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sábado, 8 de julho de 2023

Mil abóboras no telhado

Agora que chegamos aos mil posts sinto que "é a altura de tirar as abóboras do campo e pô-las com a barriga ao léu...em cima do telhado", como fez Aquilino Ribeiro, in "Abóboras no Telhado" (1955).
Com uma dedicatória impressa a Jaime Cortesão que assim começa: "Dê-me licença, querido amigo, que lhe ofereça esta carrada de abóboras. Dou o que tenho. Faça de conta que lhe ofereço...o quê? os pomos de oiro das Hespérides...".


Com o Subtítulo "Polémica e Crítica" Aquilino analisa peripécias da carreira, ajusta contas com quem lhe plagiou textos, com quem escreveu isto ou aquilo por ter lido bem, por ter lido mal as suas obras ou até sem as ler! 
As abóboras eram, portanto, de espécie metafórica.
Faz balanços com humor e com lucidez. Escrever...Para quê? Para quem? Escrever para quê numa terra que lê apenas as contas que traça o merceeiro?
A princípio os editores sentenciavam:
- "O senhor não tem público" (p. 28)
- "Os livros de Aquilino não se vendem" (p. 41)
No entanto o seu primeiro romance/novela, "Via Sinuosa" (1918), vendeu duas edições em poucos meses, fenómeno que o escritor atenua: "Nesse tempo imperava o gosto da leitura. O futebol não esvaziara os cascos do honesto cidadão nem tão-pouco as suas algibeiras" (pp 45-46). 
Mais adiante avança esta afirmação provocatória: "Dentro de vinte anos não há mais literatura em Portugal. Não digo que não continuem a aparecer livros interessantes, mesmo superiores, mas de génese esporádica, mais ou menos eventual, como outrora os Lusíadas e as Peregrinações (p. 293). 
Depois explica: "Hoje tudo é febril, tumultuário, dinâmico e muscular. Nas belas-letras tudo é remanso, pausa, meditação" (p. 296). 
E conclui: "A leitura que supõe umas horas de ócio, e sobretudo concentração de consciência, não tem atmosfera propícia. A rádio, a gazeta, o cinema satisfazem as restantes e normais necessidades de bestunto" (p. 297). 
Passaram mais de sessenta anos após a publicação de "Abóboras no Telhado" (polémica e crítica) e o diagnóstico de Aquilino continua válido, as cabeças esvaziam-se cada vez mais e surgiram outros modos de vida, outros modos de leitura, pelo que acrescentámos à sua lista, a TV e o Facebook.

Fontes: 

19 comentários:

  1. Que legal isso e meus parabéns pelos já 1000 posts por aqui! Que venham muitos e muitos mais! beijos, chica

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    1. Obrigada Chica pelos parabéns e comentários que me deixa!
      Beijos

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  2. "... cabeças esvaziam-se cada vez mais e surgiram outros modos de vida, outros modos de leitura."
    Muitas informações às cabeças vazias...
    Um texto profundo de crítica ao esvaziamento das boas obras e de bons e cônscios leitores.
    Não perco tempo com face, uso muito pouco só para divulgar trabalhos, prefiro ler.
    Tenha um final de semana abençoado, querida amiga Paula!
    Beijinhos

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    1. Esta carrada de abóboras que Aquilino oferece“(...) com rebordos canelados de delicada joalharia, mais preciosa do que a fantasia esculpe a taça do rei de Tule. (...)” é super interessante e encaixa aqui muitíssimo bem.
      O face, que dizer? É muito imediatista, é muita exposição e como espaço de comunicação é oco.
      Pessoalmente gosto mais da partilha num blog e é aqui que quero continuar a escrever.
      Beijinhos, bom domingo!

