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terça-feira, 13 de maio de 2014

Fenos, erva dos lameiros e lenteiros

Estamos em Maio, altura de noutros tempos se pegar na gadanha e ceifar com desembaraço os fenos - erva criada nos lameiros e lenteiros - e preparar as terras para a sementeira dos milhos.


Para melhor descrever esta tarefa transcrevo um trecho do livro que melhor, até agora, descreve o que era a ruralidade das nossas aldeias:
"Os primeiros fenos em penachos a secar nas belgas ou nas eiras, ali por fim de Maio, vão deixando as terras livres para a sementeira dos milhos. Aqui e além, por lenteiros e quintais, o lavrador - "ou, ou!, ao rego ou!" - vai escrevendo e cantando o seu poema bucólico, num cenário de maravilha, a acompanhar a orquestra de pintassilgos, rouxinóis, maranteus, e pimpalhões, um melro, num salgueiro próximo e mesmo um cuco, no coruto de uma árvore, a despedir-lhe, em flauta, um intervalo de quarta."

In Penaverde, Sua Vila e Termo
Pe. Luís Ferreira de Lemos


Como o sacerdote refere, ali por fim de Maio os primeiros fenos eram colocados a secar em penachos, isto é, na vertical, com a espiga bem juntinha e atada, para a semente não se perder, ficando com o aspecto de "bonecas" dispostas no lameiro ou nas eiras, lages como se diz na nossa terra, para amarelecer e secar melhor. Dias depois a erva era bem sacudida para a semente cair, sem que fosse necessário usar o mangual. 
O feno/palha ficava estendido, traziam-se os bincelhos húmidos feitos da palha do centeio do ano anterior e então era enfaixado e carregado com as forquilhas no carro de bois, preparado com os fugueiros (fueiros ou estadulhos como são conhecidos em algumas localidades) para segurar bem a carrada e, no fim, apertava-se melhor com uma corda e lá seguia para a palheira para servir de alimento para o gado. A semente servia para futura germinação, sendo que uma boa quantidade era comercializada. 
Além deste feno ceifava-se também o feno pousio ou feno bravo. Este depois de ceifado ficava estendido no lenteiro uns dias e se ficasse basto era virado para secar bem dos dois lados. Quando seco era atado com os bincelhos e carrejado nos carros de bois, tal como descrito.
Em Maio, há décadas, atrás, a vida do campo era assim. Presentemente ainda se vê algumas "bonecas" nas lages ou espalhadas nos lameiros, mas os carros de bois é que já se não vêem, foram substituídos pelos tractores.


Usava-se o ancinho para gavelar o feno e para ajudar a remover as palhas; para limpar e juntar a semente, usava-se muito as vassouras de giesta. 



As três fotos antigas tiradas nas lages de Forninhos, foram já publicadas em Maio de 2011 aqui.

 Três notas:
1) Lameiros, são terras de cultivo mais húmidas, normalmente as localizadas nas margens dos ribeiros onde a erva cresce mais e dá tempo para se criar a semente, por serem lavradas mais tarde para as sementeiras dos milhos.
2) Lenteiros, são terras de pouso, tratadas com os cuidados da água, a chamada "água de limar"reservadas para este tipo de erva, que não é semeada como a dos lameiros.
3) Verificamos que na monografia de Forninhos, págs. 95, 96 e 97, esta erva de semente é associada ao nosso pão o que é de lamentar! Muitos jovens não conhecem a história e os usos e costumes dos nossos antepassados e os que a elaboraram confundem o centeio e trigo com o feno?! Santa ignorância! 
Cumpre ainda, no rigor das coisas, dizer que o nosso pão era semeado nas terras secas e da palha de centeio é que se faziam os bincelhos (vincelhos) e não os vancilhos como vem publicado! 
Muitas palavras são ditas de forma parecida, todos sabemos isso, mas se a obra é sobre a terra dos nossos avós, acho eu, deviam ter respeitado os seus "falares". 
O resultado fica aí para vergonha dos doutos que a elaboraram e dos que tal permitiram.

