Luar de Janeiro não tem parceiro...
Neste abrir do Ano Novo trago-vos um pedacinho da noite da Beira Alta (há 100 anos):
"Seria obra de dez horas e caía uma geada muito forte que sobradava os agros e metia pela terra dentro suas agulhas de gelo. No céu, adiante de cirros, ia de jornada uma lua bochechuda. E tão estanhada, que os barrocais luziam até muito para riba do povo, donde as águas manavam, glau! glau!
"Seria obra de dez horas e caía uma geada muito forte que sobradava os agros e metia pela terra dentro suas agulhas de gelo. No céu, adiante de cirros, ia de jornada uma lua bochechuda. E tão estanhada, que os barrocais luziam até muito para riba do povo, donde as águas manavam, glau! glau!
Os longes esfarelavam-se num luaceiro grisalho, como de moinha ao vento; mas, a todo o largo da mirada, a terra descobria-se com os mouchões das leiras a reluzir prateados ao luar e os regos coalhados de tinta negra. Nas leiras onduladas de morro para morro, o centeal dormia debaixo do codo, a meio as pedras intonsas e impressionantes, como cabeças mortas saindo de baixo dum lençol. As giestas projectavam uma sombra muito escura, o que levou a notar que a sombra que o seu vulto também projectava era tão retinta e desengonçada como se levasse um fantasma à mão direita. Não se enxergava vivalma, nem de homem, nem de bicho, nem de ser nado que fosse.
Mas pela lua que caminhava sempre, o sete-estrelo muito rútilo, a rija imobilidade da planície, sentia-se a terra presa a amarras que não quebram nem se rendem".
-Terras do Demo, obra de AQUILINO RIBEIRO editada em 1919.
Que legal! A lua sempre encanta, desde sempre! abração,chica
ResponderEliminarMesmo! A lua sempre, encanta...seja em que mês fôr.
EliminarBom domingo.
Abraço.
Uma lua assim há cem anos com a crença na existência de lobisomens, faria toda a gente fechar-se em casa.
ResponderEliminarAbraço e feliz ano 2020
Com toda a certeza. O luar de Janeiro ainda hoje traz a geada, mas naqueles invernos rigorosos, não havia luz (electricidade) nas aldeias e toda a nossa região ficava mergulhada em total escuridão, provocando medos e cuidados. Os humanos estavam todos (ou quase todos) em suas casas, de volta da lareira.
EliminarAbraço.
Feliz 2020.
Boa Noite
ResponderEliminar.." Oh Lua que vais tão alta...."
Bom Ano 2020 para o Blog de Forninhos
MG
Obrigada!
EliminarTudo começa num desejo...e se este ano não puder ser melhor do que o ano passado, pelo menos que seja igual.
Abraço e um 2020 com todos os desejos realizáveis.
Uma escrita que não se perde no tempo nem na riqueza da mesma!!! Bj
ResponderEliminarA escrita deste homem vai perdurar, enquanto quisermos entender o primitivo sentido das gentes na sua relação com a natureza. Bj
EliminarTexto e foto que nos fazem pensar e viajar tempo afora. Gostei de ver o seu post, o primeiro de 2020... Sempre vc nos surpreendendo...
ResponderEliminarBjs e boa noite...
Aquilino Ribeiro deixou ao país um retrato impecável de uma época e de uma região. Este "luar de Janeiro" é uma viagem às terras pobres onde “Cristo não rompeu as sandálias ou passou el-rei a caçar".
EliminarSupreendente é que qualquer semelhança com os tempos recentes, não é pura coincidência, Anete!
Bj
Inconfundível a escrita de Aquilino Ribeiro.
ResponderEliminarUm abraço e bom Domingo.
Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
Livros-Autografados
Admiro a capacidade que Aquilino tinha de olhar, memorizar e depois traduzir por palavras, o que viu nas serranias beirãs.
EliminarUm abraço.
Boa semana.
Como que me revejo nestes escritos de Aquilino.
ResponderEliminarSais da cidade e vais à terra por parcos dias passar a quadra do Natal.
Dias antes aquela tempestade medonha que tantos estragos fez.
Chegas a uma casa antiga, grande e de pedra,junto a um ribeiro fronteiriço aos pinhais e na noite de lua cheia, botas cavacas no lume, um gelo lá fora que se abres a porta, faz pingar o nariz...
Lá para cima na serra, apesar de tudo cerrado, por entre as frinchas das portadas e noite escura, embora com resquícios da lua se ouvia um misto de latir e uivar, indistintos por o ribeiro abaixo tais abafar.
Haveria bichos por ali com toda a certeza, ainda por cima, o ribeiro havia inundado os lameiros e saltado os comareiros impedindo os rebanhos de comer.
Manhã cedo, o acordar com a sinfonia da bicharada, mais os corvos no alto do pinheiral e os pequenitos na horta em frente, quase pegdos à janela enquanto a lua se tinha ido pela noite.
Ela que fica sempre bonita com o céu estrelado, deve ter partido para outro lado para engordar enão a voltei a ver.
Vi sim, a caminho de Dornelas, um rebanho que me trouxe tanta saudade; pastavam num pequeno lameiro, regrados por uns cancêlos para poupar a erva, que era fina pois de semente e por tal regrada.
Estava a acabar Dezembro e logo a seguir o Janeiro, o tal que traz com ele a mudança e até encher a pança nos dias de matação e vem dar razão ao povo que mesmo que acabe o mundo, amanhã é dia novo!
Os teus dias passaram ainda pelo pátio da casa onde nasceste!
EliminarAquilino Ribeiro escreveu: "Vejo no grande e desmantelado pátio fidalgo a nossa casa, de lojas para animais e habitação, com a sua obsequiosa escada de pedra e um esgrouviado sabugueiro a bater atónito nas vidraças, que deitavam para o povo, sempre que o vento suão soprasse mais forte".
E numa noite de lua botas cavacas no lume...
Que alegria é encontrar expressões usadas pelos nossos pais ou avós...
Boa noite Paula,
ResponderEliminarUm texto de Aquilino belíssimo (mas só com dicionário poderei entender todo o seu falar).
A Lua antigamente tinha uma visibilidade diferente, porque as luzes terrenas ainda não lhe escondiam a beleza.
Beijinhos e continuação de boa semana.
Ailime
Por ser dificil, existe um "Glossário sucinto para melhor compreensão da obra de Aquilino Ribeiro".
EliminarQuanto à lua, é verdade. Quando se vivia sem luz eléctrica, lua e estrelas tinham um visibilidade diferente.
No dizer de Aquilino "nas noites luarentas, acendiam-se os charcos e eram espelhos... onde a lua e as estrelas se miravam, e até anjos e Nossa Senhora, se chegassem a uma janelinha do céu, veriam o rosto fagueiro."
Bijinhos.