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quarta-feira, 22 de abril de 2020

Aquela luzinha

Neste clima de confinamento, em que o nosso cérebro anseia por um depois, a fim de poder saborear de novo o gosto pela liberdade, revi-me profundamente num texto do Mestre Aquilino de Ribeiro. 
"E eis que, divagando, pareceu-me ver cintilar em frente de mim. 
O que quer que era tremeluzia e apagava-se, temeluzia-se e apagava-se como um fiapo de penugem branca boiando ao sopro do vento.
Sim, de quando em quando, sempre que depois de fechar os olhos os abria para varrer da retina a visão obsessa, reaparecia o ludibriante alvor.


E não me dominei: pus o Gasco no chão e fui direito, rastejando, ao sinal prodigioso.
Graças, minha boa Senhora da Lapa, era um fio de luz, delgado como retrós, que se filtrava entre a linha da abóboda e o cume do entulho!
Como podia ser não a haver eu encontrado antes?!
Sem me domorar grandes segundos a reflectir no enigma, para cuja decifração muito devia ter contribuído o Sol, alumiando daquele lado no seu discurso para o meio-dia, tratámos de nos safar dali.
Havia encontrado o meu símbolo.
Aquele luzinha, assim flébil e celestial, ficou-me com efeito de emblema na vida.
Nas horas de maior negrume, quando era para desesperar de todo, surgia-me imprevistamente no báratro dos  meus cuidados.
Pequenina, bruxuleante, vinda de longe, crescia, e iluminava-me o caminho.
Filha da própria ralé, providência de infelizes e aflitos,nunca por nunca deixou de raiar.
Creio que ela existe igualmente para todos os humanos, e não deve ser outro o fanal que os guiou através das convulsões físicas e sociais do mundo.
A questão para o indivídio é ter olhos que a descubram".

- AQUILINO RIBEIRO, Uma Luz ao Longe, romance de 1948.

14 comentários:

  1. Gostei do trecho desse texto! Sigamos em frente! bjs,chica

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    1. Ler Aquilino sabe-me sempre bem.
      Agora é tudo mais apoiado pelos livros de psicologia, mas nem sempre são os mais eficazes.
      Bjs, tudo de bom.

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  2. Uma luz de esperança. que esperamos não se apague , antes vá crescendo como crescem os dias no Verão.
    Abraço e saúde

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    1. Elvira acho que aquele adjetivo "bruxuleante" diz-nos isso mesmo. É um luz pequenina, mas intensa, que não se extingue.
      Abraço.
      Saúde!

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  3. Neste tempo nefasto, todos devemos ter presente a chama com que Aquilino nos desafia: "Pequenina, bruxuleante, vinda de longe, crescia, e iluminava-me o caminho".
    Neste texto tão a propósito, vamos acreditar e bem receber a Luz da Esperança.

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    1. "Uma luz ao longe" é um romance de 1948 e se manteve a claridade até hoje vamos acreditar.
      Esta obra termina "luz ao longe, salve!"

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  4. Boa noite de saúde, querida amiga!
    Uma luz sempre vai existir para nos tirar da falta de esperança e ela vem se firmando cada dia mais, nós cremos que a veremos de forma plena muito em breve.
    Lindo texto!
    Tenha dias abençoados!
    Bjm carinhoso e fraterno de paz e bem

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    1. Este é um daqueles textos que nos deve acompanhar desde que o lemos a primeira vez.
      Bj

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  5. Um texto onde a chama convida à oração e o texto é magnífico!!!
    Bj

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    1. Não será dos melhores de Aquilino, mas que aquela luzinha irradia, irradia.
      Bj

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  6. Olá! Um texto profundíssimo. Gostei imensamente, principalmente, os dois últimos parágrafos conclusivos. Concordo mesmo, “ter olhosque a descubram.”
    Um abraço apertado online... Rsss...

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    1. Também gosto muito dessa conclusão. Mas até o título do livro é profundo, sugere-nos a esperança de que no fundo alguma coisa se vai passar, algo bom que depois vai acontecer...
      Abraço.

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  7. Boa tarde Paula,
    Um texto muito lindo. Não conhecia esse livro de Aquilino, que deve ser uma pérola.
    Que os nossos olhos consigam sempre enxergar essa luz, porque ela é nossa guia, nossa fortaleza e nossa esperança.
    Um beijinho e fiquem bem, com saúde.
    Ailime

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    1. Boa tarde Ailime,
      Esta pequena luz bruxuleante, brilha incerta, mas brilha no meio de nós.
      É um livro que remete para a realidade, porque há sempre garotos que querem seguir a vida eclesiastica, mas quando chegam à adolescência "faz-se luz" e desistem daquilo que antes queriam ser. Foi o que aconteceu com a personagem principal da história, um garoto serrano que foi para o colégio da Lapa, em Sernancelhe.
      Mas eu escolhi este trecho porque aquela luzinha, sugere-nos a esperança...
      Beijnho. Resguarde-se...

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