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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

O cardo

Nos últimos anos e por esta altura, tem sido recorrente nos canais televisivos o aproveitamento de feiras que promovem o queijo em terras das Beiras. Trazem para gáudio dos que dançam ao som da música pimba, vedetas imberbes que se extasiam no proclamar 'liguem o 760...". 
E por onde fica o valor material do cardo, a alma do tesouro, o coração das queijeiras de mãos frias para o leite bem coalhar, benditas entre as mulheres por terem o dom...?


Prefiro pessoalmente voltar no tempo e transcrever um pouco das résteas arrebitadas por gentes vividas, pelo que vai essencialmente  o meu escrito para os forninhenses que aqui gostam de vir ler e que agradecem aquando nos encontramos com eles por entre abraços.
Pergunto se ainda lembram o cheiro do cardo e ao menos a sua forma?
Agora vê-se pouco, pelo que os mais novos soltam a indiferença num ombrear; desconhecem ser a sua flor a responsável pela coagulação do leite que dá origem ao famoso queijo da serra; os menos novos, o que interessa isso? Mas as avós recordam "... a gente plantava mais junto das oliveiras ou terrinha sombria, depois aquilo deitava umas cabeças tipo alcachofra. Quando abria, tipo espiga, a gente, as garotas, com uma tesoura íamos cortar aquelas pontas que as nossas mães deitavam ao sol para secar e depois esfarelavam por entre os dedos, estava pronta ...". "Qualquer tonadinha dava para coalhar o leite, na devida proporção deste".
Mas antes...
- O cardo tinha de passar pelo cepo! 
Desconhecia que era tipo almofariz, pois nele se esmagava o cardo com um instrumento tipo martelo e bocados de sal, digo, pingos deste...
O cardo, coitado, depois ainda iria passar pela boca do pote de lata com paninhos limpos para depois coalhar o raio do queijo. Era mais ou menos uma hora, mexido com uma cana em redol do lume, mas também era conforme.
Sendo apenas de uma ordenha, a coisa não metia medo, mas havendo leite da primeira e depois da última, a coisa tinha de ser orientada, pois o mais antigo tinha de ser embornado para coalhar melhor, em água morna e não ficar retalhado.
Enquanto o cardo esperava...

27 comentários:

  1. Que interessante isso! Gostei de ver essa flor e saber mais do que acontecia em Forninhos que, sem dúvidas, deve mesmo ser bem diferente do que hoje acontece nas festas promovidas! Valeu! abração,chica

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  2. Pois, Chica. Interessante de facto, mas ruralidades que se afundam no esquecimento por inercia de quem devia preservar aquilo, e respeitar no seu modo, o orgulho de um povo que por tal se vai perdendo nas brumas com a sua identidade...
    Abraco.

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    1. Acrescento um pormenor...
      Eram louvados e invejados os melhores cardeiros.
      Bom gado, bom pasto e bom cardo, na feira, os fregueses escoavam o queijo todo!

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  3. Oi Xico... Um assunto totalmente diferente para mim, quero dizer, novidade mesmo! São costumes que não conhecia.
    Bonita foto.
    Abração

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    1. Anete amiga, eu proprio havia quase esquecido este sublime valor do cardo, caro e valioso, pois porque nao, se dali e das suas virtudes vinha no final o melhor queijo do mundo...
      Por aqui falamos no processo do linho, anos atras, mas o cardo, vejam a sua historia e a fortuna de o termos ainda!
      Nao quero ouvir dizer que noutros tempos houve isto e aquilo.
      Pretendo mais uma brincadeira antiga que engasgue as gargantas da miudagem ao tentarem soletrar as linhas escritas a giz no tempo dos avos...

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  4. Sabia que se usava o cardo para coalhar o leite com que se fazia o queijo.
    Não conhecia a planta que tem uma flor bonita.

    Obrigada pela partilha.

    Beijinhos.

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    1. Poderia o Senhor seu pai, ilustre poeta, escrevinhar sobre o assunto. Seria e por tal juro, uma honra enorme...
      Tocou a que eu fosse o eleito (apenas somos dois...), por tal nos amanhamos. E rabisquei estas letras que a meu modo, simples, tentei guardar, no odor, cor e de modo maculo, emprenhar o leite e nascer o queijo.
      Uma viagem, a do cardo!

