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quarta-feira, 29 de abril de 2020

Tragédias em poesia

À festa em honra do S. Pedro de Verona, em Carapito, ia gente das povoações das redondezas. Esta festa, bem como outras, são férteis em histórias por quase sempre terminarem em porrada ou tragédia.
Nos dias seguintes, o assunto dominava as conversas nas ruas e tabernas e ainda se inventavam uns versos sobre tais desgraças que os povos relevavam nas suas cantorias.
Chegaram até hoje os versos que recordam a tragédia da morte duma rapariga de Moreira chamada Zulmira, faz hoje 70 anos, num acidente de automóvel:

A 29 de Abril de 1950
Foi um dia de amargura
Foi um dia de tormenta!

II
Joaquim Franco alfaiate
resolveu dar um passeio
Com a família e os amigos
Levava o carro cheio

III
Na freguesia de Carapito
Onde se festejava o S. Pedro
A filha do Sr. Frederico
Encontrou a morte cedo

IV
Chora o pai, chora a mãe
Chora a família inteira
Chora quem não lhe pertence
Na povoação de Moreira!

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Em Maio não se sabe já de que ano... outro acidente mais antigo aconteceu, um acidente de cavalo. O transporte de tração animal é o mais antigo meio de transporte usado pelo ser humano (existem provas de cavalos domesticados há cerca de 5600 anos).
Então foi assim: noite escura saíu de Forninhos a cavalo o "Pousadas" depois duma  forte discussão como ti Gonçalves na venda do Sr. Zé Bernardo. Pela manhã, foi encontrado morto no Lugar do Longo Velho.
Quando a filha do "Pousadas" soube, acusou o ti Gonçalves de ter morto o seu pai, mas António Gonçalves (filho) para defesa do seu, deixou-nos uns versos bem antigos sobre a trágica morte desse homem das Pousadas, aldeia para os lados de Vila Cova/Castelo de Penalva. 
Alguns já se perderam, mas ainda dá para perceber que este acidente meteu justiça, autópsia e tudo!

I
No dia ...de Maio algo aconteceu
No Lugar do Longo Velho
Um homem muito velho
Caiu do cavalo e morreu

II
A gente da Quinta da Ponte
Veio toda em fileira
A que lá chegou primeiro
Foi a Augusta Fogueteira

II
Também chegou o Cu-Queimado
A apertar o coração
Quem matou este coitado
Tem 100 anos de prisão

IV
Mandaram vir a justiça
Por uma carta fechada
A justiça já não vem
A justiça está comprada

V
Assim que veio a justiça
Para o juíz foi falar
Veja bem Sr. juíz
Onde o vieram deitar

VI
Cale-se minha senhora
Senão mando-a já calar
Eu tenho aqui aparelhos
para isso examinar.

Quem conhecer outros versos, fruto da inspiração popular, partilhe connosco. Agradecemos todos. Há quem diga que em vez do cavalo seria uma égua e finalize:

Adeus António Pousadas
Tua égua companhia
A égua foi encontrada
Nos lameiros da Moradia

Agora também há tragédias, crimes e injustiças várias quase iguais, mas sem poesia.

Contributo do meu pai "Samuel Cavaca". 

13 comentários:

  1. Belo modo de manter permanente na memória as tragédias acontecidas. Aliás em tantas festas o final é triste,não? beijos, chica

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    1. É. Só que partir do momento que os meios de comunicação trouxeram as desgraças para dentro de casa, deixaram de as cantar.
      Beijos, tudo de bom.

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  2. Muito interessante este jeito de contar as tragédias, ou os crimes.
    abraço e saúde

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    1. Elvira, o povo do século XX acho apenas seguia a mesma receita dos cegos papelistas do século XVIII que vendiam histórias estranhas impressas em folhetos.
      Saúde!

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  3. "Chora o pai, chora a mãe
    Chora a família inteira
    Chora quem não lhe pertence
    Na povoação de Moreira!".

    Desta quadra recordo de ainda a ouvir cantar ao teu pai em cima do trator a lavrar com aquele vozeirão que chegava ao fim do mundo, mas era bonito de ouvir, os versos reais, carregavam sentimento fosse para os que viveram ou para quem os ouviu contar, diferentes dos papelistas em que as coisas na maioria eram passadas entre eles.Sem demérito.
    E a pobre da Maria Alice, levada para a doidice?

