Seguidores

sábado, 28 de janeiro de 2017

Comidas do arco da velha

No tempo dos nossos avós havia comidas do arco da velha. É impossível aqui falar de tudo, mas deixo algumas só para recordar e quicá aguçar a gula...
Torresmos de carne gorda, que hoje se despreza e envia para o lixo, por criar ou agravar doenças. O bucho cozido e o redanho frito. Muito bom!

redanho frito

Ainda do cevado, assim era designado o porco destinado à matação, duas especialidades muito apreciadas na nossa terra: a morcela, feitas com a sangria e gorduras do animal desfeitas, pão de trigo, cominhos, salsa picada e cebola estrugida em azeite; e a sopa da matação a cheirar a cominhos, feita com água da cozedura das carnes do porco salgadas, couve de cortar, temperos e pão de trigo. 
O toque de Midas, são os cominhos!
Do outro mundo, ainda as papas laberças, feitas com couve galega e temperos, farinha de milho e por esta altura regadas com molho de vinha d'alhos e as papas gordas que se comiam pelo Entrudo, feitas na água onde se coziam as carnes e sobretudo uma chouriça dos boches que lhe dava um sabor especial. 
Delícia também era a carne da caluva, carne da cabeça e do pescoço do bicho, com feijão.
Depois do Entrudo, termo que tem origem no latim "introitu" e que significa entrada no período pascal em que se diz adeus à carne, comia-se requeijão e queijo curado de apeguilhar com o pão. Ovos fritos com salsa e cebola (omelete) e batatas albardadas com azeitonas curtidas. Lá de vez em quando bacalhau albardado e bolos de bacalhau. Na Páscoa queijo da serra com bolo de azeite.
O caldo de ovo, ainda nos lembra de vez em quando, feito sem artifícios: água, sal, um bocadinho de azeite, pão de trigo esfarelado e no fim ovos batidos.
Mas e o caldo de castanhas secas, piladas, quem ainda se lembra? Uma coisa castanha, bem doce, com as castanhas a boiar?
E as sopas de cavalo cansado?
Comiam-se no campo e consistia em deitar num alguidar pão centeio, vinho, açúcar e água fresca do poço, mexia-se e toca a comer.
E os petiscos selvagens de Outono/Inverno, senhor!!!
Tortulhos, temperados com um pitada de sal e assados na grelha bem quente. Que maravilha!
Míscaros guisados com batata aferventada à racha ou misturados com trigo ou com arroz "carolino", para mim o melhor para se trabalhar.
Bom apetite, sempre com o cuidado de só comer os que são de confiança, essa que nós aprendemos com os nossos avós, que aprenderam com os avós deles a conhecerem os "cogumelos" comestíveis.

25 comentários:

  1. Eram refeições que não faziam mal e sabiam muito bem!
    Adoro torresmos e míscaros!
    Agora... qualquer refeição "mais pesada" me faz bem mal!
    Bom sábado...bj

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Acredito que sim, mas "perdoa-se o mal que faz pelo bem que sabe".

      Bjo/bom domingo!

      Eliminar
  2. Eram tão boas e nada fazia mal naquele tempo! Hoje até uma simples torrada, já dizem fazer mal! OH, Céus!!! bjs, chica

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. É verdade! Agora nos tempos da miséria, não havia lugar a essas preocupações! A comida desenxabida é que era ministrada na doença ou quando as mulheres tinham as crianças, exemplo do caldo de ovo à semelhança da canja de galinha!
      Bj amigo.

      Eliminar
  3. Dessa vasta ementa comi redanho frito em casa dos meus avós paternos e a minha mãe cozinhava-os frequentemente.

    Tortulhos e miscaros provei-os e passei a saboreá-los, quando leccionei na serra.

    Adoro estes teus posts.

    Beijinhos.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigada.
      Eu de quando em vez ainda vou vivendo momentos de degustação tradicional e caseira, ainda no Natal a minha mãe me “presenteou” com um prato de míscaros e também fez sopa da matação, mas eu nem gosto muito do sabor dessa sopa.
      Redanho também ainda se vai provando.

      Beijinhos.

