dizer!
    Recua nos tempos de outrora, já longínquos para termos uma noção no modo de gerir uma aldeia e outras similares fossem orfãos ou ao cuidado de alguém que lhes desse a continuidade de uma vida futura - um porto de abrigo. Tempos que agora vemos estranhos nas mentalidades de então, as idades para casar, emigrar e a mulher não "botava" palavra.
    Os casos acima relatados, são uma amostra de muitos outros não falados porventura por vergonha, pois não me surpreende não ter havido de quem tal se houvesse aproveitado ao tempo na pertença de seus bens.
    Vejo aqui o nome do meu avô paterno Francisco, que foi tutor da minha mãe depois do flecimento do meu avô materno, tinha a minha mãe Augusta nove anos; isso sabia.
    Não sabia que era seu padrinho de batismo. Fiquei contente!
    Havia como que um pacto entre faliliares e amigos feito na base da proteção da família, ficas padrinho, escolhes o nome e parto em paz, sei que ficam bem entregues.
    Espero um dia voltar...

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    1. Pois, só eram maiores aos 25 anos de idade, mas com 12-13 anos abalavam para Lisboa para trabalhar e com 16-18 casavam!
      É também evidente, e já referido há tempos, que as mulheres estavam preparadas para a sua condição inferior, até por ficarem atrás na igreja, enquanto os homens ficavam à frente.
      E claro que houve aproveitamentos.
      Já os padrinhos de baptismo sendo da família ou não, eram quase sempre alguém com posses (era natural, naquele tempo) e seriam eles a tratar de tudo com o padre.
      O teu avô esteve presente em muitos baptismos. O meu avô Cavaca além de sobrinho acho que também era afilhado do teu avô Francisco.

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  5. Não me recordo de ouvir falar deste tema por sinal com curiosidades bem interessantes!
    Boa semana!

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    1. Durante séculos era assim que se passava, em muitas vilas e lugares, incluindo Forninhos.
      Boa semana!

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    1. É normal, a vida das pessoas hoje é muito diferente.
      Boa noite.

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  7. O mesmo aconteceu com a minha prima Aida seu tutor o Tio Agostinho filho do Tio Elísio e posteriormente meu Tio Elísio Lopes. O mesmo caso com meu irmão Ismael Lopes, seu tutor meu Tio António Carau. Não tenho andado por aqui, uma questão de disponibilidade mas mais um post de louvar, parabéns Paula.

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    1. Obrigada Henrique.
      Felizmente nós ainda nos lembramos de casos do séc. XX, como o da tua prima Aida, mas hoje descobri o nome do Juíz de Orfãos dos concelhos de Algodres e Penaverde em 1439!!
      No dia 13-07-1439 "D. Afonso V nomeia Afonso Vasques, irmão de Martim Vasques Moreira, porteiro da câmara régia, para o cargo de juiz dos orfãos dos concelhos de Algodres e Pena Verde e seus termos, como o era em vida de D. Duarte".
      “E esta, hein?”

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  8. Olá, Paula... Gostei de ler o texto, muito interessante. A orfandade é um assunto sério, a Bíblia fala que devemos dar assistência e todo apoio aos órfãos. Faz parte do Verdadeiro Amor.
    Um abraço nesta quarta-feira... (Que crise terrível/pandemia estamos vivendo, não é mesmo?!)

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    1. Sim, na Bíblia há várias passagens e versículos sobre órfãos viúvas e pessoas que trabalham com a justiça.
      Abraço e boa saúde para si e família.
      Nestes momentos que vivemos, de coronavirus, todos os cuidados são poucos.

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