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quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Matação do Porco de Ceva II

Rara era a família que não tivesse o seu porco de ceva. Por este tempo, tudo servia para engordar o bacorinho: as batatas miúdas, feijões, os chícharos que não se comiam, centeio e milho, viandas bem enfarinhadas. Altas horas da noite, já o animal dormia o primeiro sono, ainda a dona o media a palmo, até mandar-lhe meter a faca.
Faço minhas as palavras de Miguel Torga: «Impressionou-me sempre na vida aldeã este cerimonial doméstico, que acaba por deixar um morto de pernas para o ar, pendurado na trave da casa. Na manjedoira vai nascer o Salvador; à lareira vai-se juntar a família;  e à entrada da porta simbólica renovação do Ano Novo, o espantalho do cadáver que há-de alimentar o futuro!».
Torga (1974)



O sangue do animal é acanado num alguidar, onde se deitou pedacinhos de trigo ou sêmea para ensopar o sangue, que se vai mexendo com a mão ou com uma colher de pau. Em diversas zonas do país o sangue é recolhido num alguidar, onde se deita vinagre (para não coalhar). 
Depois de morto o porco é chamuscado com faixas de palha de centeio, limpo e pendurado, de cabeça para baixo, pelo chambaril. Nessa posição esbucha-se, ou seja, é aberto pela barriga, sendo-lhe retiradas em primeiro lugar as tripas, de seguida as miudezas, com que se fazem os mais variados petiscos. As tripas depois de limpas, servem para fazer as tradicionais morcelas de Forninhos e outros tradicionais enchidos.


É às mulheres que cabe, a meu ver, a mais inglória das tarefas da matação: apartar e lavar as tripas. Num tabuleiro comprido retiram a tira de gordura, o redanho. No ribeiro, com água corrente abundante, lavam-se as tripas com sabão. Lembro-me tão bem...quando a minha mãe me deixava, lá estava eu a ver lavar as tripas. Em casa, depois de talhadas, levam um preparado especial de aguardente, vinagre e limão. Será que é aqui que está o segredo do bom paladar do nosso enchido?

21 comentários:

  1. Muita boa noite, ora cá está uma tradição que quase já desapareceu, que muito gosto de participar, a matança do porco é quase sinónimo de reunião da familia, é um~uso quase igual a nivel nacional, o matar e o preparar é semelhante em quase todas as terras, depois o resto é já difere de cada terra, por exemplo na minha terra não se aproveita o redanho, mas as tripas depois de muito bem lavadas são cozidas para depois ainda quentes serem comidas, que belo petisco, mas sabe mesmo muito bem chegar junto do0 animal quando ainde se encontra pendurado e tirar um pouco e assar na brasa, é mesmo um manjar dos deuses, ainde se travavam algumas guerras para dispotar algumas partes do animal.
    Bom apetite.

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  2. Paula,

    Lá no interior do Brasil, onde meus avós tinham fazenda, era assim também.
    Eles engoradavam o porquinho o ano inteiro pra matar perto do Natal. Era uma festa nesse dia..eu amava esse movimento. E já iam limpando e fritando torresmo..uma delícia.
    Foi lindo recordar tudo isso, lendo e vendo essa imagem.
    Beijos

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  3. Muito bom dia.
    A matação, até poderá ser encarado por algumas pessoas como um acto bárbaro, mas não é, isto foi um ritual que fez parte da vida de gerações, este dia seria talvez o mais agitado do ano, logo manhã cedinho, começava com o mata bicho, uns figos secos, possivelmente a ultima chouriça do ano anterior e um golo de aguardente e… vamos a ele.
    Preparava-se o banco, em alguns casos o carro de bois servia, corda e uma faicha de palha de centeio para o chamuscar, e daí a nada, logo se via o cevado a ser arrastado para fora do cortelho para cumprir o destino que lhe fora marcado e para o qual a sua dona o tratou durante um ano.
    E o curioso é que as suas tratadoras, que normalmente têm pena dos animais que tratam e alimentam com tanto esmero, não a sintam nestes casos, antes pelo contrario, sentiam vaidade, tanta quanto maior e mais gordo era o seu cevado, que iria encher a sua salgadeira e o fumeiro.
    Hoje por aqui ainda se mata, mas muito pouco, e já não é nada do que era, principalmente no tempo que levava a criar e cevar o porco com alimentos naturais.
    Outros tempos, outros modos de vida.

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  4. No conjunto das tarefas do nosso calendário rural a matação simbolizava um acontecimento de grande relevância, pode-se até afirmar que o dia da matação era um dia de festa, juntava-se a família, amigos e vizinhos. Mas não só: o dia da matação era um dia de fartura, motivo para comer umas filhós, requeijão, chouriça frita…que bom que era o dia a “romper”…
    Assisti a inúmeras matações, mas nunca consegui presenciar o momento de matar o bácoro. Afastava-me sempre para não ver e não ouvir os guinchos, mas os nossos antepassados, mesmo com poucos meios, sabiam o que faziam.
    É uma pena que esta tradição esteja condenada ao desaparecimento e assim se perdem os tradicionais enchidos, o bom presunto e os mais variados petiscos que são verdadeiras iguarias, por exemplo, o redanho frito e os torresmos feitos na caldeira de ferro.
    De facto, as pessoas eram a alma desta terra!