      Eliminar
  4. Muitas dessas coisa comi no final dos anos 50 quando meu pais começou a matar o seu porco. O bucho, o redanho frito, a morcela de sangue, que não tem nada a ver com a que hoje se compra por aqui As papas de milho e às vezes de carolo. Sopas de cavalo cansado nunca comi, nunca suportei nada com álcool. As gemadas quando a gente andava mais em baixo, que meu pai bebia com vinho e nós apenas a gema batida com açúcar, ou mel quando havia. Míscaros é que só quando o meu avô nos vinha visitar. Meus pais não os conheciam e tinham medo de apanhar algum venenoso.
    Saudades desse tempo.
    Um abraço e bom fim de semana

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Também eu nunca suportei nada com álcool e de açordas, gemadas e papas nunca fui fã, confesso!
      Do tempo passado só gosto de míscaros, chouriças, farinheiras, torresmos/e/redanho frito. Bucho cozido nunca comi e para arruinar a minha reputação não gosto de morcelas!
      Carne da caluva com feijão gosto, só que agora só a provo quando o Rei faz anos!
      Abraço/bom domingo.

      Eliminar
  5. Que mesa tão bem composta!
    Muito mais haverá a acrescentar a estas iguarias, mas destas e se me fosse proposto escolher, ficava numa encruzilhada...
    Tanto quanto me é dado ainda ver e recordar, havia a matriz da salgadeira, a "arca sagrada" para ser regida ao longo do ano com sabedoria, pois cada peça do porco tinha o acompanhamento condigno, tal como os enchidos mais nobres e os lombos, guardados nas talhas de azeite para ocasiões especiais.
    Acho que comi um bom bocado de tudo isto e no meu simples entendimento, duas outras matrizes complementavam esta: o campo e a adega.
    A adega tinha o elixir da juventude pois sem o nosso tinto a acompanhar, o dia-a-dia desabava.
    O campo trazia tudo o mais que faltaria.
    Feijão para acompanhar com quase tudo, desde o peixe frito do rio, até à carne da caluva, as batatas, enfim, ainda hoje predominam, escasseando vão os chícharos, abundam as favas, mas morreu o seu esparregado, como que fazendo jus ao ditado "favas me fartam...favas me matam".
    Os porcos já não morrem em casa, mas em "clínicas" e por tal a sopa da matação não tem aquele sabor genuino, o palaio que era comido por familiares e amigos na ceia da desmancha "já era"...
    Enfim, já se foi muita coisa, mas ainda há quem teimosamente continue a manter com carinho comidas do Arco da Velha.
    Na falta das filhóses de pão, as outras com belos ovos caseiros e fritas, o nosso famoso arroz doce e os únicos e genuinos bolos de azeite que agora acompanham (infelizmente) com presunto e queijo da serra de compra, tal como o requeijão.
    Felizmente tenho o privilégio de trazer de Forninhos, muitas iguarias caseiras, quer do campo, quer da salgadeira e amiude encontro o redanho para os torresmos e assim matar saudades, na companhia de umas azeitonas curtidas por quem sabe, figos secos à moda antiga que parecem terem farinha e mel de tão doces.
    Um belo mata-bicho.
    Isto abriu o apetite...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Só te escapou a marrã!
      Mas a marrã tinha um circuito muito específico: comia-se nas feiras. Era uma prato típico das feiras.
      Do que mais pena tenho nem é dos esparregados, papas e caldos, é das filhoses de pão! Emuitas regiões do país ainda hoje fazem filhoses da massa do pão e em Forninhos acabaram "há séculos"!
      Do Arco da Velha, a única coisa boa que sobra é o bolo de azeite, o caseiro, porque o do padeiro vale tanto como as morcelas do talho ou as filhoses com sabor a laranja!

      Eliminar
  6. .....
    Para mim " do Arco da Velha " : papas de milho com caldeirada
    de atum .Que saudades " Meu Deus" !!

    Abr
    Bom fim de semana
    MG

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Se calhar papas gordas podem estar para a nossa terra como as papas de milho com caldeirada de atum para a sua terra!
      Realmente, os hábitos alimentares de outros tempos não têm nada a ver com os actuais.
      Eu sequer me lembro das papas gordas e das papas laberças ou caldo de farinha, que ao que parece era um prato de alimento e muito usado no nosso meio. Tenho a certeza que nunca as comi...

      Abr/bom domingo!

