"Até ao noitecer era um dia igual aos outros, vinha a gente enregelada da apanha da azeitona durante o dia e pela frente havia que ordenhar as vacas, acomodar o porco e só depois de tudo isto, começar a preparar a ceia - especial pois claro - era o dia antes do Natal e havia que cumprir com a tradição: couves, batatas e bacalhau, mas este para quem o tinha...!".
Contado de viva voz de quem ainda era criança ao tempo
(por volta dos anos quarenta)
Quem me fez tal narrativa, que agradeço, tem ainda a memória da escassez do bacalhau no pós guerra e do tempo da candonga em que houve por parentesco e amizade ir à estação de Fornos buscar as peixotas de bacalhau e o mais que podia compor uma boa consoada. Tinha um bom cargo no depósito de fardamento da Boa Hora em Lisboa e que não esquecia os seus, correndo os riscos inerentes.
Louvo esse senhor cujo nome fica comigo.
Mas havia quem bem se aviasse no racionamento da guerra, não fossem eles orientados em parte pela igreja, especialmente um padre de má memória para a terra, através de senhas, de manhã para os pobres e da parte da tarde para os ricos e seus familiares...comer, fechar os olhos e calar!
Voltando à ceia...
"A gente tinha guardado um pouco de leite de ovelha (que valia dinheiro, mas dias não eram dias) e fazíamos as fritas e arroz doce e claro, as filhoses de pão e depois quem quisesse ia pela meia noite à missa do galo. Das coisas mais bonitas o cantar ao Menino".
E à minha pergunta: os sinos tocavam?
"Pouco, um bocadito, pois os padres viviam ao lado e não queriam ser incomodados...".
Dia a seguir, o Natal!
Borrego temperado de véspera, tudo o que a matança do porco havia dado, frutos secos do que a terra dava e se partilhavam por quem não tinha, tal como o que quase parece um conto real que me fizeram chegar por no dia anterior lhe faltar a pequenez da abundância.
"Na noite de consoada fui ver como estava aquela senhora idosa cujo nome já te disse. Estava em volta à fogueira com uma panela de ferro a ferver batatas e couves, mas bacalhau, nem vê-lo. Arranjei três rações de bacalhau e consoei com ela, trazendo na volta uma malga de figos secos, foi um belo Natal".
Assim o espero para todos vós!