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  5. Boas, voltei mas ainda com algumas dificuldades.
    No meu computador, isto treme a valer, parece aquelas televisões de antigamente a válvulas.
    O cardo, minha mãe foi queijeira e daquelas que chegou a receber prémio, pelo melhor queijo apresentado nas festas municipais e, lembro-me que guardava esse preciso coelhador(não sei se assim se pode chamar) do leite num pano branquinho arejado no chamado guarda-comidas. Hoje já temos produtos químicos que o substituem. Claro, tinha uma ou duas plantas nos seus terrenos.
    Deixo aqui uma ressalva, existe uma planta muito semelhante, mais pequena mas que nada tem a ver com o cardo, floresce em Maio/Junho, a Alcachofra que os namorados testam o amor do parceiro pelos santos populares.

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    1. De modo particular, fico feliz por estares de volta.
      Mais ainda por sermos poucos aqueles que tentam preservar os sentimentos e vivencias dos nossos. Os mais velhos, tais como a tua e minha mae, aonde vou por telefone buscar quando quero algo ditar, aquelas maneiras de falar de gentes que mal sabiam ler...
      Aqui falo do cardo, podia falar de carros de bois, de vacas ou ovelhas, mas entendi que era um assunto importante.
      Numa merenda ou piqueta, o queijo era uma obrigacao.
      Ate numa adega com os amigos a provar o vinho novo, mal feito fora...
      Recordo a tua mae e tantas outras que tinham mais pendurados no varandal, os panos dos coedeiros do que as ceroulas dos maridos...
      Mas era assim mesmo.
      E o guarda comidas?
      A masseira, porventura...

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    2. Forninhos não esqueceu
      O Cortejo, o Cortejo, à Aguiar da Beira
      E por isso apresenta, e por isso apresenta
      O modelo de queijeiraaaa

      Junto às nossas ofertas
      Trazemos da nossa terra
      Dinheiro em bandeirinhas
      Nos cestos queijos da serra

      Forninhos não esqueceu e também nós não devemos esquecer que a tia Aida e outras queijeiras, participaram no Cortejo realizado na década de 50 do século passado a apoiar o Hospital da Misericórdia. Nesse Cortejo, a população local de Forninhos, executou ao vivo o fabrico do queijo da serra e cantou uma canção que até hoje ficou na memória. O seu refrão rezava assim:

      O meu distrito é a Guarda
      O meu concelho é a Aguiar
      A minha terra é Forninhos
      A minha pátria é Portugal

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    3. Este é um pedacinho da canção entoada e um exemplo bem representativo daquilo que as gentes de Forninhos eram capazes de fazer, agora é o que se vê. Também se já não fazemos queijo, para quê futuramente representar o fabrico do queijo?
      Continuo na minha: o cardo, o coelhador (se a palavra existe) +a francela, o acincho, etc... a existirem, só em momentos "folclóricos"!

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  6. Flôr do Cardo

    Dói-me ser a FLôR do CARDO
    Não ter a mão de ninguém
    Tenho a estranha natureza
    De florir com a tristeza
    E com ela me dar bem...

    Dói-me o Tejo , dói-me a Lua
    Dói-me a luz dessa aguarela
    Tudo o que foi criação
    Se transforma em solidão
    Vista da minha janela..

    O tempo não me diz nada
    Jã nada em mim se consome
    Não sou principio nem fim
    Jã nada chama por mim
    Até me dói o meu nome....

    Dói-me ser a FLÔR do CARDO
    Não ter a mão de ninguém
    Hei-de ser CRAVO ENCARNADO
    Que vive em pé separado
    E acaba nas mãos de alguém !


    João Monge
    Aldina Duarte

    Abraço
    MG

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    1. Bem haja Antonio.
      Ainda me lembro de ver cardeiros e piteiras, junto da casa de pessoas que lhe foram proximas.
      "Vestir" uma indumentaria na personalidade de um povo, tem muito, acredite, que se lhe diga...verdade e rigor!
      Na credibilidade de quem nos conta como era por por tal terem passado. Gentes que esfarelavam a flor seca do cardo, por entre os dedos, os mesmos que mudavam os coeiros dos netos e tantas guerras do dia a dia.
      Era uma porra!
      Mas o cardo a todos cativava. Belo pelo colorido, sem queixumes aquando esmagado, saboroso quando comido no turbilhao da massa d manteiga a que chamam queijo.
      Permita que lhe diga. Um Fidalgo!

