De seitouras em punho, bem firmes, aos poucos e compassados, o rancho abria caminho pela seara imensa. Havia que aproveitar o fresco da madrugada...
Iam ao raiar do sol, digamos que de madrugada pois a partir das dez, ninguém aguentaria, nem o gado, a não ser eles nas ceifas habituados; o estômago vinha tratado a preceito com o melhor que a casa tinha ao dispôr, desde a adega, e arca salgadeira, acompanhado pelo pão de ceveira (metade milho, metade centeio, mas ruim de estender...).
E a coisa lá ia indo com o calor a apertar mesmo tão cedo sendo, mas aquelas gargantas soltavam cantigas tão belas em desgarrada, que nem o suor apagava as notas.
Logo iriam aparecer os canastros recheados para a "piqueta", carregados na rodilha sobre a cabeça pela serra acima com o melhor queijo e presunto, sardinha frita, sei lá, tanta coisa acompanhada por sêmeas da tia Esperança (era o pão feito do farelo fininho do trigo que por norma era o da terceira peneira) e depois tudo girava com afoito, pois estas gentes vinham por amizade retribuir os favores de uns e outros.
O momento mais aguardado, além do descanso, era o almoço como se dizia e aqui entram as migas de alho obrigatórias!
Há quem diga que as migas são a parente pobre da açorda, depende da sua riqueza!
O preparo, é basicamente idêntico, partindo da base que é o refogado, a cebola, alho e azeite, mas onde reside o segredo?
No genuíno pão de centeio caseiro...o mesmo que para tal anda este rancho na ceifa.
Partiam o pão centeio duro para um alguidar e ficava com água a amolecer.
Ia o bacalhau a cozer, água da cozedura guardada e este depois desfiado, ia parar ao tacho no refogado com muito alho e o pão pouco aguado e salpicado com salsa.
Quem queria/podia, deitava por cima ovos batidos e deixava ferver um bocadinho, quando não, só a gema, sempre a mexer e deixar pategar (ferver) um bocadinho.
Na falta do bacalhau para quem tal não podia, misturavam o feijão verde cozido da horta e tudo sabia bem...
Tudo servia para o almoço e mais tarde e por costume, para a merenda eram acrescentados os chicharros chícharos cozidos.
Belos tempos estes...
Mais um relato /recordação.
ResponderEliminarAs únicas migas que não gosto são as de alho.Prefiro migas a açorda.
Gostei de ler a palavra chicharro...subiu de posto e agora é carapau!!!
Adoro cozinha tradicional.
Beijinhos.
Boa noite, Elisa amiga.
EliminarBem haja pela vinda, sendo que este "carapau" nunca viu o mar...mas terras quentes, nao fora um pequeno feijão tão popular...
Compreendo que induzi em erro e por tal desculpe.
Beijo.
Não leves a mal, mas escreveste mal a palavra.
EliminarO chicharro é o caparau.
O feijão miúdo muito parecido com o feijão frade chama-se chícharo.
Um "R" (a + ou a -) faz toda a diferença ;-)
Pecador me confesso pela ortografia:
EliminarMas um bom chicharro frito e acompanhado por uma bela saladinha fria de chicharo e temperada com cebola, azeite e vinagre...
Acho que estou perdoado!
Tão bom recordar coisas assim,sadias, fizeram parte da cultura do lugar e da família, por certo! beijos,chica
ResponderEliminarTem razão, Chica, fizeram parte de...
EliminarMas e mais que um "recordar", a gente aqui luta para que a semente não se perca, que haja um dia em que "aqui" sintam que são fruto de gente de fibra que cumpriu o seu papel na terra, o restos, são estes pequenos pormenores que ilustram essa passagem...
Beijo.
Por aqui também se faziam!
ResponderEliminarAo ler o texto descritivo repleto de memórias...recordei meus pais e avós!!!
Bj
Meros apontamentos minha amiga.
EliminarUns dizem que a memória atrapalha a partir de certa idade...tolos.
Nessa fase, é um cabo dos trabalhos pela obrigação da partilha o mais verdadeira possível; pouco custa.
Quantas vezes um simples prato nos traz um filme de família?
Como cheirava, a calma com que era feito com o que havia, o cheiro da lareira e as cores da cozinha...
Também recordo os meus que partiram por entre estas iguarias.
Beijinho.
Boa tarde.
ResponderEliminarMigas de alho era a comida que a minha mãe me fazia sempre que eu não gostava da refeição,sempre com o ovo misturado ainda hoje adoro esse sabor.
Quanto aos chícharos só com um R eram comidos com miolos de broa e bacalhau assado.
O chicharro esse é um carapau mas dos grandes.
Gosto muito do vosso blog recordar usos costumes e tradições do nosso mundo rural dá-me um prazer imenso.
UM ABRAÇO
Vejo que meti água demais nas migas, carreguei naquela letra de um "raio", sem ser o propósito...
EliminarAgora mais a sério, entendo eu que a riqueza do nosso portefólio cultural, assenta em pormenores díspares, tal como este, pinceladas de sacrifícios e alegrias, histórias e estórias que nos afamaram por guerreiros da Ibéria, duros que nem um carvalho...