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    1. Esta quadra, para mim, demonstra que os valores da amizade nas aldeias eram mais fortes que as rivalidades. Ainda assim, nem sei como gostavam de cantar estas cantigas! Acho que as aldeias tomavam as dores como suas, sei lá...
      Do género, acho que preferida do meu pai ainda é a do Romance do Gerinaldo, pelo menos, ainda a canta muito. A da Maria Alice e da Deolinda também ainda lhe puxa para cantar, vamos ver é por quanto tempo mais.
      Uma ou outra história em quadras ainda sobrevive na sua memória, como a da Zulmirinha, já a do homem de Pousadas quase não se lembrava. Pudera, o António Gonçalves (autor dos versos) nasceu em 1924 e emigrou para o Brasil em 1953; o meu pai é de 1944.
      Fico a pensar na festa do nosso S. Pedro na altura das guerras entre Penaverde e Forninhos. Episódios reais para declamar/ou cantar em verso também não faltariam! Um avô do teu pai foi regedor de Forninhos e sabe-se que geriu alguns conflitos por lá (em S. Pedro), os quais eram frequentes em festas.

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    2. Sabes Paula, acho que estes "tesouros" se foram perdendo ao longo dos tempos talvez derivado ao facto de aos poucos deixar de haver aquele convívio entre familiares e amigos. As ceifas, as escanadas, a matança do poro e vindimas e até as sachas e o arrepenar dos feijões debaixo da sombra. Estes cantares faziam parte, embora alguns com estórias tristes, mas parece que caíam bem na alma.
      Uma bela exposição a tua e até me trouxe a novidade de ter tido um bisavô como Regedor da terra!
      Mas, gosto muito é a do cigano...

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    3. Recordo-te que no Arquivo da Câmara Municipal deverá encontrar-se ainda o/os Alvarás ou Despachos de nomeação e/ou exoneração dos Regedores de Forninhos (se não se perderam) e eu achava bem que a Câmara ou a Junta de Forninhos reunisse esses documentos e gostava muito de os ver expostos num arquivo online, entre outras coisas mais...
      É uma pena estas coisas ficarem escondidas e na maior indiferença de todos, particulares e entidades.

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  4. Meu alô, Paula...
    Que interessantes e significantes versos contando histórias e sendo conhecidas por mim agora... Gostei de conhecer!
    Grande e carinhoso abraço...

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  5. Boa noite Paula,
    Nesses tempos versejava-se muito.
    Ainda me recordo de um tio do meu pai que falava frequentemente em verso.
    Tradições que seu pai guarda e lhe passou e isso é muito importante.
    Do que me lembro melhor é dos folhetos com versos, que eram cantados, e versavam histórias dramáticas.
    Outros tempos que gostei de aqui recordar.
    Beijinhos e bom feriado.
    Ailime

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    1. Olá Ailime.
      Desde sempre a poesia influenciou os povos e quem tinha veia poética normalmente versalhava as situações costumeiras daqueles tempos.
      Os versos dos folhetos vendidos pelos cegos, acho eu, já eram mais ficcionados. Foi uma actividade profissional que se perdeu neste Portugal, mas do mal o menos, porque era também sinal de algum atraso!
      Tenho de aproveitar mais a boa memória do meu pai. Infelizmente, na minha aldeia há cada vez mais funerais e quando morre um dos nossos, morre um pouco de tudo isto; e manuscritos como o publicado são raros de encontrar nos dias de hoje.
      Bj, Bom feriado.

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  6. Com a tua ajuda, fui tendo conhecimento de quem foi esse meu bisavô, Regedor da nossa terra, um cargo nobre à época.
    O Senhor Saraiva...
    Dizem que um homem bom, arrojado e ponderado.
    Disses-te que dirimiu alguns conflitos pela serrania de S. Pedro e de facto tal aconteceu nas lutas territoriais entre Dornelas e Penaverde
    em que lhe foi solicitado que se pussese ao lado de uma destas freguesias com as suas gentes, mas inteligente, não se meteu nas escaramuças nem deixou que tal fossem as suas gentes, cabeças partidas e sabe Deus que mais, foram entre eles.
    Os montes de S. Pedro sempre tiveram este destino guerreiro, desde os tempos Lusitanos, Fenícios, Romanos e Àrabes e depois estas coisas. A serra tem o sangue quente e tlvez por isso dela tanto goste.
    Mas e como dizes, vou tentar saber mais acerca deste meu bisavô que teve quanto me foi dado a conhecer, ser senhor daquele vale imenso que desde o Castro, até muito longe.
    Depois foi o espartilhar pelas famílias descendentes, lameiros e pinheirais. Era tudo dos Saraivas...
    Tantos anos depois, a alegria de ser descendente e herdeiro daquilo que ao meu pai tocou e meus encantos desde criança ali passar noites e dias, a Cadeira do Rei e o Castro da Gralheira, ícones das terras beirãs e sonhos e lendas das moiras...
    Bem-hajas Paula!

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