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  7. Desconhecia totalmente como era (ainda é?) coalhado o leite. A primeira vez que comi queijo já era grandinha, em casa não havia dinheiro para isso. O pão era barrado com banha de porco, e salpicado de açúcar e pronto. Bom um dia meus anos maternos, vieram passar o Natal connosco, e entre outros mimos, trouxeram queijo. Meus irmãos adoraram eu não gostei, e não gosto até hoje.Mas esse cardo conheço muito bem. Havia muitos na Seca.
    Um abraço e obrigada por estas partilhas.

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    1. O Obrigado vai para si pelo modo tao transparente como se manifesta.
      Eu fui criado felizmente numa casa de lavradores, nada abastada, convenha, mas bem orientada, ao ponto de qualquer dos quatro irmaos poder ir estudar, a muito custo.
      Pessoalmente, no primeiro ano, desisti e fugi do seminario e por tal, guardei meia duzia de ovelhas por castigo. Curiosamente gostei!
      E aqueles barulhos de mascerar o cardo com sal, a francela a escorrer o soro, o proprio cheiro do quarto do queijo, hoje transformado em quarto de dormir, tenho saudades.
      Era pegado na cozinha, bem me lembro das ratoeiras estendidas no chao...
      Mas vindima ou malhada sem um bom queijo, era vergonha.
      Um abraco muito sentido para si.

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  8. Em Forninhos agora vê-se poucas flores do cardo, talvez porque já não há queijeiras!
    Desconhecia que era plantado em terras sombrias, pensava que queria sol e era seco à sombra!
    Mas a flor até é bonita e tem espinhos como as rosas, mas a mim diz-me pouco porque não gosto de queijo e então não ligava patavina ao cardo; também quando alguém dizia que o queijo sabia a cardo, entendia que tinha um sabor "estranho".
    Hoje, é como já dito acima, os canais televisivos promovem o queijo "Serra da Estrela" em terras das Beiras, mas tenho para mim que a maior parte das queijarias (ditas artesanais e certificadas) recorrem a químicos e não aos métodos naturais!
    Onde fica o cardo?
    Respondo: Nessas feiras fica bem na fotografia.

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    1. Tanto tem Forninhos para ser conhecido...
      Muito antes das queijeiras, existia o cardo, tal como antes das ovelhas, o pastor para qualquer tipo de gado.
      Quase por mero acaso aqui trago este elemento da nossa natureza, da nossa terra serrana, menos conhecida porventura tal ele nao existisse.
      Haveria queijo?
      Mesmo quem dele nao gosta, convenhamos...sabia tao bem aqueles momentos em que o leite escorria pelo bico da francela, a avo apertava o acincho para o formatar, os cestos para o requeijao do soro espremido...
      Coisas que a gente nao sabe. Tipo foram cardos, foram prosas.
      No mediatismo de hoje, municipios e televisoes, tudo se vai transformando num fast food. Proibiram as leis internacionais, o viver de tradicoes e tais manter.
      Da idade da pedra, chegamos a idade moderna.
      Um dia destes volta a perguntar. Onde fica o cardo?

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    2. Nós se quisermos ver esta flor ao natural temos que esperar mais uns meses...lá para Julho/Agosto.
      Vê-se sempre muitos cardos na estrada do Prado (em Agosto); em Forninhos é que...
      Foram cardos, foram prosas. Uma letra maravilhosa!

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  9. Boa noite Xico,
    Quanto ao primeiro parágrafo, não posso estar mais de acordo. Mete dó. Não sou capaz de ver tais programas. Fico-me por aqui.
    Sobre o coalho de cardo já tenho ouvido falar, mas como lá na minha aldeia, que eu saiba não era usado, adorei saber como se processa.
    Hábitos que se vão perdendo e é uma pena.
    Aprendi mais uma coisa. Cardo e alcachofra são plantas diferentes e que na minha ideia era a mesma coisa. Enfim, nem parece que nasci no campo;))!!
    (O coalho que utilizavam na minha terra era um produto de origem animal (carneiro) que depois de seco era utilizado para o mesmo fim. Não sei se ainda hoje se processa desta forma, mas duvido).
    Beijinhos para si e Paula.
    Ailime