Possivelmente muito devemos a este sistema nutricionista agora na idade moderna, mas quão antigo.
Bem haja por vir e aceite um abraço.
Belas lembranças de comidas e convívios sadios... Relato interessante e importante.
ResponderEliminarAbçs
Prometo, Anete:
EliminarSe para o ano voltar a Portugal, vai comer esta delícia.
Eu faço!
Beijos.
"Tudo servia para o almoço" dizes bem, pois as migas eram comidas ao almoço (lá para as 8h da manhã), pois dantes o jantar é que significava almoço.
ResponderEliminarMas por acaso não fazia ideia que as migas de alho de pão centeio levassem bacalhau! Pensava que o acompanhamento eram umas simples azeitonas e quem podia então deitava-lhes uns ovos batidos.Só!
Sei agora que tanto podiam ser simples, como de bacalhau ou de vagem de feijão, as chamadas "baijinhas" (feijão-verde).
Mas sabes que se faziam outras com pão-trigo e repolho das malhas? Estas eram mais tipo acorda. Eram uma tachada que "faxavor"...
O bom e compensador de por aqui andarmos, é aos poucos irmos descobrindo coisas novas "de antigas".
EliminarTal como aqui no teu comentário, ajustas nesse tempo de meio século atrás e com precisão, o ritual das refeições ou mastigas, em conformidade com a labuta que era feita.
O relógio era a barriga, o sol acalorado era quem ditava o descanso.
Esse descanso "devia" ser aprimorado por quem trazia a seus mandos boas e substanciais comidas de forma a aguentarem com satisfação a faina e por tal as comidas variavam, conforme "as sortes".
Mas permite que te diga, correndo o risco de estar enganado:
Não era nas ceifas que melhor se comia?
Tal digo por nas vindimas e matanças do porco, era quase tudo familiares e amigos em exclusivo de modo menos suado.
Quanto aos modos de fazer esta iguaria, bom...
Cada casa era uma casa e seu conto era um conto.
E agora, façam "faxavor" de entrar que a porta está aberta!
Não sei...sei que nas ceifas comiam as migas, que acho chegaram a Forninhos quando os beirões se deslocavam para as ceifas no Alentejo, os chamados "ratinhos", onde alguma gente de Forninhos participou, a minha avó Coelha foi uma dessas pessoas.
EliminarCreio que trouxeram a receita do Alentejo.
Pessoalmente e após alguma pesquisa, chego à conclusão de que as migas "nasceram" mais cedo que as açordas, pois tal como as caldeiradas de peixe, foram com os tempos sendo mais elaboradas, condimentadas por opiniões de gentes de fora que iam acrescentando o que traziam de sabedora culinária das suas terras e na volta tais acolhiam.
EliminarPoucos pratos haverá que sejam tão fáceis de adaptar no interior das beiras por haver os produtos genuínos e a vivência de tempos de fome ou pelo menos necessidade.
Quem diria que hoje servem de referência para Chef's Michelin!
Essas coisas que ficam na nossa memória afetiva, são tão boas de recordar, lendo a gente sente o prazer do Xico em suas recordações, eu também sou assim, uma saudosista das coisas boas dos tempos de criança e juventude.
ResponderEliminarBeijos
Triste de quem não tem recordações...
EliminarHaverá porventura passado meio século lembrar numa saudade bonita a benção do avô antes da deita, oouvir estórias ao borralho?
Feliz me sinto por tais sortilégios!
Beijinho.
Nunca comi migas. Açorda sim que há a fiz várias vezes.
ResponderEliminarUm abraço
Estas "minhas", são especiais (sem redundância..), traziam com elas o melhor tempero do mundo: a solidariedade ancestral destas gentes quem em conjunto tantas searas percorreram e porventura trouxeram de terras do Alentejo.
EliminarAfinal,mais um simples marco que define a nossa história...
Abraço.
Conheço as migas alentejanas de que gosto muito.
ResponderEliminarHoje fiz dessas, mas com espargos selvagens colhidos no meio de velhos olivais.
EliminarDelícia!
Beijo.
Boa noite Xico,
ResponderEliminarAté fiquei com água na boca. Essas migas devem ter origem alentejana e depois adaptadas.
Na minha aldeia, em que apenas o Tejo a separa do Alentejo, também eram feitas migas semelhantes mas com pão de milho e a que se acrescentava o resto da sopa de feijão que já não dava para todos. Hoje existe uma réplica como comida regional. Uma delícia também. Tempos esses! Eu que o diga.
Beijinhos,
Ailime
Boa tarde, minha amiga.
EliminarAquando por aqui apareço, tento (dependendo do estado de espírito), trazer um pequeno sopro do respeito que os nossos Velhos merecem, o testemunho das suas narrativas na primeira pessoa, antes que tudo se perca e fique algures abandonado num mísero vão de escada.
"Estas" migas, poderão ter vindo de algures e entao?
Adaptadas às contingências locais, nada melhor e ainda bem que tais se tornarem parte da mesa beirã, de boa boca!
Pessoalmente tenho orgulho enorme em ser português e por entre tantas coisas, a singularidade da nossa cozinha, que o mundo inveja.
Por tal:
FAXAVOR!