É verão, os dias estão quentes e as noites agradáveis, mas...vão sobrando lugares, na soleira da porta ou balcão da vizinha para apanhar a aragem fresca do cair da noite, embora uma ou outra mulher ainda vá ditando os seus pareceres sobre o que vai vendo na televisão sobre o tempo quente, num suplicar piedoso num "ai Deus nos acuda, pois se o fogo aqui chega não há quem o segure, vai tudo à frente, uma desgraça".
Assim partilham e desfiam as presumíveis desgraças, impotentes pela idade, quase todas viúvas, mas enquanto o demónio anda distante, recordam...olhando o céu coisas do "arco da velha".
- Estando aquela mancha de pequena nuvem no céu, vermelha no poente, podia-se estender o centeio na lage. A "vaca esfolada" que noutros sítios dizem ser a cabra, é sinal que no dia seguinte vamos ter calor.
Uma ou outra mais descrente, culpava o nome da terra, Forninhos.
- Pois se isto aqui parece um forno (nome mais acertado não havia).
Mas para outra mais descrente ainda, como se fosse possível, a culpa era dos homens da lua. Desde que lá botaram os pés, estragaram tudo, até o homem que tinha um molho de silvas as costas, desapareceu (há coisas do diabo).
Calada, a mais nova, vai recordando os irmãos que outrora se escapuliam para apanhar grilos e gafanhotos e aquando destes calores, juntos se banhavam no rio.
E palravam pela frescura da noite, até aquela névoa de baixo as ir refrescando e lembrar que não eram novas e deviam ter cuidados do fresco, depois daquele calor que abafava.
Uma ainda solta que lhe cheira a terra e a rosmaninhos, porventura com saudades da terra de S. Pedro por onde guardou o rebanho, enquanto os pais tinham vinha e uma a sacode no dever, de ver a vinha moribunda:
- "Por Santa Marinha, visita a tua vinha, tal a olhares, tal será a vindima".
Sentiu-se "picada" e sabendo que o genro desta fazia negócio de mel, retorquiu sabendo que em Julho as colmeias fervilham de abelhas, tipo maldição "Julho abafadiço, abelhas no cortiço".
Na despedida, uma voz ainda solta a profecia:
- "Aquela névoa lá debaixo, nada traz de bom, amanhã está um calor que vai alambrar tudo...
Apenas ao virar da esquina, quase em sussurro se ouve "ai, não mo lo digas", porventura lembrando o falecido, um herói modesto, quase sempre mal comido e mal bebido que num verão assim quente de fornalha se foi, depois de dois dias antes ter carregado o centeio do rolheiro para malhar.
Coisas ficam por dizer, pela idade e superstição...coisas destas nossas mulheres antigas, mas mesmo assim já foi bom!
Essas coisas assim, superstições, falas de antigos, sempre são legais e não conhecia essa expressão da vaca esfolada, nem cabra,rs Gostei de ler! abraços, chica
ResponderEliminarSabedoria popular, amiga Chica, que devemos registar para os vindouros...
EliminarAbraco
'Olha' sei que em Forninhos os antigos diziam que quando o céu após o pôr do sol ficava com um estendedoiro vermelho - a tal "vaca esfolada" - é sinal de calor, mas no caso da "vaca" ou "cabra" (penso que uma e outra coisa é a mesma coisa) também me junto à mulher descrente, isto porque sei que noutras terras quando vêem a vaca esfolada dizem que nesse dia ou no seguinte chove que nunca mais acaba.
ResponderEliminarAliás, bem perto de nós, em Penaverde, é sinal de chuva. O Pe. Luís no Livro que editou refere que a "cabra esfolada" de alguns sítios é em Penaverde "aberta da Guarda" e que este sinal junto da linha do horizonte aparece sobretudo no Outono.
Já Aquilino Ribeiro no Livro "Terras do Demo" diz-nos que a "cabra esfolada" prenuncia o bom tempo.
Também não me costumo guiar por este fenómeno ;-)
Não conhecia o ditado "Por Santa Marinha, visita a tua vinha, tal a olhares, tal será a vindima". Fez-me lembrar o que diz que "Quando a oliveira limpa, vai ver se há azeitona, por cada uma que encontres, conta mil, assim verás se é ano de azeite ou não", mas mais bonito por referir Santa Marinha, a padroeira de Forninhos que tão esquecida anda...!
Usaste palavras ainda muito usuais na nossa terra como "alambrar".
Quanto ao lugar de Forninhos ser um forno, bem...a origem do topónimo “Fornos ou Forninhos” pode ter diversas explicações e interpretações, tanto que pode significar lugar muito quente. Porque não?
Porventura ambas ascoisas estao correctas, pois quando estas mulheres olhavam para o céu para ler a meteorologia na "vaca esfolada", as nuvens avermelhadas que se juntam ao sol: "Vaca esfolada ao nascer, vai chover, vaca esfolada ao pôr, vai estar calor.".
EliminarTal como Forninhos, a sua padroeira tera sido porventura tambem "alambrada...".
