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domingo, 5 de junho de 2016

Deitar o burro

"Em Junho, foice em punho"

Não sei porquê, não consigo passar nenhum mês de Junho sem me vir à lembrança que as ceifas se faziam em Junho, mês de muito calor. Já muita gente escreveu sobre o tema, incluindo eu própria, mas entendo que as particularidades de cada terra fazem a diferença, mesmo quando se escreve sobre a mesma coisa e eu há dias lembrei-me que para além das cantigas populares que o povo trabalhador cantava, havia em Forninhos a brincadeira do deitar o burroIsto é, havia um momento em que os ceifeiros quase chegavam ao fim dos regos que tinham começado, enquanto que outros ainda vinham a meio, então lá vinha a brincadeira:
-Ai que me corto! - Dizia um/uma.
- Aonde? - Alguém respondia.
- Na mão direita!
- Quem te cura?
- Maria Dura.
- Quem te ama?
- Maria Ana.
- Quem leva o burro?
- É fulano... (aqui mencionava-se o ceifeiro/a que ia mais atrasado e todos os ceifeiros imitavam o burro em voz alta: leva...leva...leva...).
E continuavam...
- Ai que me corto!
- Aonde?
- Na mão do calo.
- Quem leva o cavalo.
- F... 
E ainda:
- Ai que me corto!
- Aonde?
- Na mão q' arrenta.
- Quem leva a tormenta.
F...


(Informante: M.ª Augusta Guerra da Fonseca)

26 comentários:

  1. Que bom recordar desses momentos e tradições de então! Legal! beijos, chica

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    1. Sem dúvida! Contributos como estes e outros, que este blog faz chegar a todos os seus leitores, a meu ver, assumem um papel importante na preservação de um património, imaterial, que nos diferencia!
      Bjs/boa semana.

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  2. Superinteressante o que nos contou aqui, Paula. Gosto dessas expressões com muito sentido, significado.
    Uma semana muito boa p vc... Beijinhos e carinho...

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    1. Expressões mais ou menos perdidas no tempo, como tantas tradições nas nossas aldeias, Anete!
      Beijinhos/boa semana.

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  3. Do pouco que ainda recordo e do que ainda vou ouvindo contar, as ceifas e depois as vindimas traziam uma alegria salutar e desprendida.
    Mais as ceifas, porventura pelo tempo mais acalorado em que por vezes a sede era mitigada pelo refresco de agua, acucar e aguardente. Uma tradicao antiga para aqueles ranchos de gente que se ajudavam uns aos outros, um dia para ti outro vem para mim, tudo pago pela amizade que burilava cada gota de suor.
    Por entre cantigas brejeiras, vinha o Deitar o Burro. Na caçoada, ou seja por mera ironia, mas para quem andava por ali na ceifa, o rancho de ajuda, amigos e familiares. Os de fora nao rachavam lenha, nem para aqui chamados, pois exaustos andavam aqueles que por vaidade e orgulho, mais margens da sementeira ceifavam e indo uns metros adiante, paravam e erguiam as suas seitoiras pelo punho, bem ao alto, deitando o burro para todos os atrasados, como o caso do tio Armando Coelho que era useiro e vezeiro neste dito e aproveitava para descansar.
    Claro que era uma parodia muito particular, mas que acompanhou e ajudou por consolo e animo, muitos dos famosos ratinhos da beira e da nossa terra, pelas searas do Alentejo.
    E tantas cantigas houve pelas nossas searas e pregões foram botados de modo tao feliz...

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    1. Pois, em Forninhos a ceifa não era executada por ranchos de trabalhadores contratados, os nossos ranchos eram formados por amigos e familiares. Era um trabalho muito forçado, mas que os nossos avós, habituados a trabalhar no campo, faziam com grande divertimento, a cantarolar ou a imitar o burro: leva...leva...leva...

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  4. Notável !!

    Desconhecia . Parabéns por mais este " hino " de cultura
    forninhense .

    Abr
    MG

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    1. António, se ninguém registar estes tipos de expressões pertencentes à tradição oral, hoje bem distantes e desconhecidos dos mais jovens, 'bye-bye'.
      Abr./Paula.

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    2. Paula Albuquerque ;

      Ja tinha saudades de estar num Pavilhão Desportivo na minha terra ...
      Fui ver no Sabado, o Maritimo Canicense, para a Taça da Madeira , meias finais , em futsal.Público jovem .
      Pavilhão cheio. Nas minhas costas duas miúdas com 12/ 13 anos .
      Fiquei em choque com a linguagem de alhos e bugalhos,
      curtos e longos de uma geração, mais vitima que culpada , de um " estado de sitio " em que tudo isto se transformou. Num teste de Matemática ( 8 ano ) hoje , em Lisboa, até aviões de papel fizeram com o teste...
      Não creio haver dúvidas que estão a morrer as boas tradições do nosso povo ..( morte lenta e sofrida ).
      Mas a geração de sessenta ( a minha !! ) não pode daí lavar as mãos.Cada qual deve olhar para si e perceber
      se fez tudo para " a grandeza " e " dignidade" da raça !!??
      Quisemos só " pôr a culpa "no outro e correr sózinhos
      para o abismo !?

      Abr
      MG

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  5. Uma espécie de lenga-lenga que desconhecia por completo. É apenas dessa região ou será que existia por outros pontos do país?
    Um abraço

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    1. Não sei. Sei apenas que na nossa terra era muito usual esta brincadeira e é essa a razão porque fiz este post.
      Um abraço tb.

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  6. Desconhecia esta lenga- lenga.

    Penso que todas as regiões tinham "brincadeiras" que infelizmente se perderam no tempo.