23 comentários:

  1. Há pouco mais de um ano, tive o privilégio de aqui, neste espaço, ter colocado um post: "Meu Querido S. Pedro".
    Vendo esta maravilha que a Paula nos apresenta, voltei um ano atrás e nas suas descrições, muitos anos, quase que como ter visitado a meninice dos nossos avós.
    O ritual, as palavras, a argúcia e sacrifício e também a felicidade de se poder comungar com o campo, cada qual dando e tirando, frutos e suor.

    "S. Pedro tinha, há anos atrás entre outras actividades a ceifa do feno. Trabalho para homens de barba rija em que o suor encharcava o corpo.
    Era um trabalho comunitário em que "...hoje vens à minha ceifa, p'ra semana vou à tua".
    E lá iam pelo cedo, sempre a subir as ladeiras, boina espanhola na cabeça e gadanha ao ombro. Na mão o garrafão do vinho e no bolso um maço de Kentuckys ou Provisórios, para no descanso fumar o cigarrito.
    Um pouco atrás as mulheres, canastra da janta à cabeça e a piqueta encafuada dentro da cesta, pendurada no braço.
    Frente ao campo de feno, os homens lado a lado, benziam-se e começavam a ceifa.
    À cintura, preso no cinto estava o corno de vaca, com água, onde guardavam a pedra de aguçar que volta e meia usavam, pois o terreno irregular e pedroso ia deixando rombuda a gadanha.
    Atrás as mulheres, cantarolavam na apanha em braçadas daquela erva verde que meticulosamente estendiam para secar e mais tarde seria transformada em molhos de feno.
    Por volta das dez, estendia-se a toalha na sombra dos penedos ou pinheiros e lá navegava a piqueta, não toda pois na fartura ainda sobrava para a merenda"

    Sabes que se comprava à semelhança das batatas de semente, erva de semente para os lameiros que regrados por cancelos, serviam as melhores ovelhas e consequentemente o melhor queijo?
    Paga a peso de ouro, esta semente que o lavrador sabia ser de confiança e medrança, vinda de lavrador que tinha pergaminhos.
    Obrigada!

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  2. Obrigada eu!
    Embora sobre o assunto tenho escrito muito, todos podemos acrescentar mais alguma coisa e tu, Xico, fizeste bem transcreveres esse comentário, que tão bem retrata as ceifas do feno nos lenteiros de S. Pedro, Cuvos, Cabrancinhos...não esquecendo a pedra de aguçar, no corno da vaca, com água, preso à cintura, daí que a sombra dos penedos ou pinheiros não serviam só para piquetar ou merendar, mas também para picar a gadanha, coisa que acho nem todos sabiam fazer. Era preciso arte e experiência, senão ficava mais "cega" que antes!
    Ainda hoje com toda a falta de actividade que por lá há, continuam na memória de muitos esses terrenos que produziam o feno bravo.
    Da semente dos lameiros, sim, sabia que era paga a peso de ouro e que a erva que eles produziam era das mais valorizadas por ser a melhor para as ovelhas, queijo da serra, pelo que as rendas mais caras eram a dos lameiros.

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    1. Sinto-me em sintonia com o mundo quando descubro blogs maravilhosos, como este, no próprio dia em que arranjei quem me faça a gadanha e enfarde o feno para levar e dar de alimento aos burritos que cria... Passa-se isto no Algarve, junto à ribeira, em Paderne. Deixou-me muito curiosa esse feno de alta qualidade de que fala...acha que seria possível conseguir arranjar algum?

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    2. Sei lá...se calhar até se arranjava alguns fardos, principalmente do feno dos lenteiros; o que os proprietários dessas terras de pouso decerto agradeciam, mas de Paderne (Algarve) até Forninhos (Beira Alta) vai uma longa distância! Já não é ceifado à gadanha, é cortado com a ceifeira mecânica e depois de seco é enfardado, portanto, já não é atado em molhos com os bincelhos.
      Mas diz a gente mais antiga que os animais, principalmente, os burros, comem muito bem este tipo de feno. Melhor que os bois e vacas.
      Obrigada pela visita comentada e volte sempre!