Mas eu faço questão de os "alembrar".
EliminarBom dia
ResponderEliminarGostei deste momento literário. Coisas da nossa gente. Vidas do povo, gente simples, que luta por um pouco de pão e um copo de vinho.
Quantas recordações me trouxestes nestas linhas!
Desejo um bom Sábado e Domingo.
Depois vamos à política do trabalho.
Partilho com o Sr. Luis Coelho o sentimento de "coisas da nossa gente".
EliminarSimples mas lutadoras.
Agora quase por milagre me vou recordando e dar valor a estas "coisas nossas".
Porventura por o cheiro da terra se tenha entranhado nas nossas almas.
Bem haja por ter vindo, uma honra para mim que o conhecia das redes sociais.
Um abraco e bom domingo.
Um belo artigo bem demonstrativo do viver das nossas gentes no interior do país que cada vez está mais despovoado e vai morrendo lentamente.
ResponderEliminardesconhecia por completo essa expressão popular da "vaca esfolada".
Um abraço e bom fim de semana.
De Francisco para Francisco.
EliminarQue ao menos no despovoamento e morte lenta, nao se enterrem os pergaminhos firmados e a nobreza dos nossos antepassados.
Pessoalmente ja havia ouvido falar dos pronuncios da cabra rasgada, mas querendo saber mais sobre esse fenomeno meteorologico dos lavradores, perguntei a gente muita idosa que quase em tom irado e perentorio exclamou que em Forninhos sempre tinha sido vaca rasgada.
Pois que seja, vai dar ao mesmo.
Um abraco amigo.
Olá Xico e Paula...
ResponderEliminarTradições e conversas que nos fazem entender os desejos, temores e realidades dessa gente... Gostei muito do texto!
A Vaca Esfolada, expressão muito interessante... Não conhecia!
Abraços e bom fim de semana...
Porventura por estas "leituras" de gentes rudes mas vividas, com elas ainda guardassem algum tipo de paganismo de tantos povos milenares que por Forninhos passaram.
EliminarAinda hoje pelo mundo se fazem sacrificios de animais por motivos varios e aqui na agora minha terra, poderia ser uma forma de "ler o tempo" nas entranhas dos animais.
Quem sabe?
Abracos
Vaca esfolada ou cabra esfolada, não me lembro de tal ouvir. Amanhã vai estar uma brasa, isso sim, ouvi falar muitas vezes. Já sobre as oliveiras, depois de limparem, se virmos um grão de azeitona, esta terá mil, ouvi a semana passada, comentar o Samuel Cavaca (pai da Paula). É assim, estamos sempre a aprender, uns com os outros.
ResponderEliminarSobre a foto, minha Tia Júlia (também da Paula), sem dúvida, mas o rapaz? Deduzindo pela época da foto, será o Samuel (pai da Paula)???
Um abraço e bom fim de semana.
Boa noite, Henrique.
EliminarUma terra de esfolar e so nao esfola quem nao pode desde que me lembro. Tudo a eito, borregos, cabras e cabritos, mais outrora que agora, pois que presentemente a coisa fica mais por esfolar a casaca dos outros.
Ha ainda quem se va recordando, embora pouca gente, destes dizeres que aqui publiquei, pessoas sempre ligadas ao campo e ao ambiente rural, coisas que devem por cidadania ser registadas para futuros anais da nossa terra.
Um abraco
Analisei melhor, fiquei convicto, Samuel Cavaca.
ResponderEliminarOlá Henrique.
EliminarO rapaz da foto não é o meu pai, é o genro da tia Júlia, marido da nossa prima Zita. Infelizmente o Tó deixou-nos muito cedo.
Quanto ao calor realmente é muito usual esse dito de que vai estar ou está uma brasa.
Quanto à vaca esfolada se calhar já nem faz parte da nossa tradição oral porque esse sinal já não tem validade nos tempos actuais de mudança a tantos níveis!
Beijinhos e bom fim de semana para ti também.
Enganei-me, a foto também não é esclarecedora mas lembro-me perfeitamente do falecido Tó, convivi bastante com ele em Forninhos e algumas vezes em Lisboa, boa companhia.
ResponderEliminarGostei de ficar a saber da vaca esfolada, ou cabra. Sou a favor do conhecimento repartido e a caminho dos sessenta tenho aprendido aqui, bastantes coisas.
Obrigado por isso. Um bom Domingo para vocês.
Obrigado?
EliminarNao tens de que, nem ninguem!
Haja sol ou frio, a gente vai andando por algum lado e tu sabes melhor que ninguem que "numa pedra velha levantada", vem uma "carrada" de historias.
Regar e por ao luar, para estas coisas nao morrerem, muito menos "esfolados". pelo menos fica a pele!
Abraco.
Desconhecia a expressão mas a riqueza das tradições nas nossas aldeias...é maravilhoso!!! Bj
ResponderEliminarConfesso que tinha ouvido a profecia na pele de uma cabra, mas com pesquisas locais e que tal conheciam, nos revelaram que era em Forninhos que a leitura dos ceus acerca do tempo, era a vaca!