      Eliminar
    2. ....
      ....
      Havia nesse Nobre Lugar (Palheiro Ferreiro),a poucos
      metros do Lombo onde eu nasci um moinho de água.
      Aí minha Mâe me mandava com milho em grão para ser moído em forma de se tornar alimento.
      Numa grande panela , a maior daquele Nobre cozinha,
      cozia longamente em lume branco , com cove cortada,
      ás vezes favas e outras pedaços de carne de porco.
      Na minha casa era raro levar carne.Favas ás vezes.
      Ao fim de longa e árdua cozedura o milho fica opacto
      denso, pesado , faz salpicos dando sinal de estar em
      bom estado de cozedura. Um trabalhão medonho.
      Impróprio para as senhoras " donas de casa " do SEC. XXI...
      Porque se não for mexido em permanência com uma enorme colher de pau agarra e cria caroço.
      Vai para os pratos . Normalmente dava para a semana
      toda. Comia-o frio. Tirava a crosta , cortava-o ás fatias , e, com a tal caldeirada ou cebolada de atum era uma delícia.
      Meu Pai ( que ontem fez 80 anos ) fugia da mesa.
      Dava-lhe vómitos de tanto milho que comeu na infância
      durante a miséria dos anos 40/50 .
      Não havia mais nada..nesse tempo para comer ..

      O Milho depois de frio é frito em quadrados e tornou-
      - se um prato tipico da minha terra . Com espetada
      em pau de louro é um outra " do Arco da Velha " !

      Óbvio que o porco e a salgadeira fazem também parte da tradição gastronómica nas minhas origens.
      Mas o milho com atum está associado á minha saudade
      á minha Mãe, ás minhas origens , e , ás minhas recordações boas do tempo em que ir á Madeira era
      para mim uma vaidade e um orgulho...
      Tudo se estragou..

      Abr
      MG

      Eliminar
    3. Bem haja pela comentário/resposta!
      Por acaso já ouvi falar desse milho frito, mas afinal é farinha de milho cozinhada!
      O segredo do sucesso de muitas terras está no inovar com aquilo que já existe ou existiu. Em Forninhos não ligam patavina ao passado e de tanto quererem inovar acabam por estragar o que de bom existia!
      Uma miséria pegada, veja se me entende!
      Boa semana e um abraço.

      Eliminar
    4. .....
      As papas de milho têm de facto essa evolução notória
      de "comida dos pobres" no período pós Guerra, a prato
      tipico madeirense . Podem ver na net videos de como
      se prepara nos melhores restaurantes da minha cidade.
      Mas ..nem tudo o que brilha é ouro ..
      Se a Paula avalia Forninhos á sua maneira , como bem
      conhece e certamente terá as suas razões, pois ,digo,
      que a RAM (Região Autonóma da Madeira) tem índices
      preocupantes de suicidios.Ou seja, no Melhor Destino
      Turistico do Mundo ,terra do Melhor Jogador do Mundo
      os seus Habitantes andam a " mal com a vida " ?!
      Caso para dizer " não existe Bela sem Senão " !!
      Estamos a falar de Regiões e números diferentes...

      Também acho que no dia em que um IP ligasse Fornos a
      Aguiar ,atravessando Forninhos ,a vossa Linda Aldeia
      perdia a sua Beleza e Originalidade.
      Haveria mais turismo , negócio , mais publicidade e
      visibilidade , em contrapartida, o Dão correria sujo
      as aves seriam mais infelizes,os tratores e os poços,
      as águas e os sinos, circulariam , corriam e tocavam
      atrofiados pelos radares e pela nuvem do progresso !
      Oxalá que, para o bem e para o mal, o IP5 se mantenha longe ...acho !!

      Abr
      MG

      Eliminar
  7. Boa tarde Paula,
    Em Forninhos havia uma enorme variedade de pratos típicos que me deixou com água na boca! Uma riqueza inestimável a vossa gastronomia que pelo que li deveria ser bem saborosa.
    Será que tem vindo a ser preservada?
    Merecia constar dos cardápios regionais.
    Um beijinho e bom domingo e semana.
    Ailime

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Nem queria falar disso, mas já que perguntou:
      Houve uma tentativa de preservar alguma comida do arco da velha, mas "foi pior a emenda que o soneto", ou seja, foi desastrosa:
      O caldo de ovo então com pão centeio ou de milho em vez de trigo e com uns quantos artifícios+feitura é de bradar aos céus!
      Dos cardápios regionais talvez só alguma coisa doce e talvez a sopa da matação em festivais de sopas, mas até esta duvido que seja a original.
      Esta sopa por lá só costumam fazê-la nesta altura do ano, altura de matações e porque as couves de cortar nesta altura é que estão boas para esta iguaria. No verão não lembro vê-la em nenhuma mesa!
      E termino tal como comecei, apresentá-la noutra altura do ano a emenda seria pior que o soneto (original).
      Beijinhos.