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  3. Tão bom ver esses posts ,onde aprendemos mais um pouco daí de Forninhos, o que acontecia por lá e ver como vocês se empenham em não deixar morrer no esquecimento tudo isso! Lindas fotos também,céu tri azul! beijos,chica

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  4. Obrigada chica pelo apreço e a atenção dedicada à realidade aldeã daqueles tempos.
    O meu abraço forninhense.

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  5. À medida que ia lendo ia "googlando" novas palavras para mim, sem ter-me dado conta que algumas delas estavam explicadas nas notas em baixo...:-)
    Um texto excelente, muito bem construído, com fotografias muito interessantes.
    Gostei imenso de ler e aprender novas palavras e procedimentos de uma época em que os agricultores ainda não tinham tractores e tudo era mais trabalhoso.
    Agora essa de poder confundir-se feno com centeio ou com trigo... é uma prova de como espaços como este são tão importantes para trazer conhecimento a quem não o tem. Eu pelo menos aprendo sempre muito aqui.
    Quanto à ceifa, recordo-me que quando miúda também queria ceifar, já que era o que via os outros fazer...Um dia agarrei numa foice e fui ceifar. Acabei por cortar-me num dedo, e depois levei a tentar esconder a ferida para que não me ralhassem. Foi a minha única experiência, mal sucedida, como ceifeira...:-))
    Obrigada, Paula por mais uma bela lição, e ao Xico também com comentários que tanto acrescentam.
    xx

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    1. Algum vocabulário poderá parecer estranho pelo menos para o pessoal mais cosmopolita, mas era assim mesmo que se falava na nossa aldeia. Por exemplo, uma gadanha é uma foice com cabo comprido e para nós também pode ser uma concha para tirar sopa. Regionalismos.
      Já li e reli a obra que intitularam "Forninhos a terra dos nossos avós" e sinceramente do vocabulário que aqui utilizei só encontrei a palavra "lameiro" e nem foi nas supra referidas páginas (95, 96 e 97), foi na página 168 e para ler mais uma calinada "Nos terrenos e campos próximos de Forninhos cultivavam-se pequenas hortas com produtos hortícolas, batata, feijão e algum cereal. Era aqui também que existiam alguns lameiros, no qual se cultivavam o milho e o pão (centeio).".
      Enfim... se lameiros são terras de cultivo mais húmidas, normalmente as situadas nas margens dos ribeiros, como é possível escreverem que se cultivava nos lameiros o centeio?
      O centeio era semeado nas propriedades mais secas. Terra que não desse milho ou batata, era semeada de centeio "o nosso pão".
      Ainda hoje os lameiros são das terras, digamos, mais estimadas. Há alguns anos atrás, foram propriedades que se venderam caras.
      E, é exactamente por este blog trazer ao de cima as verdades que alguns bem gostavam de o "ceifar".
      Um abraço Laura e obrigada pelo seu comentário, sempre bom!

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  6. "...Agora essa de poder confundir-se feno com centeio ou com trigo... é uma prova de como espaços como este são tão importantes para trazer conhecimento a quem não o tem. Eu pelo menos aprendo sempre muito...".
    Palavras de uma Senhora que nos dá o privilégio da sua companhia