EliminarPorventura correcta tal afirmacao, pois tempos idos, a nossa terra era farta de ovelhas e os menos remediados, tinham uma cabra ou outra, sendo que os lavradores faziam as lides com as suas juntas de vacas e uma ou outra cabra presa na traseira do carro de madeira. Sempre dava um bom cabrito para a Pascoa e bom leite.
Talvez...
Na mancha de pequena nuvem vermelha, a poente, os antigos viam a vaca esfolada, assim como nas manchas da lua, viam o homem a carregar um molho de silvas às costas. Conheces essa história, Henrique?
ResponderEliminarMas nas manchas da lua e na forma e cor das nuvens cada um de nós pode ver outra coisa qualquer, desde que a inspiração e a imaginação o permitam.
Acho que antigos tinham o tempo todo para observar e sentir a vida e na sua calma através dos tempos foram compondo máximas, provérbios, lendas e histórias que têm muito fundamento; agora, se calhar, é a nossa vez de divulgar essas expressões antigas, lendas e histórias.
Lembro-me perfeitamente de, em pequeno, ouvir falar no homem com o molho das silvas às costas, na Lua. As vezes que, à noite, Lua Cheia, passava tempos a olhar para a ela, mas nada de ver o homem. Uma mancha acinzentada, lembro-me mas há coisas (do diabo), já não vejo a Lua como antigamente, será que nos está a mostrar a outra face?
ResponderEliminarNa lua estava um homem com um molho de silvas nas costas por castigo de ter pecado num dia santo de domingo.
ResponderEliminarPequenito, eu, ouvia contar nas escadas do ti Luis Catrino enquanto as mulheres ao lado, no balcao de fora e por debaixo da tilia da tia Eduarda, se esvaiam em conversas ate comecar a orvalhar. Era bonito! Mas pra mim o tio Luis era o mestre do tempo que ao cair da noite ia ouvir o boletim meteorologico na televisao do cafe e logo voltava contando as novidades pra as chuvas e calores.
Se fosse agora, teria registado as coisas dele que comunicava aos outros como ele, gentes do campo. Fosse agora...
Muitas vezes lhe perguntei " ti Luis, anda mesmo um homem na lua?".
Ele olhava para mim, agora no tempo penso que por candura ou porventura pena, me pedia para descer um pouco da ladeira do Oiteiro e olhar para a lua a seguir ao ribeiro, por cima dos pinhais.
E falava da vaca esfolada, da molestia das culturas, do tempo e do sol escaldante que viria e da lua. Da lua eu tinha medo pelos buracos, dizia ele que inferno dos condenados...Seria?
Coisas nossas e porventura do homem da lua.
Ainda hoje, por ali andando e no mesmo local, continuo a olhar para a lua.
Nem sei bem porque...
Olá, Aluap!
ResponderEliminarEspero k estejas bem. Por aqui, tudo satisfatório.
Li o texto, mas assim na diagonal, portanto, não vou comentar.
Estou a passar por aqui para te desejar uma boa semana e deixar-te um beijinho (trataste-me por você no meu blogue, portanto, fico sem saber se te posso ou não tratar por tu. Depois diz-me como preferes. Nem tu nem eu temos 20 anos, mas tb não temos 80 (que exagero)!
Não tenho novidades no meu blogue. Eu apareço qdo me dá vontade de ver os rostinhos das pessoas e deixar-lhes uma saudação.
O Chico "não" me liga nenhuma, mas não faz mal. Eu acho-o um homem bom, típico e mto sincero.
Beijinhos.
Boa noite Xico e Paula,
ResponderEliminarAdorei este texto escrito como só o Xico sabe ao nível dos nossos melhores (Torga e Aquilino)!
Muito bom ter ainda tão bem enraizados todos esses dizeres e saberes de antigamente que se estendem no tempo!
Grandes conversas de ontem e ainda hoje nas soleiras das portas nas noites quentes de verão!
Sobre a vaca esfolada, não conhecia a expressão e achei muito interessante!
(Na minha aldeia, salvo erro, se a lua tinha um halo em redor era certo e sabido que tínhamos água;))!
Beijinhos e boa semana.
Ailime
Olá Ailime, em Forninhos também se diz "círculo na lua, ou vento ou chuva".
EliminarBeijinhos.
Adoro tudo que seja "Sabedoria Popular". Nela há sempre um fundo de verdade.
ResponderEliminarO teu magnífico texto com a tua escrita fluída e bela, lê-se e relê-se com interesse.
Beijinhos.
Ora, o prometido é devido e cá estou eu, para comentar.
ResponderEliminarDesconhecia, completamente, a expressão "vaca esfolada", e mto menos, significando que vai haver calor.
Os antigos, a sabedoria popular de homens e mulheres, é bíblica. Nada falha.
O texto, o diálogo, estão perfeitos e mto soltos. Parabéns!
Beijos e até à próxima.