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domingo, 23 de junho de 2019

Tempos de "ócio"

Como é que as mulheres de antigamente ocupavam os seus tempos de "ócio"?
Antes de mais, falar de "ócios" para uma mulher casada nos anos 40, 50, 60...na aldeia só pode ser uma piada de mau gosto, já que essas mulheres tinham sempre que fazer: lavar roupa, varrer a casa; preparar a comida para o vivo (os animais), pois na maior parte dos casos estava a cargo das mulheres; acartar lenha, preparar as cinco ou mesmo seis refeições do dia, amassar e cozer o pão. Depois disto tudo, que tempo havia de restar às mulheres da aldeia que se possam mesmo dizer "tempos de ócio"?
Os poucos momentos que tinham ainda assim eram passados a trabalhar: sentadas ao soalheiro passavam o tempo a remendar meias, a bordar, a fazer meia com cinco agulhas (anos 40 e 50), a fazer malha com duas agulhas, a fazer renda (mais tarde nos anos 60)...
Ou seja: mesmo nesses momentos, o tempo livre era para uso da casa e família.
Era o tempo de criar sete, oito, nove, dez, onze, doze filhos. Era um amanhecer cedo e deitar tarde, desde as sementeiras às colheitas. 
E, à noite, sob a luz do candeeiro, de azeite, de petróleo, era quando se podiam sentar na máquina de costura para deitar uns fundilhos nas calças dos maridos e dos mais pequenos ou transformar a roupa dos mais velhos para os mais novos. Até que um dia...
Correu no povo que não era bom coser à noite pois aparecia "a costureirinha", uma personagem de outro mundo, uma alma penada que faltara ao cumprimento de uma promessa.
Segundo testemunhos, à noitinha ouvia-se o tic-tic-tic de uma máquina de costura, das antigas, de pedal, assim como o cortar da linha e até, segundo alguns relatos, o som de uma tesoura a ser pousada. O som podia vir de qualquer casa vizinha onde houvesse uma máquina de costura a trabalhar, mas, certo é, que estes inexplicáveis sons deram origem à "lenda-da-costureirinha" (no Google há várias lendas associadas) foi assim que se deixou a costura nocturna e era nas tardes livres - quase sempre ao domingo - que as mulheres se sentavam a costurar na máquina.
Era o tempo de uma sociedade que tinha os seus medos, os seus mitos, as suas crenças e o seu modo de ser e de estar na vida.
A minha avó materna, lembro que tinha a sua máquina no quarto de dormir junto à janela virada para a rua e era onde as suas filhas nas horas vagas se sentavam a costurar. Foi na máquina da minha avó que a minha mãe aprendeu a coser roupas e a minha avó disse várias vezes em vida que quando morresse a máquina ficava para a minha mãe, mas na partilha dos herdeiros não lhe coube a máquina.
Entretanto, a minha mãe comprou uma máquina manual que colocava sobre a mesa e enquanto cozia rodava a manivela com a mão. Eu pedia-lhe que me deixasse coser (parecia fácil), mas ela não me deixava, não fosse a agulha partir-se ou eu picar-me nela!
Depois vim para a Grande Lisboa e o tempo foi passando e acabei por não aprender a alinhavar e a coser.

foto retirada da wikipédia

14 comentários:

  1. Duros tempos pra elas...Sempre servindo aos outros,sem sobrar pra si próprias.
    Que bom mudou e temos boa opções hoje.
    Bjs chica

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    1. Mas foram precisos milénios culturais para mudar...
      Costumo ouvir que, nesses idos anos, a vida dos homens também era duríssima. Acredito. Os homens beirões trabalhavam que se fartavam, mas as mulheres não trabalhavam menos, verdade se diga!
      Bjs, boa semana.

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  2. estas máquinas viraram peças de museu e como diz a minha amiga e com toda a razão falar de ócio a esta gente era quase uma ofensa, aproveito para desejar um bom Domingo.

    Andarilhar
    Dedais de Francisco e Idalisa
    Livros-Autografados

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    1. Ainda assim o "trabalho de mulher" era bastante menosprezado.
      Quem nunca ouviu dizer, em tom de menosprezo, claro: "isso é trabalho de mulher"?
      Um abraço.

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  3. Boa tarde Paula,
    A vida das mulheres de então não era nada fácil! Além de todos esses trabalhos, por vezes, ainda davam apoio aos seus homens nas lides do campo. Vida dura passavam.
    Sobre a costureirinha, na minha terra também era falada.
    Fez-me recordar que uma noite também ouvi esse tic tic. (A minha mãe tinha a máquina de costura num recanto do nosso quarto).
    Também não aprendi, pelo mesmo motivo da Paula. Mais tarde também não me interessei muito.
    Beijinhos e uma boa semana.
    Ailime

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    1. Mesmo, ajudavam muito os homens no trabalho no campo. E faziam de tudo!
      Minha mãe lembra-se também ouvir falar dessa personagem de outro mundo. Não é difícil, ainda hoje, encontrar pessoas de alguma idade e não tanta como isso...que ouviram falar da costureirinha.
      Beijinhos e uma boa semana para si também.

