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sábado, 23 de fevereiro de 2019

Do sino ao relógio

Para atrair os fiéis informando-os que a missa ia começar, as igrejas passaram a utilizar os sinos, logo, os sinos passaram a informar o horário à comunidade, utilizando o sistema latino de contar as horas a partir do nascer do sol. Em Forninhos, durante muitos anos, a única forma de orientação para lá da inclinação do sol, era mesmo o sino da igreja, não o da foto, mas o original que desde não sei quando até meados dos anos oitenta do séc. 20 marcou o tempo na minha aldeia. Esse depois de muito tocar e com muitas fissuras, foi substituído por este:

Sino de bronze da minha aldeia - 1986 

Um dia veio o relógio público. Mas a transição da marcação da hora do sino para o relógio como nós o conhecemos actualmente, não foi tão simples e imediata como podemos supôr. O hábito de colocar relógios públicos nas torres das igrejas é recente. Foi uma ambição das povoações do século 19 e princípio do 20. Em Forninhos, foi só depois da construção do cemitério, anos 40, que a torre da igreja foi aumentado em altura e o campanário recebeu o relógio mecânico. Este novo melhoramento aconteceu ali por volta de 1949-1950, do séc. 20. Aliás, acho que o campanário podia não existir até 1950. Até essa altura, no topo da Igreja Matriz, o que existia era um campanariozinho(?). Uma construção muito mais simples e mais baixinha(?).

Agora, como é sabido, o relógio da igreja é eléctrico e o som e toque das Ave-Marias são gravados, mas dantes havia um relógio mecânico ligado a uma corda de aço, com os seus martelos exteriores a bater no sino que dava as horas.
Dlam, Dlam, Dlam..., dolente, sem pressa, ia batendo e dizendo a cada um em que ponto do dia se encontrava. 
Com os ouvidos sempre atentos, as cabeças erguiam-se e contavam:
Uma.
Duas.
Três...
Se por acaso parava (às vezes esqueciam-sede lhe dar corda), era logo notada a sua falta: "Hoje o sino não dá horas". "Que horas serão?".






B - Badalo do sino
M - Martelo colocado na sineira junto ao sino.

Nessa altura, além dos sinais horários vindos do sistema de relogoaria, ainda havia o toque  do Anjo, ao meio-dia e às 7 da tarde o toque das Trindades; de miúda lembro-me da tia Esperancinha (perdoem-me aquelas de quem não me lembro) ir tocar às Trindades, mas depois deixou o cargo, com certeza devolvendo a responsabilidade à aldeia, que acabou com esse ritual que se cumpriu por muitos anos.
Outros toques do sino, tinham as mesmas funções de hoje, quase sempre relacionadas com actos religiosos.
E com isto, dou comigo a recordar um célebre poema de Fernando Pessoa,  com este título sempre nostálgico "Ó sino da minha aldeia" que até parece ter sido escrito em Forninhos:


Ó sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro da minha alma.

E é tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.

Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho.
Soas-me na alma distante.

A cada pancada tua
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.


Fernando Pessoa


Um agradecimento a todas as pessoas que me ajudaram a esclarecer algumas dúvidas.

18 comentários:

  1. Que lindo sino e fiquei parecendo contar as badaladas que tanto gosto de ouvir! Lindo te ler! bjs, tudo de bom,chica

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    1. Me pareceu também ouvir a uma...duas...três horas...vindas do relógio da igreja, mas da maneira mais antiga, ou seja, vinda do sino imagino que devia ser mais lindo o toque.
      Bj, bom domingo.

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  2. Do pouco que me recordo deste belo registo, é que volta não volta, a bota não batia com a perdigota nos tempos mais avançados; o relógio mais o sino não se entendiam, o sino tantas vezes calado e o relógio batia as meias aos quartos e era um frenesim para tal arranjarem, quer o padre quer os outros "vereadores" do pelouro eclesiástico que pouco percebiam daquela engenharia mecânica e longe de imaginarem que o altifalante da igreja estava ligado para o exterior e tudo o que era dito, soava alto e bom som por toda a freguesia e arredores.
    Havia um momento do dia que recordo vagamente e semsaber bem porquê, a imagem que tenho vai parar sempre a uma courela com meia dúzia de homens e outras tantas mulheres, numa arranca das batatas, no lugar da Cêrca. Tocava o sino e o tempo parava. Todos se recolhiam naqueles breves momentos de boinas ou chapéus na mão, eles, elas tamborilando os dedos, mas todos de olhos na terra...
    Mas tempos houve também em que no meio de coisas antigas e outras de tempos mais modernos, imperava e ainda hoje reina e esta sem qualquer engano e por ser a mais fiel e nem sequer se atrasar, é a barriga a dar horas...

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    1. Lógico, o som do sino estava tão gravado na memória que, se o relógio falhava e o sino não batia as horas certas, estava tudo estragado!
      Então toca de ir acertá-lo. Sem ajuda humana não tocava.
      Hoje ainda é um pouco assim.
      E, se o relógio não tocar durante dia é logo notada a sua falta. Durante a noite está caladinho, para não chatear ninguém. Por essa programação e pelo cântico religioso, de certeza que o relógio da igreja de Forninhos é digital. Se avariar é que para uma paróquia pequena como Forninhos deve ser uma grande despesa, mas tudo se arranja...
      Não foi há muito tempo que avariou e um casal de emigrantes (ouvi dizer que foi o Toninho Venêncio e a Dolores) se prontificou a pagar a despesa?
      O meu agradecimento.
      A barriga a dar horas é o mesmo que ter fome, bem visto ;-) a mim, quase sempre a barriga me avisa que é hora de almoço!

