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sábado, 29 de maio de 2021

O Ciclo do Milho

Depois do centeio, do linho e do vinho, é hoje a vez do milho.
A sementeira do milho acontece na Primavera e a partir daí há sempre que fazer até ao fim do Verão: sachar, abelgar, regar e regar... etc...
Quando era pequena, quase toda a gente em Forninhos cultivava milho houvesse água para regar ou não. Lembro-me que nas margens do Rio Dão, Ribeira e Salto, havia muito milho. Não era basicamente para a alimentação humana, mas sim para a alimentação dos animais. Mas sei que num tempo mais antigo cozeu-se por lá muito pão de milho.


A 1.ª sacha. Por mais cuidada que a terra esteja, crescem sempre ao mesmo tempo que o milho, as ervas daninhas e a 1.ª sacha serve para arrancar essas ervas.
Para este trabalho iam ranchos de pessoas com os sachos ao ombro, que durante horas sachavam o milho ainda pequeno (com duas, três folhas).
Mas a primeira tarefa da sacha do milho era arralar, um trabalho mais ou menos leve, pois o mais difícil era arrancar o pé de milho certo ou a caneira certa, depois era pegar no sacho e juntar-se ao rancho.
Mas ainda vinha a 2.ª sacha, esta mais aligeirada, chamavam aterrar o milho.
E o milho vai crescendo até ao dia em que, como todas as coisas, precisa de água. Então, lá se ia "avelgar" (fazer regos na terra) e de seguida a 1.ª rega (assentar o milho).
Como se regava naquele tempo? 
Com o motor de rega, mas antes a rega era feita através dum engenho ainda muito usado no Séc. XX, o Picanço. Este modo de regar, como facilmente perceberão, tinha de ser realizada por mais que uma pessoa.


Tirada manualmente do poço, por uma pessoa, a água era despejada balde a balde no rego previamente feito. Conduzida pelo pé, por outra pessoa, com o sacho a guiar o líquido através dos talhadoiros, era assim que se matava a sede ao milho até este ganhar espiga e as suas "barbas" ficarem secas.
Depois lá vinha mais uma tarefa para toda a família: cortar a cruta do milho ou "as bandeiras" e espalhá-las para secarem; quando secas eram enfaixadas e guardadas para no Inverno alimentar os animais. Mas lembro-me que as vacas tanto comiam as crutas em verde, como em seco.


Está a chegar o fim do Verão, os milhos estão maduros e só esperam as escanadas (não dizemos desfolhadas ou descamisadas). 
Geralmente a escanada era feita por um grande número de pessoas à tardinha ou à noite. 


À volta dum grande monte de milho cortado rente, retirava-se a espiga para um balde ou cesto e quando cheios despejavam-se nos canastros ou sacas de serapilheira, entre cantorias, milho-rei, abraços, risos, ceiote e bailarico ao som dum realejo...


Quantas vezes o milho-rei, essa espiga de cor diferente, ia escondida no bolso dos rapazes para poderem distribuir abraços a todos os trabalhadores. Esta era uma oportunidade única para se aproximarem fisicamente das raparigas.
E eis que chega a malha do milho.
Soltos dos carolos, noutro tempo através do mangual, os grãos de milho ficam a secar nas lages/eiras comunitárias, aproveitando o sol descorado de fim de estação.


Dia após dia, estende-se o milho pela manhã com a ajuda do rodo ou até com o ancinho virado ao contrário e junta-se à tardinha com a ajuda das vassouras de giesta, para evitar a orvalhada noturna que se começa a fazer sentir. 


A última varredela já é para o ensacar e guardar nas arcas de madeira para consumo ou vender. Em 1917, o correspondente de A Folha de Trancoso indicou que a nossa freguesia exportava milho!!
Mas do milho, até as crutas secas e os trambolhos (canas do milho) se vendiam! Tudo era aproveitado, até as folhas fininhas da maçaroca do milho e a moinha serviam para encher almofadas e os carolos serviam para acender o lume e fazer brasas!!
Das barbas do milho ainda faziam chá para tratar problemas do sistema renal e urinário.

22 comentários:

  1. Que legal ler, ver ,mas melhor ainda é quem acompanhou todos esses ciclos, revivê-los! Lindo post! beijos, tudso de bom,chica

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    1. Para mim é uma viagem à infância, pois ainda me lembro vividamente destas tarefas.
      Posso dizer que era um trabalho duro, porque feito nos meses de calor, havia dor de costas e bolhas nas mãos, mas a alegre companhia da família, amigos e vizinhos, facilitava todo o trabalho, além da companhia da passarada (citando o Sr. Padre Luís Lemos: "Sinfonia de maravilhas a fazer inveja às melhores de Beethoven").
      Ainda por lá há muitas aves e se cultiva algum milho e eu ainda posso acompanhar o seu ciclo, mas são as palavras: arralar, avelgar, assentar, cruta, caneira, enfaixar, trombolhos, que me fazem notar cada vez mais a minha distância em relação a este linguajar popular.
      Aqui o milho é protagonista, mas o nosso linguajar também o é!
      Bjs, bom domingo.