    Agora podem compreender melhor esta labuta constante, o difundir a real cara lavada da nossa terra pequenina mas que enche o peito de ar e carinho aos que nela nasceram ou por ela adoptados, os que se sentem como tal e aqueles que os aldeões lhes colocam na mão a chave da confiança.
    Por paradoxo, a força da continuidade vem do respeito e força dos comentários de "gentes já nossas", que num singelo abraço soltam o grito : "Carrega Forninhos".
    E cá vamos carregando...
    Neste blog que "carrega" verticalidade, autenticidade genuína, o gnoma do nosso orgulho, lavando a cara que conspurcaram no rio , ribeira, ribeiro ou riacho, as mesmas águas em que os nossos avós refrescavam o rosto para acalmar o calor e limpar o suor e em seguida depois de enchido o corno de vaca, voltavam a pendurar nos quadris e puxando da pedra de afiar, acto tão solene como os barbeiros, a gadanha já gasta e antes rombuda pelos constantes cortes, desafiava: "Mais meia hora antes que o calor aperte mesmo a sério...".
    Cuspiam na mão e "abre que se faz tarde, o cigarrito fica para depois...".
    Assim era e o que fosse canhoto ficava na ponta direita, ceifava, melhor cegava ao contrário dos outros, tal como na sementeira e arranca das batatas e todos tinham de acompanhar o ritmo, senão era vergonha, "ficavam para trás", mas homem que é homem, aguenta.
    Não vivi muito tempo na aldeia mas se calhar fui um privilegiado de apanhar em criança estes tempos e todos tínhamos de ajudar.
    Passei e dormi noites em S. Pedro com o meu pai. Guiava as vacas ainda a dormir, eram mansas, a lavrar a terra para semear o centeio.
    Meio agreste este sítio, seco, insuportável no calor, mas delicioso na sua calma serena, como se o mundo inteiro ali quisesse viver.
    Agora compreendo o porque de na "Coisa" enfeitarem o pão com erva de semente. Dava trabalho a "analfabetos" aprenderem a realidade rural e seus costumes, quando já eram "doutores". Então, mal por mal, deita aí fotografias, que estes "burros da aldeia" nem vão ver, nem sabemos se sabem ler ou alguém tal coisa lhes lerá.".
    Daí que o centeio se semeava em lameiros, claro, quando a trovoada se fazia anunciar ribombando por cima da serra, era um ai Jesus que se vai molhar o feno e lá corriam ansiosos a proteger o futuro sustento dos animai nos meses de inverno.. Para os "escritores" era melhor e mais cómodo semear o feno nos lameiros..", nem dava trabalho e os ajudantes de campo sentindo-se uns heróis ignorantes, acolitavam a safadeza.."Cada cavadela sua minhoca"!
    Mas cá iremos continuar de ceitoira e gadanha em punho para ceifar as ervas daninhas e se necessário for, de enxada na mão para abrir buracos!

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    1. Mas é que não duvides...o pensamento dessa gente foi quantas mais fotografias melhor, pois os "burros" gostam é de "palha".
      O "livro" cheira a novo e as folhas fazem aquele som de descolar de quando as viramos pela 1.ª vez. Só que quando os que não são burros as viram 2, 3, 4 vezes começam a páginas tantas (no caso, pág. 168) a compreender o porquê da foto do feno entre o mangual e o texto "pão"!
      Essa obra, imaterial, como se diz, dado os textos de escritos já existentes sobre a nossa região, para mim, não passa duma espécie de monografia. Agora, dizem os colaboradores que é um livro, que foi escrito por quem não é de cá e só falta dizer que tal como a carqueja (até agora único erro que assumiram) alguém os informou mal. Ok. Quem os informou então que se acuse!
      A erva aqui em questão, para a semente cair só precisa ser sacudida, com o uso das mãos, claro. Será que acham que é malhada com o mangual? Eu já não digo nada...
      As imagens que aqui ficam já respeitam à recta final da tarefa, mas cada uma delas diz mais de quantas "eles" levaram à gráfica...
      Muito interessante essa achega sobre os canhotos. Se usavam a esquerda para tudo ou quase tudo era mais confortável para esses homens (e os outros também) ficar na ponta direita. Muito bem lembrado Xico.

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  7. Boa tarde Paula, um belíssimo texto sobre essa faina tão nobre da vossa querida aldeia! Adorei a prosa poética riquíssima que transcreveu do Pe. Luís de Lemos!
    E as fotos lindas, lindas que me fazem lembrar as telas de José Malhoa! Beijinhos, Ailime

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    1. Esta obra do Pe. Luís é ímpar. E sabe que a quem lhe perguntava "quando publica o seu livro?" respondia sempre "Simples apontamentos não merecem o nome de livro".
      No entanto, há quem queira chamar livro a um catálogo de fotografias com alguns artigos enciclopédicos sem nexo!
      A Ailime diz que as fotos faz lembrar as telas de José Malhoa.Também a mim! Mas não só. Sobre o mundo rural o português do trecho do livro do Pe. Lemos faz lembrar o do escritor Aquilino Ribeiro. Ainda hoje, ler um e outro, só com um dicionário para acompanhar ou "googlando" (como disse a Laura), dada a quantidade de regionalismos, léxico popular, linguajar da nossa beira. Mas vale a pena...
      Beijinhos e obrigada por comentar.