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  10. Pena que ainda agora as coisas parecam distantes no tempo, amiga Ailime.
    Apenas e de modo nao inocuo, tais deveriam estar presentes. E pouco resta...enfim, aquelas gentes sabem mostrar rostos vermelhos e olhos lacrimejados, no sufoco das mensagens para aqueles que lhe sao queridos. Tal prende ...
    Mas e imaginemos que um dia, esta garotada de agora pergunta, vendo repetida a festa deslumbrante de anos antes...
    Era mesmo assim como a aqui descrevem, Paula, Ailime e Xico?
    Pensamos, se tal coisa fosse sem sentido, nao valeria a pena.
    Vimos por acreditar e acima de tudo, aprender uns com os outros
    A gente tem coisas tao bonitas, simples. Valiosas e que menosprezamos sem qualquer razoabilidade.
    A minha amiga diz de modo simples.
    "...Aprendi mais uma coisa. Cardo e alcachofra são plantas diferentes e que na minha ideia era a mesma coisa. Enfim, nem parece que nasci no campo;)...".
    Bem haja, Ailime.

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    1. A Ailime fala dum outro método natural. Além do cardo, existia, ou existe, esse outro método, que consistia no aproveitamento de uma parte do estômago dos borregos/ou/cabritos quando eram abatidos durante a idade da amamentação; depois de seco, cortava-se aos bocadinhos, e punha-se no leite.

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    2. Boa noite Paula, era uma espécie de bolsa pequenina que depois de seca eram-lhe retirados uns pedacinhos que se esfarelavam no leite para o coalhar. Vi muitas vezes a minha avó fazer esta operação;)), ela que fazia um queijo de cabra que comíamos fresco guardando tb alguns que depois de secos numa tábua ao sol no peitoril duma pequena janela, eram depois introduzidos num pote de barro com azeite e daí a algum tempo tínhamos um "chèvre" muito mais saboroso que o famoso queijo francês. Ainda um dia escrevo as memórias dos meus treze anos vividos na aldeia;)).
      Bjs a ambos e obrigada pela vossa atenção.
      Ailime

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    3. Há uns anos, li sobre as tradições do fabrico do queijo e quanto à coagulação fiquei a saber desse método (também natural), depois disso perguntei a familiares e soube o que já disse.
      Quanto a um dia escrever sobre os treze anos vividos na sua aldeia: GOSTO DISSO. Todos os dias assistimos à perda de testemunhos de outros tempos, por isso...
      Abraço Grande.

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  11. Para se escrever com seriedade, ha que procurar.
    A Ailime "puxou" pelo interesse da pesquisa e vim a saber que em Forninhos houve familias com rebanho que recorriam a este metodo por nao disporem de cardeiros.
    Estes restos do interior do borrego ou cabrito, eram processados como descreve, aquando estes eram chamados ainda "de leite".
    Mas como cada terra tem seu uso, por aqui era apenas usado em caso de necessidade pois diziam que sabia a "coalheira"...
    Era mais amargo.
    Ha pouco tempo comprei um queijo da Beira Baixa. Coalheira, cabra e ovelha, eu que sou da zona do da Serra, divino.
    O produto nem me interessa, sabe bem.
    beijinho, Ailime.

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  12. Obrigada por dar a conhecer algo que desconhecia...bj

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  13. Uma excelente introdução quanto à vacuidade dos programas televisivos que perdem a oportunidade de falar , em cada região, do que interessa, abusando da música pimba, quando deveriam mostrar verdadeiramente a cultura de cada local que visitam.
    Já tinha ouvido falar da importância do cardo no fabrico artesanal do queijo, mas desconhecia de que forma. Fiquei agora a saber um pouco mais.
    xx

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  14. Bom, já vi que vou ter de passar por aqui mais vezes. Gosto de conhecer tradições. Claro que conheço o que é um cardo. Vejo-os "por aí". Mas desconhecia o papel da flor no coelhar do leite - confesso.

    Recordei minha mãe a dizer: "Olha um cardo! Há que tempos não via disto!" - o que quase sempre é uma referencia aos seus tempos de criança no campo. Mas também ela provavelmente não sabe ou se esquece de partilhar a razão porque se entusiasmou a ver aquela flor. Eu entusiasmo-me com quase todas, rsss. Mas não fui criada no campo. 100% cidade.

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