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  2. Boa tarde. Obrigado pela matéria rica e especial. O milho é um grande alimento muito usado aqui no Brasil.

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    1. Principalmente nesta época de festas juninas!
      Mas por aqui o milho também está presente nos festejos dos santos populares (ninguém diz que não a uma sardinha assada numa fatia de broa de milho).
      Um abraço.

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    1. Obrigada.
      É importante deixar este registo, porque em Forninhos está a desaparecer o minifúndio, o que se compreende, porque praticamente deixou de existir a agricultura de subsistência. Mas o javali também ajudou a acabar com as plantações de milho.
      Abraço e cont. de boa semana

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  4. O milho 🌽, num texto muito bonito e bem escrito. Gostei de saber das etapas e ver fotos tão bonitas.
    O meu abraço nesta tarde de Maio... Feliz Junho!

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    1. Obrigada, acho que quando se escreve sobre as tarefas do mundo rural, os artigos ficam melhor explicados fotograficamente e sendo muitas delas do passado, melhor ainda.
      Bom Junho/Abraço.

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  5. Boa tarde Paula,
    Uma narrativa bastante completa sobre o cultivo e tratamento do milho até à descamisada e, depois na minha aldeia, era malhado;))!!
    Fez-me regressar em boa hora à minha infância e lembrar muitos desses trabalhos efetuados pelos meus avós e o trabalho exaustivo que tinham no tempo das regas. Era terra de bastante água e numa das propriedades havia uma nora e o burrito lá andava às voltas para a água ser canalizada para a vala, que havia de distribuir a água pelos regos.
    Muito pão de milho a minha avó cozeu embora eu na época não gostasse muito. Hoje aprecio imenso;)))!!
    Belos tempos!
    Um beijinho e bom feriado e fim de semana.
    Ailime

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    1. Também por lá havia as noras, puxadas com vacas ou burros, mas eu nunca vi funcionar uma.
      A minha avó paterna contava que deslocou uma perna numa nora de tirar água do poço e que foi transportada numa padiola.
      Também aprecio o pão de milho,muuuiito ;)))!
      Beijinho, bom fim de semana.

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  6. Boa noite de paz, querida amiga Paula!
    No Nordeste do Brasil temos a festa da colheita do milho muito animada a cada ano. Não fosse a Pandemia e já estaria um preparativo lindo por lá.
    Espigas maduras e uma história que envolve cada cultura.
    Já tenho aqui o milho preparado para uma papa de milho que todos gostamos.
    Bonita postagem que traz alegria para mim. Sempre tive empatia pelo paladar do milho e tem a ver com nossa família e o campo.
    Primos têm plantio na roça deles.
    Tenha um feriado abençoado!
    Beijinhos carinhosos e fraternos

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    1. Olá Roselia,
      Nas nossas aldeias ainda há bastante milho, só que já ninguém vê aqueles grupos que se juntavam à noite em redor de um grande monte a escanar e cantar, cada um escana o seu, por vezes ainda nos terrenos e com as canas em pé.
      Mas tal como voces aí, estamos sempre na esperança e fé, de que o que plantamos vamos colher...
      Beijinhos e bom feriado!

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  7. Tenho esta recordação de infância onde vivi momentos bem divertidos na eira da minha avó materna!
    Com os meus alunos, organizámos desfolhada para eles compreenderem o ciclo da farinha!
    Obrigada pela bela partilha!

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    1. Fez-me recordar uma visita de estudo que fiz a um lagar de azeite quando estudei em Fornos de Algodres.
      Tantas lages/eiras, moinhos, lagares, lavadouros, que podiam figurar nos planos anuais escolares, onde se planificam as visitas de estudo, efectuadas pelos alunos das escolas!

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  8. Se tenho memórias e tantas...
    Andar à frente das vacas a lavrar a terra depois do dispôr do estrume no lameiro da ribeira ainda longe de casa. Eram dois dias entre lavrar e semear e faziamos as refeições nas areias do rio com comida trazida e peixe apanhado (o meu orgulho supremo, era quase mestre na coisa).
    Deois a coisa ia correndo como sàbiamente escrito, era o verdadeiro ciclo do milho, o sachar com muito cuidado, aterrar, para mim a rega era o melhor. Tínhamos ali dois motores de rega dos quais ainda guardo na memória, um Pachancho e um Clínton, este coisa rara que o meu pai havia comprado ao tio Zé Matela, o primeiro ou segundo da aldeia. Eram estes que no tempo das regas, traziam a água do rio, o Dão.
    Por vezes até soltavam peixes pela tubagem das mangueiras.
    Aquando tinhamos de ir regar para outro lado, milho também, por ser o tempo, era duro pelo calor carregar as mangueiras e o chupão, mais o motor por caminhos que apenas tinham tal de nome.
    Até que chegava o dia de cortar o milho, as crutas já haviam secado esparramadas na ribanceira, os feijões que haviam crescido por entre o milho, apanhados e as abóboras às centenas, amontoadas para mais tarde, serventia do gado.
    Era o gozo supremo cada carrada despejada que as vacas traziam no carro, tinha e por norma, sido um bom ano e nessa noite e depois da ceia, iria haver festa rija, era dia de escanada!
    E vinham aos poucos, depois aos magotes e depois em revirotes, era bonito...
    Depois as malhas, de mangual bem aprumado, pois aqui também se ganhava fama.
    Olhem, depois vinha a arca e se bem me lembro o tio Armando Luís, comerciante e o restante era entre os donos da casa e o moleiro.
    Bonita viagem no tempo...