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  8. Paula, um texto esclarecedor e com lindas fotos! É sempre importante saber os devidos significados e beleza dos feitos/fatos...
    Obrigada pelo carinho por lá... Foi mesmo ótimo o encontro c a amiga Chica...
    Beijos e Muita Paz...

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  9. Oi Paula,
    gosto de ler seus textos sobre Forninhos, pois sinto que tem pesquisa, estudo, para então você escrever e passar adiante, e com essas pesquisas você e o Xico já encontram vários erros nessa monografia de Forninhos, acho que vocês precisam escrever um livro, corrigindo essas falhas, que tal? O blog e um futuro livro? Conhecimento pra isso não iria faltar.
    Beijos!

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  10. Sim, se houver recursos, editamos os textos do blog dos forninhenses em livro e não será com o objectivo de ser vendido, será para oferecê-lo a familiares e amigos.
    A monografia de Forninhos tem tantos erros que seria vergonhoso para nós, forninhenses, ser definitiva!
    Para já, da minha parte, pretendo fazer mais pesquisa que culmine em novas descobertas e continuar a apontar aqui (no blog) as falhas, erros, defeitos, de modo a pelo menos espevitar a discussão, a troca de opiniões, o pensar na nossa terra, no que foi feito e no que deveria ter sido corrigido, caso a obra tivesse sido vista e revista - o que claramente não foi!
    Para mim é difícil imaginar, quando se está envolvido, não haver uma chamada de atenção, a quem fez o trabalho, de que o centeio ou trigo não é o feno dos lameiros!
    Ou, que no fim de morto, o porco da matação, em Forninhos, é chamuscado com palha centeio e não com carqueja!
    Etc... etc...etc...
    Beijios**

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  11. Então e a ir avante, registo neste capítulo o PICADOR DA GADANHA.
    Grupo de segadores que se prezasse tinha de ter um bom picador, tal como o saudoso Ti Zé Gerrilha.
    Partiam manhãzinha cedo de gadanha ao ombro, corno de boi preso ao cinto, cheio de água pois a pedra de afiar tinha de andar molhada, sendo que o picador também carrega a safra e o martelo.

    O Ti Zé sentava-se no chão e no local habitual, entre duas lages espetava o ferro próprio para o efeito e nas juntas destas colocava a folha da
    gadanha sobre o ferro, martelo na mãoe e ….tim, tim, tim, tim, tim, …observava a lâmina e …tim, tim, tim, tim, tim,
    observa novamente a lâmina e a toada continua até percorrer toda a lâmina
    com o martelo. A pressão exercida pelo martelo sobre a parte cortante da lâmina colocada em cima do ferro, fazia com que ela ficasse mais fina, permitindo aumentar a qualidade do trabalho e reduzir o
    esforço: o fio da lâmina tinha que ficar em boas condições. Era necessário cerca de meia hora para que a gadanha ficasse bem picada.
    Era fundamental na colha do feno, pois locais havia onde este era mais rijo e mesmo com o constante afiar da lâmina com a pedra de afiar, no fim de cada eito de corte, muitas pedras nela batiam ao ponto de ficar romba. Tal como ela, estes segadores eram homens de rija têmpera, como reconhecia o lavrador a quem andavam ao ganho que além de os presentear com vinho bom e em abundância, levado em garrafões de cântaro ou alforges, também contavam com forte mata-bicho, almoço, merenda e ceia.
    E tanta vez que eles sob um sol cor de cobre das três da tarde, ainda cantavam à desgarrada...