      Eliminar
  8. Diziam os mais antigos descrentes e realistas que estas "coisas" lembradas aqui, vinham sim, da Arca da Velha e faz porventura sentido.
    Nas arcas era guardado um pouco de todo o sustento:
    Desde o esquartejado porco na arca salgadeira repleta de sal grosso e a que por vezes se punha o queijo por de cima a curar, rijo e saboroso para os tempos das ceifas.
    Noutras arcas, os cereais colhidos em altura própria para consumo caseiro ou esperando um negociante que a bom preço, tais viesse ensacar,sendo que até os potes de azeite eram ali guardados por anos seguidos sob a proteção dessas madeiras de castanho ou carvalho.
    A Velha tinha os seus conhecimentos e superstições e por tal venerava o Arco do Divino, pois estariam de outro modo a fugir aos venerados códigos da Igreja.
    Assim e destas arcas, saíam as mais condignas iguarias para as alturas em que tal aprouvesse, pois os tempos pediam poupança e havia que ter comedimentos na gestão da casa e aguentar o dia-a-dia.
    Se o tempo dava boas nabiças, comiam entre outras coisas, papas laberças enfarinhadas, se as ovelhas davam bom leite para o queijo, nada melhor que o soro da coalhada migado com pão de milho, se a vaca paria, uma guloseima, os crostes, aquele primeiro leite forte e amarelo, com umas pitadas de açucar depois de fervido.
    Tudo o que estivesse fora das arcas, havia que aproveitar e estas apenas se abriam para o essencial.
    Engraçado (sem graça alguma...) era quando vinha a peixeira e se tiravam as sortes para dividir a sardinha grande, pois um quarteirão para uma casa se governar, era obra e metade para cada fedelho, ainda por cima com batatas abundantes, havia que apeguilhar.
    Volta não volta e por altura de regar os lameiros do milho, no rio Dão ou Cabreira, sempre vinham uns barbos e enguias que sempre deram boas fritadas, mas o mais comum eram sem dúvida as sopas de toda a maneira e feitio; quem podia, metia um pouco de conduto no acompanhamento, o resto, um pouco de unto oferecido por esmola por altura das matações, mais umas couves e nabos...o que se pudesse.
    Eram, sim, coisas do arco da velha pelos tempos em que nem as arcas podiam acudir a tantas dificuldades de gentes famintas
    A vida continuava o seu curso quase desigual, má para uns e menos má para outros, sendo que nos dias de feira os vendedores de queijo iam vender o produto e se deliciavam com a bela marrã, aos domingos nas tavernas e por entre uma jogatana de cartas, ao fim da tarde lá aparecia uma punheta de bacalhau, salgado que nem um raio, com cebola e bem regado com azeite, acompanhado por uns quartos de trigo e era...um manjar!
    Coisas da Velha...tradição!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. É impossível aqui falar de tudo, mas alguma comida que referes, passavam pelas tabernas, pelo reservado das tabernas diga-se!, como a punheta de bacalhau, peixes do rio fritos, muitas vezes, petiscavam passarinhos fritos e até chouriças frescas arrematadas no fim da missa a favor do Santíssimo!
      Das guloseimas há também uma imensa variedade, crostes comidos com açúcar, papas doces de ralão, filhoses de pão e os bolecos ou bolegos, sequilhas e os de farinha de milho.
      Havia um prato que eu gostava muito, que era feito com batata cozida da refeição anterior partida aos quadradinhos, salteada e depois ovo batido por cima. Era um pitéu! Nunca mais comi.
      Também lembro comer massa cotovelinhos com pedaços de chouriça dos boches (bofes). Este prato também deve ser típico da nossa terra. É bom.

      Eliminar
  9. Comidas diferentes e que dão vontade de provar, Paula! De cá fiquei imaginando os seus sabores...
    Um abração neste domingo... Boa semana...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Algumas delas, hoje só imaginando o sabor mesmo! São comidas do arco-da-velha...
      Beijo e cont. de boa semana.

      Eliminar
  10. Nunca comi, mas tem bom aspeto!

    Isabel Sá
    Brilhos da Moda

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Dantes aquela tira da gordura, o redanho, não tinha tão bom aspecto, mas acho que era melhor do que o de hoje- e se calhar era mesmo!

      Eliminar
  11. Como sou um grande apreciador de cogumelos para mim ia míscaros guisados com batata aferventada à racha ou misturados com trigo ou com arroz "carolino".
    Um abraço e boa semana.
    Andarilhar || Dedais de Francisco e Idalisa || Livros-Autografados

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Boa escolha ;-)
      Antes era considerado comer dos pobres, hoje é visto como um produto gourmet e o preço por kilo pode chegar aos 25/30 euros.
      Abraço.

      Eliminar

Não guardes só para ti a tua opinião. Partilha-a com todos.