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domingo, 30 de outubro de 2022

É uma cidade (um castanheiro)

Se há coisas muito bonitas e que merecem ser recordadas todos os anos: são as castanhas e os castanheiros. Aquilino Ribeiro numa entrevista dada a Igrejas Caeiro descreve-nos com uma grande sensibilidade o lugar onde nasceu:
- Eu nasci no meio dos castanheiros, na zona dos castanheiros. Sabe que o castanheiro é uma árvore bonita, uma árvore da força e da beleza...
- Frondosa... A árvore mágica não parece estranha ao entrevistador!...
- Mais que frondosa. Um castanheiro é uma cidade. É uma cidade para os pássaros. Há o peto real, há a poupa, há o melro, que fazem o ninho nos castanheiros...
Aquilino parece ter descido à sua infância. 
- É um pequeno mundo...Parece que o entrevistador tem também um coração de menino!...
- Absolutamente. É um perfeito mundo. E depois as pastoras que vêm, com os seus tamanquinhos, britar o ouriço, com os britadores especiais, com a sua capuchinha para apanhar as castanhas, todas as manhãs, quando vem um bafo de vento. Tem muita graça. E quando elas se começam a rir?!...A castanha é uma coisa muito bonita!...
Como não há duas leituras iguais e depois, a cada época sua leitura, hoje ao ler esta entrevista lembrei-me dos meus avós, tias e tios que já partiram...
Havia um souto, herança do meu avô Cavaca, no terreno da Moradia; as minhas tias, Júlia e Margarida, foram para lá muitas vezes apanhar as castanhas logo pela manhã, antes de seguirem para a escola, ainda com o terreno orvalhado da noite, pois quando as castanhas estão na sua força de cair (estou agora a escrever como se ainda lá houvesse castanheiros, atenção: não há!) tinham de ser apanhadas duas ou três vezes ao dia para que mãos alheias não se aproveitassem delas. 
A pobreza levava muita gente a apoderar-se do alheio, sobretudo do que era menos comum haver na aldeia. 
A partir da apanha qualquer pessoa poderia ir lá fazer o rebusco


Reforçamos, assim, a memória e a saudade, para que, cada um à sua maneira, não se esqueça que só somos eternos se tivermos memória e a passarmos aos vindouros.

domingo, 23 de outubro de 2022

Maneira de contar os dias e os meses

O dia 1 de Novembro é o dia de Todos os Santos, mas o calendário religioso tem um dia dedicado a cada santo e, por isso, o 11 de Novembro é o dia de São Martinho, embora ainda se celebre antes o dia dos fiéis defuntos, a 2 de Novembro (dia dos mortos). 
O dia 8 de Dezembro é dia da Sra. da Conceição e o dia 13 é dia da Santa Luzia (minga a noite e cresce o dia) e estamos no dia de Natal. Ainda hoje dizem dia de Natal e não dia 25 de Dezembro. Assim como a véspera é o dia da Consoada.
O primeiro dia do ano era o dia das Janeiras, o dia 6 era o dia dos Reis. 
As feiras também eram conhecidas pelo nome que se festejava nesse dia. O 20 de Janeiro (dia de São Sebastião) é dia da Feira dos Vinte, no Mosteiro; o 23 é o dia do Santo Ildefonso, festejado em Esmolfe, feiras onde sempre acorriam os forninhenses. 
Até os nossos descobridores iam pondo nomes de santos às terras que iam achando. Muitas tomaram nomes de santos que se festejavam nesse dia em que eram achadas: Ilha de São Miguel, Ilha de Santa Maria, Ilha de São Jorge, etc....
Mais vagos são os dias sem festividade fixa: o dia do Entrudo, a Quarta-Feira de Cinzas que marca o início da Quaresma ou o dia de Ramos e de Páscoa (não dizem o dia "x" de Março ou "y" de Abril).
O 3 de Maio ainda hoje é o dia de Santa Cruz. Depois vem a Quinta-Feira de Ascensão, a Segunda-Feira do Espírito Santo e o tempo das cerejas, que faz-me lembrar Amália Rodrigues.
A Amália não sabia o dia em que nascera. A mãe apenas lhe dissera que nasceu no tempo das cerejas e por causa disso Amália mandou pintar as paredes da sala de jantar com essa fruta.
O povo raramente usava o nome dos meses.
Regulava-se pelo tempo das ceifas, pelo tempo das malhas, pelo tempo das vindimas, pelo tempo dos magustos, pelo tempo dos míscaros...
Pelo Santo António, Pelo São João, pelo São Pedro, pela Santa Marinha (que é a Padroeira de Forninhos), pelo São Bartolomeu...