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  12. Xico,
    Gostei muito dessa recordação do tio Zé Guerrilha. Tinha de haver, no mínimo, os picadores de gadanha, de outro modo nem fazia sentido.
    Apesar do pouco tempo que vivi em Forninhos, presenciei muita coisa e lembro bem ver picar as gadanhas, assim como lembro ver nos lameiros situados nas margens do ribeiro dos Moncões muitas “bonecas” dispostas naqueles lameiros afora.
    Falo em "bonecas" mas até tenho ideia que, em Forninhos, os penachos do Pe. Lemos são pinocos ou pinoucos, o que até acho o mais correcto, vem de pino e pode significar "Figura de neve, feita por brincadeira." ou "Figura de neve, feita pelos rapazes, brincando.". Ora, quem de nós, não brincou, dançou com os pinoucos/bonecas/penachos?
    Eu tenho muito orgulho do vocabulário usado pelos nossos antepassados!

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    1. PS (Post Scriptum): Dos picadores de gadanha disse-me o meu pai, deixaram fama o tio Zé Guerrilha, tio António Pego, tio Daniel Gonçalves, tio Raul e deve haver mais nomes...

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  13. Mas que texto interessante! Eu adorei saber como se cuida do feno: um trabalho duro,mas muito importante! Bjs,

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    1. Esses trabalhos eram duros, importantes e eram tão familiares aos forninhenses, no entanto, Anne, fico triste por ver que ao passarem por aqui sequer sentem saudades da sua gente, gente boa e que tanto trabalhou. Tantos morreram cansados e agora nem lembrados são :-(
      Bjs.

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  14. Este tema chega a ser comovente pela sensibilidade que acarreta.
    Desloca-nos aos meandros da meninice quase sem darmos conta que íamos crescendo, mas arreigados às coisas mais inocentes e que ainda agora mais gozo nos dão.
    Deixo por ora a parte dos lameiros ao pé da porta, ricos, férteis, caros e queridos. Valiam bom dinheiro, até pelos poços de água que os regavam. Terras de mimos para homens e animais, orgulho de qualquer lavrador, aquele que sentia o cheiro da terra, sua ou arrendada com sacrifício.
    O meu coração carrega-me mais para as bandas de S. Pedro, sim, a mesma serra que alguns "mercenários" tentaram mostrar como sua, como se os primitivos filhos que ali andaram, sofreram, aprenderam a amar, louvar e respeitar, fossem meros intrusos comediantes.
    Um pouco abaixo da Cadeira do Rei e depois de se subir a Dovinha Cimeira e Cabrancinhos, lá estavam os lenteiros, terra húmida numa serrania seca. Quase milagre!
    O centeio que se semeava, era nas suas barreiras, tinha de crescer por si e a mando da natureza.
    O feno e o centeio tinham de estar irmanados: " tu vais servir de comida para os animais e nós vamos lavrar as vossas terras para a sementeira", afinal um ciclo e complemento.
    Já uma vez aqui disse em comentário que nessas alturas a serra era invadida de vivacidade, chusmas de gentes apegadas ao trabalho como se de festa tal fosse. E era!
    Dos Valagotes deambulavam por ali as ovelhas do Ti Zé Dias e dos Motas,tosquiando os lenteiros, enquanto tal era permitido. Depois, pela Páscoa, o retorno vinha sob a forma de um borrego e um ou dois queijos, assim eram os acordos, à consciência de cada um.
    No tempo certo, finais de Maio e Junho, a ceifa dos lenteiros e aí sim, os ceifadores, grupos de cinco ou seis homens batidos na arte como o Ti Antoninho Matela, exímio ceifador, Ti Marcolino (Pitiço) que acrescentava à arte o bem saber picar as gadanhas, O Ti Raul que ainda conseguia acrescentar a sabedoria de afamado atador dos molhos de feno.
    Claro que o feno tinha de secar à sua moda e sabedoria dos lavradores, sempre atentos a possíveis trovoadas e que ficavam inquietos quando ao deitar e olhando para baixo, para os lados de Sezures, nervosos miravam e liam se havia no céu alguma barra vermelha, sinal de trovoada.
    Tudo certo, a gente já estava acertada para a fase final do feno, o lombo do porco tirado da talha e pronto a fritar para a piqueta e que iria acompanhar a chouriça e o presunto.
    O melhor que a casa tinha, ali ia serra acima em canastros e cestas para agradecer aquele "rebanho" de gentes amigas e camaradas que tinham ido ajudar.
    Amanhã seriam outros destes os anfitriões.
    Qual descanso dos guerreiros, no cheiro da resina e frescura da sombra, ouviam rindo de escárnio o corvo maldizente, degustando a "mastiga" bem mais que merecida e ouvindo narrar outras ceifas e seus pormenores.
    Já do tempo dos seus avós...