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  4. Tantas as vezes em que fui mandado à "venda" do sr. José Bernardo comprar carrinhos de linhas, ou para remendar ou para costurar, quase sempre pretas ou brancas, a côr do país, pois quem quisesse de outras côres, só por encomenda ou nas feiras.
    Tempos de necessidades, as senhoras deitavam tarde, ainda mais que os maridos que vinham derreados dos campos na contínua labuta diária, mas elas também presentes quando podiam, sabe Deus como se sentiam, chegado era o serão e tanta coisa para fazer depois dos filhos deitados, animais acomodados, bem mereciam descansar, mas não podiam.
    Lembro a minha mãe me pedir de enfiar o carrinho de linhas no carreto da Singer, mais pelo cansaço e não falta de vista e enfiar na agulha e eu gostava de fazer até ao dia em que pouco faltou quando pedalei com mais força e quase me ia cozendo...
    Lá vinha o Domingo em que depois de tudo tratado e havendo résteas de sol, daquele bem soalheiro, se juntavam no Oiteiro para como diziam palrar, às vezes nem era bem isso, era mais um lavar de alma, mas também havia galhofa escutando o que delas diziam e o que elas diziam das outras, tal como ainda hoje.
    Sempre com as mãos ocupadas, pois vaziam faziam formigueiro, um ovo de madeira fazia o formato para remendar uns coturnos rôtos, uma falava do filho na guerra, a outra e como sempre amaldiçova os vizinhos, uns porcos e ladros e a mais distante catava lendêas e piolhos à filharada que vinha chegando à vez.
    Era um rolar de estórias, vividas e ouvidas tal como a lenda da costureirinha. Contava uma outra, a mais velha, que a coisa não se havia passado ali mas no Alentejo e quem a havia trazido tinha sido a sua avó que havia sido "ratinha" no Alentejo nas ceifas do trigo e que por lá a cantavam.

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    1. Não sei se foi trazida por uma "ratinha", sei que não se trata de uma lenda só do Alentejo!
      Sabes que eu não sou nada de acreditar nestas coisas, mas se uma noite desta a ouvires não grites!
      Mas numa coisa tens razão, era fácil quando as ocupações obrigatórias deixavam algum tempo "livre" ver ao soalheiro também mulheres a catarem crianças. Cabeça apoiada no regaço prontas a caçar os parasitas do telhado humano (quase desapareceram, mas só de lembrar já estou com comichões na cabeça).
      É o que eu digo: o tempo livre era para uso da casa ou da família.

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  5. Gostei de ler o seu relato aqui, Paula! Tempos idos... Como as mulheres viviam os seus papéis de uma maneira tão diferente! Até as avós de antigamente tinham “obrigações“ extravagantes...
    A máquina singer lembro bem, andei brincando um pouquinho na da minha mãe... Rsss, tenho “uma marquinha no dedo”, lembrança boa da infância...
    Boa semana... Abração

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    1. Eu percebo pouco de costura, mas lembro-me perfeitamente de ir à costureira e de mexericar e ajudar a escolher os botões, ver cortar o tecido, ver fazer os alinhavos, etc...
      Agora recordo esses tempos com saudade.
      Boa semana, bjs&abçs.

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  6. A lenda da costureirinha era geral do Minho ao Algarve. Tal como as bruxas, os lobisomens e a dama do pé de cabra. Acredita que conheço uma senhora algarvia com 80 anos que jura que mais do que ouvir, viu a costureirinha uma noite quando tinha 17 anos?
    A minha mãe comprou uma máquina igual a essa, quando eu tinha 10 anos. Para mim que na altura mostrava muito jeito com a agulha. E foi nela que aprendi a coser. A minha mãe não sabia mais do que pregar um botão, não percebia nada de costura.
    Abraço e boa semana

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    1. O mundo é mais do que aquilo que se vê, Elvira.
      Não tem nada a ver com o assunto, mas quando a imagem de Nossa Senhora de Fátima andou em peregrinação pelo nosso país e chegou a Forninhos a 13 de Agosto de 1951, lançaram umas pombas brancas e há pessoas que afirmavam ter visto nesse momento a Virgem!
      Seja lá o que fôr, que tenham visto, tal faz-nos pensar que existe algo superior a nós e que nem tudo o que acontece a ciência consegue explicar.
      Um abraço.

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  7. Meu pai era alfaiate e a sua partilha fez_me recuar no tempo e a nostalgia entrou no meu coração... Bj

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    1. Pois, a nostalgia desperta dentro de nós, mas ao mesmo tempo é bom lembrar os nossos.
      Bjs.

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