Sala de Jantar da Amália - foto retirada da net

Mas se há dia e mês que marca o calendário do forninhense, é o dia 15 de Agosto quando marca encontro na terra pela Senhora dos Verdes.
8 de Setembro é dia de Nossa Senhora da Saúde.
16 de Setembro é dia da Santa Eufémia, na Matança.
29 de Setembro é do dia de São Miguel das uvas.
Era a agricultura e a religião que comandavam a vida das gentes das aldeias como Forninhos. Por isso, até ficou em ditados esta forma de contar o tempo:
"Em Dia de S. Simão e de S. Judas, já colhidas estão as uvas", ou seja, pelo 28 de Outubro já toda a gente vindimou.
Ou
"No dia de São Martinho vai-se à adega e fura-se o pipinho"
E este outro:
"Pelo Santo André faz o bacorinho coé-coé".
O povo por mais que queira, não consegue desligar-se da religião e continua a marcar a sua vida pelo Natal, Páscoa e dias santos.

Faltam 69 dias para acabar o ano de 2022

sábado, 8 de outubro de 2022

Ora, certa manhã de Outono...

Quem nunca andou aos míscaros no outono e encontrou uma castanha ou uma bolota que as gaias enterravam? Estes pássaros faziam provisões de castanhas e bolotas que enterravam e as que ninguém achava e as gaias lhes perdiam o sítio começavam a nascer árvores, castanheiros e carvalhos(as).
Então, aqui fica mais um excerto de Aquilino Ribeiro, do Livro a Casa grande de Romarigães, escrito em 1957, tinha o autor 72 anos, que retrata muito bem essa vivência nossa em Forninhos e é a continuidade do post O vento que é um pincha-no-crivo que escrevi na Primavera do ano passado.


"... Também ali perto, por uma tarde fosca de Outubro, chegou um gaio, voejando de chaparro em chaparro, a grasnar mal-humorado como é próprio da raça. No saiote desbotado, as duas pinceladas de azul, azul retinto, fulguravam para que se soubesse que um gaio também é gente dos ares. Trazia no bico uma bolota, um pouco menor que o bolo que o corvo costumava levar à cova de Daniel, mas para ele era mais importante. Dispunha-se a comer a merenda bem amargada, quando deu com os olhos no mariolado vizinho com quem bulhara uma Primavera inteira por causa da gaia, depois sua mulher. Já esse tal, rancoroso e mau, dava jeitos de querer investir, penas riças, garras desembainhadas, a asa possuída de frenesim. Que remédio senão preparar-se para o receber condignamente! E deixou cair a glande. Esta foi bater na face zenital dum velho toro, saltou de ricochete para o lado e aninhou-se muito aninhada num monte de folhas secas e argalhos. Ninguém a via, nem ela via a mais pequena nesga do mundo.
Os dois gaios, depois de trocarem muitos gritos de cólera e darem a sua bicada, mas sem que corresse sangue, despediram-se. O mais rela e pundonoroso pulou ao chão a procurar a sua rica bolota. Procurou, tornou a procurar pincharolando dum lado para o outro e introduzindo por toda a parte, taladas e covilhas, o olho finório e matuto, mas nada descobriu. Soltou duas ou três vezes a sua voz ralhada a conjurar os deuses daquele desaforo, perdeu a paciência. E saraivando, batendo a asa, ainda meio atrida da rixa, lá foi para o outro carvalhal onde havia que pilhar.
A bolota taluda ficara ali muito quieta, muito bem refastelada em virtude do próprio peso, enterrada que nem pelouro de batalha depois de passarem carros e carretas. Que fazer senão deitar-se a dormir? Dormiu uma hora, uma vida inteira, quem sabe?! Um laparoto veio lá de cascos de rolha, rapou a terra, fez um toural, aliviou-se, e ela ficou por baixo, sufocada sem poder respirar, em plena escuridão. Estava no fim do fim?
Um belisco, e do flanco saiu como uma flecha. Era de luz ou de vida? Era uma fonte ou antes um cântico de ave, de água corrente, de vagem a estalar com o sol, dum insecto na sua primeira manhã, música trilada da terra ou das esferas? Era tudo isto, encarnado no fogo incomburente que lhe lavrava no flanco, verbo que acabou por irradiar do próprio mistério do seu ser. (...)
Ora, certa manhã de Outono..."

Da semente se faz a árvore🍁

sábado, 1 de outubro de 2022

Bem-Hajam

Atingimos um milhão de visualizações de páginas!! 
O meu sincero bem-haja a todos os que aqui recordaram, opinaram ou simplesmente nos visitaram.
Então, em jeito de celebração, deixo um retrato de bons momentos vividos em Forninhos e que recorda gerações, pessoas, acontecimentos, vivências...na primavera de 1970, no dia do batizado duma amiga de infância (a Cristina Moreira).
Não faço ideia desde quando foi que as festas de batizado tiveram início, visto que o batismo já é praticado desde os tempos de Jesus Cristo, mas de qualquer forma, em Forninhos é uma festa familiar, na qual padrinhos, amigos e família festejam esse sacramento. Todos vão até à igreja para assistir ao batismo e após a cerimónia e registo final, todos vão almoçar, confraternizar...e...comer umas fritas (também conhecidas por rabanadas) que eram usadas obrigatoriamente nos batizados.

A madrinha é a Arminda Coelho. Do (nosso) lado direito está o Adriano Moreira (sentado numa cadeira) e do (nosso) lado esquerdo está o meu avô Cavaca e há ali mais gente conhecida que já cá não está, infelizmente!
Já passaram 52 anos!