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  15. Sim, chega a ser comovente, só que pelos vistos comove poucos, ou melhor, os mesmos. Mas como diz o poeta: “só se lembra dos caminhos velhos quem tem saudades da terra”.
    A serra de S. Pedro, hoje, querem que seja vista como um lugar recreativo. Esquecem-se que em todas as épocas foi diferente...
    No passado, aquele que não foi assim há tantas décadas, as pessoas levantavam-se de madrugada para ir para lá trabalhar, fosse para a ceifa do feno ou ceifa do centeio, ao nascer do dia já lá estavam e ia geralmente toda a família, pois nesse dia era ir e ficar por lá todo o dia a trabalhar. Comiam de seco. Hoje felizmente todos comem melhor e enquanto uns, não gostam de lembrar a vida passada; outros, sequer sabem distinguir o centeio do feno ou um lameiro dum lenteiro e só conhecendo é que se pode valorizar o que foi a vida na terra dos nossos avós, mas …enquanto há vida…conheces o ditado?

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  16. Enquanto ha vida...ha esperanca!
    Nao costumo comentar ou responder, letra a letra, frase a frase, mas nao resisto por aqui sintetizares de modo soberbo, a ruralidade ancestral, nossa, dos nossos e dos que agora tambem pertecem a familia. Aqueles que connosco Forninhos partilham.
    Comove os poucos genuinos que se lembram de caminhos e ainda por eles calcorreiam, mais aqueles que os vao descobrindo atraves daqui, aonde nada se inventa, apenas se levanta com honra e valentia tal como os nossos pedreiros que arrebentavam as pedras, as aparelhavam em cantaria.
    E voltamos a S. Pedro, quem dera um local recreativo nestes tempos. Seria com toda a certeza uma pagina da historia se bem contada, local de ensino das tantas e milhentas paginas de Portugal, dia a dia, ano a ano...tantos seculos, milenar! De uma pequena aldeia tao perto dos montes Herminios, quase sentindo a sombra de Viriato.
    E de tantos Viriatos da nossa terra, desde os que correram com os mouros, aprenderam a fazer tamancos e os poupavam para os nao gastar sem ser necessario, os pes estavam acostumados. Mas nas ceifas, tal como as do feno, tinha de ser, chao duro e alacraus a espera da sola do pe para ser mordida, fora as pedras que revestiam o chao, camuflado pelas ervas valiosas prontas a serem ceifadas.
    As madrugadas geladas, depressa se iriam tornar num calor abrasador, por isso a rebanhada de familia e amigos, navegavam na alvorada, serra acima para a parte mais rude e ruim da aldeia, montes afastados, aparentemente inospitos, mas com riqueza secular que aquelas gentes sabiam conter. Alimento para as gentes no grao de centeio e para os animais nas palhas e fenos.
    Quando, como costumavam fazer fruto dos conhecimentos adquiridos, estudavam o ceu durante dias e sentiam a certeza de que o tempo ia mudar e a ceifa do feno corria risco, a uniao era transformada em magotes de gente em que na pressa se levava a comida a seco, farnel menos lauto nesse dia mas que seria remediado apos a colheita, festejando o trabalho mais apressado, mas eficaz, a tempo e horas.
    Nossa Senhora dos Verdes, mais uma vez estava com eles.
    Muitos que hoje, e sei quem sao quase todos, que se riem em surdina do que aqui se regista, sao uns mal agradecidos a quem matou a fome de muitos, seus avos e pais, de igual para igual, fechando os olhos a pequenos desvios de coisas para matar a fome.
    Nao falo de ricos nem pobres, pois todos eram irmaos, partilhando o que podiam e os seus ancestrais, gente honrada de parte a parte, na sua vida tudo fizeram nas suas alegrias e tristezas para deixar o melhor legado, chamado educacao e honradez.
    Para isto...

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