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  3. Boa tarde Paula,
    O sino da torre das igrejas tinha um papel importante para a orientação e informação do povo. Além das funções que partilha, na minha aldeia ainda hoje é através do sino que se anuncia à população o falecimento de alguém com um toque chamado de finados. Durante o percurso para o cemitério um outro toque ecoa até à chegada do cortejo fúnebre à entrada do cemitério.
    Gostei imenso do poema de Fernando Pessoa que não conhecia.
    Um beijinho e um bom domingo e semana.
    Ailime

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    1. Em Forninhos também há esse toque que anuncia mortes, quando o sino toca "aos sinais" é certo que esse é um dia de tristeza. As recordações do sino nem sempre são agradáveis :(
      Talvez por isso Pessoa nos diz:
      ...é tão lento o teu soar,
      Tão como triste da vida...
      Bj/boa semana.

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  4. Bonito post, Paula! O sino que mostras é lindo, o que descreves é ótimo e o poema também apreciei MUITO... O sino com as suas "falas e sensações"...
    Boa semana, querida... Beijão... (Venha nos ver neste fds/Vida & Plenitude)

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    1. Obrigada Anete. Quando se está lá, talvez nem se repare bem nos sinos, mas quando se tira uma foto destas é que vemos como este sino é mesmo lindo.
      O texto e poema são um pouco nostálgicos, mas é assim a vida.
      Bjs/boa semana.

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  5. Antigamente os sinos das igrejas marcavam os ritmos das vilas e aldeias, aproveito para desejar uma boa semana.

    Andarilhar
    Dedais de Francisco e Idalisa
    O prazer dos livros

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    1. Presentemente em muitas aldeias o relógio é uma companhia, tal é a solidão.
      Boa semana.

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  6. Peço desculpa, estive ausente e é um assunto que mexe um pouco comigo. Em pequeno, era desafio entre os corajosos que teimavam em descer pelo pendulo do relógio que terminava no batistério e também em passar na frente dos sinos de um lado para o outro. O corpo do relógio mecânico, no átrio do campanário, era acesso de qualquer um, penso que mais tarde foi colocado um portão no cimo da escadaria que lhe dava acesso, para evitar as traquinices. Houve tempo que as minhas idas a Forninhos foram mais espaçosas e quando soube da venda da máquina que com os dois martelos nos mantinham a horas, fiquei triste, sei que valia um dinheirão, era de bronze e penso que foi para a compra da substituição do sino "grande", uma autêntica engenharia, ficou as marcas dos encaixes dos martelos. Hoje ainda sinto pena pela decisão, originou o relógio de parede com amplificação e nos dias de hoje, amplificador com relógio eletrónico com ave- marias, modernices. Acrescento que, perto dos anos 50 do sec. anterior, o campanário foi aumentado em altura pelo meu pai, José Lopes e o sr. José Rebelo, para receber o tal relógio mecânico com o dar horas nos sinos.

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    1. Acho que ainda lá está o portão e o sino "grande" também, a meu ver menos bonito que este de 1986.
      Posso estar enganada, mas o que me disseram foi que aquando das obras da torre (feitas pelo teu pai, avô e ti Zé Rebelo, que trabalhava em porpianho), retiraram e puseram os dois sinos ali ao pé do cruzeiro paroquial, onde está agora a imagem de Santa Marinha em granito. Fiquei com a ideia que o sino grande já lá estava quando subiram a torre.
      Quando as pessoas dizem que colocaram os sinos, quer dizer que os retiraram para fazer as obras; a final voltaram a colocá-los. Só que da maneira que falam parece que os sinos só foram lá parar perto do ano de 1950 do século passado (eu pensava que sim), mas não. Só quando li o inventário sobre os bens da igreja realizado em Forninhos no dia 22 de Agosto de 1911 é que percebi, pois é referido que "Na torre há dois sinos".
      Perante isto, pergunto:
      - Se não foi para comprarem o sino avantajado ou outro, o relógio mecânico foi vendido em que altura e para comprar o quê?
      Acho que não foi vendido na década de 80, eu pelo menos não me lembro do relógio mecânico, nos anos 80 lembro-me dum outro relógio, estava na sacristia e acho eu foi retirado quando fizeram obras, inclusive na sacristia, em 2009.
      Poderá ter sido fundido para outra peça de bronze?
      De qualquer modo, convém dizer que os teus familiares, ti Zé Rebelo e com certeza outros, foram homens destemidos ao retirar os sinos e ao colocá-los lá acima com total segurança.
      Homens de outra têmpera e outra fé.
      Bem hajam eles.

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  7. Paula, tenho memória viva que o sino grande foi substituído no mandato do Sr. José Urbano (Cabral) motivo, estrago que penso pelo virar do sino, pelo jovens na altura da Páscoa. Ficou-me na ideia cerca de 800 contos e a altura não deve ser longe dos anos 80 do sec, passado. Tenho pena de não ter uma foto do mecanismo do relógio mecânico mas está na minha memória, penso que a conduta do pendulo foi tapada mas o sítio da máquina ainda lá está. O de parede, na última vez que estive na sacristia, lá estava por cima do amplificador/relógio eletrónico, espero que não o vendam, eu seria um possível interessado.

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    1. Quero dizer,António Urbano e não José.

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    2. Eu só me lembro da substituição do sino mais pequeno e era o tio Almeida membro da Frabriqueira. Acho que o motivo da substituição foi porque não se ouvia o som das badaladas através do seu bronze. Foi substituido pelo que lá se encontra (1986).

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    3. Tens toda a razão, foi o pequeno que foi substituído, tem a data gravado do ano de fabrico que penso que seja 1977.

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    4. Sino pequeno e não grande, as minhas desculpas pelo engano.

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    5. Se aumentares a foto verás que a data gravada é 1986.
      Bom fds.

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