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    2. Parabéns pelos 1000 posts, querida!
      Beijinhos e um domingo abençoado!
      👏👏👏🙏🕊️💐😘

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    3. Obrigadinha!
      Beijinhos😘😘

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  3. Uma obra ,aquilo que me sui dizer por este todo tempo decorrido!
    Adorei as analogias do "nosso" mestre Aquilino, afinal tão perto de nós e quem diria que um dia, lutando por causas parecidas, iriamos encontrar nas afrontas, raivas e ódios, tantas "cabaças" ocas mas mordazes.
    Razão tinha o Mestre, navegavam sem saber ler nem escrever, ao que lhes era ditado pelo rol da mercearia (ainda hoje).
    Uns anos atrás, alguém teve a ousadia, melhor, coragem de esventrar as abóboras e as colocar aos poucos de barrigas ao léu em cima de velhos telhados.
    Mexeu com os passantes, aqui podia ter a ousadia de lhes dizer que os escritos do Mestre, são em grande parte, infelizmente, o rosto da nossa cara, pela falsa dignidade de sermos um povo que nunca teve respeito por quem ao longo dos anos, tão longe o levou.
    Abóboras!


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    1. Na verdade, uns anos atrás alguém me disse: "não vais ter matéria, a moda agora é o Facebook, já andam lá pessoas da nossa terra".
      Só sei que da planta, na tenra adolescência, brotaram já mil abóboras de cor inconfundível.
      Só no 1.º ano atingimos quase 15 mil visualizações!!
      Olhando para a foto, por cima destes telhados, lembro gentes e vem um turbilhão de sentimentos. De quem eram, foram e de quem são...
      Isto, para mim, é o mais importante. Para mim, um POVO só é digno desse nome, quando não renega o passado, que o preserva, que o estuda e o faz recordar e mesmo comover.
      Tirei esta foto duma janela da casa da minha tia Júlia, estava de chuva. Estava a tia Júlia, eu e a Cila.

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  4. Parabéns pelos 1000 poster. Desejo muito sucesso por aqui. Bom vim no seu cantinho. Bjs querida. Bom final de semana. NalPontes

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    1. Obrigada, é muito simpática!
      Atingimos mil (1000) publicações e por isso estamos muito satisfeitos.
      Bjs e bom domingo.

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  5. Muitos parabéns pelas 1000 publicação. O meu aplauso e elogio
    .
    Votos de um domingo feliz
    .
    Pensamentos e devaneios poéticos
    .

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    1. Obrigadinha!
      São este tipo de coisas que espalham no ar os aromas que dão sabor à vida.
      Bom domingo por aí...

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  6. Boa tarde

    Lindo . Na minha terra era assim.
    Abóboras.
    Aos " montes " .
    Havia um cantinho na nossa ( !!! )
    " fazenda " que era só abóboras .
    Elas ficavam ao sol , alinhadas..
    Tive uma avó que me ensinou isso
    tudo . Maria " Flôr " esposa de João
    de Gouveia que emigrou em plena
    II Guerra Mundial para Curaçao .
    Graças a eles a vida teve outro caminho ...a fartura .


    Belo post .
    Não me canso de enaltecer .
    Parabéns .

    Bom Domingo

    Abraço

    Antônio Miguel Gouveia

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    1. Lindo! Lindo! O nome Maria "Flôr".
      Essas abóboras que ficavam ao sol, alinhadas, não são de compra e não são as do livro do Aquilino, são mesmo abóboras que saíram "de uma flor tão grande e tão linda".
      Obrigada Miguel Gouveia.
      Este post também é saudade. Saudade daquela tarde outonal, com as belas abóboras e telhados de telha canudo, bica, vã, lusa, portuguesa, vermelha ou de marselha...
      Bom domingo
      Abraço

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  7. Boa tarde Paula,
    Que belo artigo!
    Aquilino era um escritor e pensador muito à frente!
    Só acrescento à lista e, se me permite, os telemóveis, que são impingidos às crianças desde bebés!
    Beijinhos e continuação de bom domingo e uma excelente semana.
    Ailime

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    1. Esqueci-me de vos dar os meus Parabéns pelos vossos 1000 Posts! É obra e de muita qualidade.
      Cominuem assim por muitos e bons anos,.
      Beijinhos,
      Ailime

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    2. Aquilino era um premonitor!
      Parabéns também pelo que opinou. A Ailime acrescentou à lista um "monstro"!
      Que continuemos por aqui a falar dos usos, costumes, nosso linguajar, etc..., no fundo, a preservar a nossa cultura para que não continue a desvanecer. As mudanças foram enormes - para o bem e para o mal e só daqui por uns anos se verá em que proporção…
      Beijinhos, tudo de bom.

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