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    1. Tão bonito o teu comentário XicoAlmeida!
      Esta é a fase em que se deu a grande mudança nos costumes e modo de vida dos lavradores. O aparecimento dos motores de rega em meados do século passado revolucionou as regas. Depois ainda vieram os regadores de aspersão....
      Também vieram os tractores e as malhadeiras. Houve um tempo em que a garotada gostava muito de ir ver a máquina malhadeira (a do milho e a do centeio) a trabalhar/malhar.
      Bonita viagem no tempo e no que ele deixa para trás...

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  9. Bom dia

    Foi em Forninhos , no Serrado ,que
    vi pela primeira vez na vida malhar
    o milho ...
    Trabalho árduo ,com método e saber.
    Na minha terra não se fazia assim.
    O milho era colocado a secar dias e
    dias e era trabalhado á mão á unha.
    Bem hajam..
    Bom dia Do Corpo de Deus
    Bons Santos Populares
    Vacinem - se
    Protegem - se
    Cuidem dos vosso " velhinhos"

    Abraço
    MG

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    1. Os modos de malha, na Beira Alta, também variava de aldeia para aldeia.
      Mas na Madeira não malhavam o milho porque não tinham lages de granito?
      Seria esse o motivo porque o debulhavam à unha?
      Tudo de bom!
      Abraço.

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  10. Olá Paula

    Minha avó Maria Flôr sentada num banco debulhava à unha .
    O milho era colocada em arames como
    se de roupa se tratasse a secar .
    Dias e dias ao sol
    Fiz muitas vezes essa tarefa como
    tantas outras de uma vida cheia de
    ruralidade com os olhos na Cidade.
    lá no fundo junto ao mar ....
    Havia fartura de tudo .
    Milho . Batata ( semilha ) feijão ,
    abóbora , alface e muita fruta.
    Animais . Muita Sustentabilidade.
    O milho e a forma de ser tratado para mim foi novidade quando passei por Forninhos . A água em poços .
    A rega . Tratores . Na Madeira os
    Poios , a inclinação dos terrenos ,
    a humidade do arvoredo na zona alta, o nevoeiro , tudo diferente .
    Aprendi muito em Forninhos .
    Na apanha da batata .
    Na recolha da lenha .
    Conheci formas de sobrevivência que
    me enriqueceram .

    Foi bom .

    Abraço
    MG

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    1. Hoje não se aprende, em comparação com o passado, claro!
      Às vezes penso que os autarcas querem é urbanizar a nossa aldeia!
      Começaram nos anos 90 do séc. XX a alcatroar grandes lages onde se secavam e malhavam os cereais.
      Neste novo século continuam a delapidarem património legado, em vez de o preservarem, e nós assistimos sem nada fazer, mas se calhar sou eu que estou errada, pois está tudo muito bem feito...
      Bom FDS.
      Abraço.

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  11. Bom dia

    Não tenho capacidade para prever o que vai acontecer a todo o Interior
    quer no Continente ,quer nas Ilhas.
    Incluindo a minha Madeira .
    Nem sei se alguém pode com certeza
    prever . Morrem os velhinhos.
    Os novos emigram ou vêm para o Litoral ..
    Nascem menos filhos .
    A população envelhece .
    As dinâmicas de fixar pessoas e famílias são escassas..
    As cidades estão envelhecidas . Não
    se recupera o Património . Covilhã
    é um exemplo disso .
    Cuidados médicos em certas áreas só
    em Lisboa , Coimbra ou Porto .
    Universidades no Interior continuam
    sem protocolos capazes de fixar os
    seu alunos .
    E das duas uma . Ou morre tudo . Ou
    se criam urgentes mecanismos de
    motivar os investidores e empresas
    a reinvestir , criando riqueza no
    Interior .
    Existem alguns bons exemplos .
    Mas temos visto também alguns casos
    de fracasso , por negligência ou
    porque as regras de mercado que se alteram com facilidade.

    Conclusão : um futuro incerto para
    O Interior . E o que cada um de nós
    pode fazer ?


    Abraço
    MG

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    Respostas
    1. Para prossecução de interesses próprios das populações respectivas, existem as autarquias locais, que são pessoas colectivas, segundo a Constituição da República Portuguesa!
      Se é para nada fazerem pelas populações que representam, então não são precisas.
      Eu cada vez que vou a Forninhos venho de lá algo apreensiva...
      Bom fds.

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