    Beijinhos.

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    1. Sim, brincadeiras como esta, por exemplo, perderam-se no tempo porque as pessoas começaram a utilizar meios mecânicos para executar tarefas que antes só à custa de trabalho braçal podiam ser concretizadas.

      Beijinhos.

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  7. Boa noite Paula,
    Ainda bem que voltou a falar deste tema que me era completamente desconhecido.
    Sempre admirei as pessoas do campo que conseguiam transmitir tanta alegria com os seus cantares durante os seus trabalhos tão duros. Era o tónico que os ajudava a seguir em frente e o trabalho até se tornava mais leve ( deduzo eu). O meu avô materno segundo me contou ainda andou nas ceifas no Alentejo.
    Obrigada por ter partilhado também a lengalenga que achei muito engraçada.
    Beijinhos e continuação de boa semana. Ailime

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    1. Boa noite Ailime. A a minha avó paterna também ainda andou nas ceifas no Alentejo.
      Beijinhos.

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  8. Lembro-me, em pequeno, no terreno em frente do Sr. António Melo, que julgo ser dele, onde tinha uma égua, penso que se chamava Julieta, a ceifa. Grupo de pessoas em linha, seitoira nas mãos e garrafão de vinho, de beiços em beiços a matar a sede de quem tanto labutava. Por falar de beiços, anda cá uma malhadeira debaixo dos beiços, não sei não, tivesse eu barracão para ela e, já era, não esqueço a minha alegria de a ver na Laje dos Cordeiros e da Barroca, a espiar a rede separadora das praganas a ver se encontrava os cornichos. Belos tempos.

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    1. Boa noite Henrique, deste terreno tenho as minhas melhores memorias . Anos a fio andou de renda para a minha avo e depois para os meus pais, coisa quase secular e simbolica pela familia dos Varelas. Vindo da escola, tinha em cima da mesa o escrito da minha mae, a mesm qie contou a lenga lenga a dizer que tinha de ir apanhar o feifao e grao de bico. Pelos muros virados para acasa dos meus primos, um emoldurado de cahos, Jae e Moscatel. Ao fundo, do outro lado, uma pequena vinha em que de permeio se cultivava batata e a bravo de Esmolfe, alem de oliveiras. Mas...
      Lembro como hoje, tempo seco na ceifa na Estrecada, aquela que os meus tinham por arrendamento, embora por conveniencia e nao por necessidade. Alias, havia que cumprir as palavras dos antepassados por honra.
      Alias, foi o Sr. doutor varela que me salvou e por tal um valor sentimental infinito.
      O terreno era de cultivo de sequeiro e porventura repetindo o sentir, surge na retina a imagem das nossas gentes, os amigos, entre familiares e amigos, sendo que nisto poucos se distingiuam... adiante.
      Melhor, voltando atras, a tia Julia, sempre vermelha a cantar ao despique, o tio Ze Cavaca que Cantava de peito,
      e aqueles amigos todos que deitavam o burro.
      Por mim e apenas, carregava um cantaro e barro, fresco daquele refresco.
      Mais tarde e no fim da ceifa e na bucha merecida, gozavam com quem havia calhado em sortes, o Burro.
      Na sombra da oliveira...

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  9. Esqueci-me de comentar, deitar o burro, desconhecia. Obrigado
    por mais um conhecimento, continuem.

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    1. Porque o nosso lema é continuar… vamos continuar a escrever sobre Forninhos;-)

      Um abraço forninhense.

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  10. O burro é um bom brinquedo, mas por aqui, em junho, segundo consta, temos a brincadeira de colocar o rabo no burro, uma espécie de cabra-cega (com vendas nos olhos dos participantes) com um burro de cartolina na parede onde os competidores tem que acertar a colocação do rabo no burro para ganharem na brincadeira. Um abraço, Yayá.

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    1. Olá Yayá.
      O burro é um animal que ainda hoje associam a muitas brincadeiras. No mês de Março, Maio e nos meses das ceifas (Junho e Julho)...
      Outra brincadeira ligada ao burro, era quando aparecia um asno (planta) no meio do centeio e alguém a cortava, logo ouvia o seguinte "insulto":
      - Olha um burro (ou burra) agarrado/a ao asno!
      Abr./Paula.

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  11. Não conhecia a expressão!
    As nossas gentes carregam memórias que nos enternecem!
    Bj amigo

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    1. É bonito ouvir delas as histórias de vida vivida.

      Bj/bom domingo.

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  12. Nota que nada tem a ver com a temática deste post ..

    Um forninhense influente dos anos 60 escrevia uma especie de carta de recomendação para os jovens militares apresentarem em Viseu, aos graduados, antes de partirem para o Ultramar .
    Haveria funções e especialidades , como as transmissões, que dada a sua especificidade envolvia um cuidado na preparação dos homens . A " pide" e o Estado , então , procuravam nas aldeias informações e detalhes sobre quem eram e a que familias pertenciam esses futuros militares enviados para terras africanas....

    Soube disto num convivio de beirões , ontem...
    Curiosidades..de que vocês já falaram aqui !!

    Abr
    MG

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    1. Muito interessante o que o António nos conta!
      Queria pedir-lhe um favor, será que não me podia enviar, por email, mais detalhes? Eu adoro a nossa história e como refere um forninhense, tinha muito interesse em saber o nome!
      Abraço.

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  13. .......
    Paula , farei isso com todo o gosto.
    No próximo fim de semana volto a ter festa de familia com muitos beirões , verdadeiras bibliotecas de informação , e vou confirmar mais detalhes .
    Trata-se da geração de 40 .A quem a guerra do Ultramar marcou
    profundamente .

    Abr
    MG

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