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  5. A matação para mim tinha coisas boas, outras nem tanto.
    No dia anterior da matação começava-se a preparar algumas coisas, como deixar o trigo já partido aos bocadinhos para as morcelas, deixava-se as carnes salgadas de molho, para no dia seguinte serem cozidas com batatas.
    O dia da matação começava cedo logo com uma grande agitação, era um dia de festa a família e os amigos, começavam a juntarem-se para o mata-bicho, para depois matarem o porco, quem o matava era o meu avô Cavaca, depois de ele falecer era o tio Joaquim Chispas que tinha esse dever, matar o porco era coisa que eu não gostava de ver, nem de ouvir o bácoro a grunhir, mas é mesmo assim, os porcos são criados para isso.
    Ao meio da manhã, faziam o petisco para os homens que era o rim do porco, as mulheres depois de apartarem as tripas, iam ao ribeiro lava-las em água corrente e eu ia ver.
    Ao almoço fazia-se um arroz com frango, a tal carne que ficava de molho cozida com batatas, e a tradicional sopa da matação de que eu não gostava.
    À noite comiam os restos, o buxo cozido e fazia-se a prova das morcelas, que as mulheres já as tinham enchido durante a tarde, eu não gosto de morcelas mas gostava de ver as mulheres a enche-las, eu gostavam muito era do buxo cozido.
    O melhor para mim era a desmancha do porco, aquelas febras e as queixadas assadas nas brasas da lareira, isso sim era uma delícia.

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  6. Devo voltar a dizer que, no geral, nunca gostei muito do dia e cheiros da matação, também não era fã do almoço da matação e, por exemplo, não gosto do buxo cozido. São gostos. Agora para arrasar a minha reputação, não gosto de morcelas e nunca gostei de assistir ao seu enchimento.
    Adoro o petisco que o meu pai preparava enquanto as mulheres lavavam as tripas no ribeiro. Utilizavam um pano no lavadouro para a tripa não se rasgar e, às vezes, um pau para virar as tripas finas (pau de virar tripas) para, assim, permitir a lavagem no interior. A água estava sempre muito fria e o cheiro não era nada agradável, mas em criança gostava de ver lavar as tripas.
    Ainda bem que vêm parar às minhas mãos fotografias de tempos que já lá vão… para não deixar que as memórias se vão.

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  7. Notamos já nestes últimos comentários uma mudança dos usos alimentares, eu, como sou da “velha guarda” garanto-vos que não há melhor petisco de que as morcelas de Forninhos.
    Tenho consultado alguns livros de memórias da região e de alguns cozinheiros conhecidos, que mencionam as morcelas como especialidade regional, mas nunca vi escrito nas receitas, que a sangria era apanhada para o pão migado, (pão cortado em pedacinhos) talvez seja este o segredo, juntamente com o equilíbrio dos temperos que só as mulheres de Forninhos sabem.
    Quanto á sopa da matação, já começa a fazer parte das sopas de festivais de sopas; embora seja sempre boa, não se compara á que as mulheres de Forninhos fazem nesta altura.
    Mas, gostos são gosto, e nem todos gostam do mesmo, ainda bem que assim é, mas, M. Jorge e aluap, num dia de coragem experimentem aquela sopa bem picante como ela é, e só nesta altura do ano, vão ficar a gostar, garanto-vos.

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  8. Esta sopa da matação que é uma sopa obrigatória nesta altura do ano tem um sabor inigualável, não há mesmo sopa da matação como a nossa e hoje gosto de comer um pratinho dela (só de falar nela, já lhe sinto o gosto, já lhe sinto o cheiro).
    Pelas recordações da feitura das morcelas, sendo a base deste enchido o sangue do porco, pela cor, não consigo gostar da morcela, mas sei que são 5 *****. Matação não é matação sem elas.
    Claro que há mais iguarias derivadas do porco de ceva que são 5 *****, mas vamos falando delas um pouco de cada vez que é para "fazer render o peixe", embora o dia de matação não seja dia de comer peixe.

    Boa Noite*

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  9. Boa noite.
    Cá está, uma boa ideia, para esta altura do ano.
    Parabéns.
    É com apreço que hoje vivo a matança do porco, ainda hoje,na nossa terra se procede a esse feito e não só, em muitas terras de Portugal se continua a fazer a matança do porco.
    Tenho visitado terras de Norte a Sul e todos tem este habito, a matança do porco, matança esta, que para todos nós, deve dizer comida para a nossa mesa; visto que este dia, para as famílias, se torna um dia " festivo", quero dizer, além se ser uma necessidade se torna uma obrigação; comer para a mesa desse família; que noutros tempos, como todos nós sabemos, esta carne bem aconchegada na salgadeira teria de dar para um ano inteiro.

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  10. Muito se pode dizer deste dia e vésperas, as pessoas logo pela tarde, começavam a tratar dos seus afazeres, como já foi dito, a tratar do pão para as morcelas, o migar da cebola para as chouriças do bofes, ( maravilhosas ), o migar das couves para no dia seguinte se fazer a sopa da matança, bem condimentada com os Cominhos.
    Hoje em dia, já pouco se vêem estas grandes matanças, que reuniam quase toda a família e alguns amigos, pelo que sinto hoje, mata-se o porco, com uma rapidez que as pessoas nem conta dão.
    Mas, ficam estas memórias que a história nunca apaga.
    Bom FDS

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  11. Obrigada serip.
    Ao entrarmos neste último mês de 2011 achei bem avivar de novo as memórias das matações (e não matanças), de um tempo em que todas as tarefas deste dia cheio de trabalho, mas também cheio de alegria e alguma festa, se desenvolviam com calma, como num ritual. Houve de lá para cá grandes modificações no modo de vida e hoje as últimas matações são naturalmente já muito diferentes, na correria do dia a dia falta sintonia.
    Não querendo deixar-te sem resposta, é meu dever informar que na nossa terra não se diz que se miga a cebola e as couves da sopa da matação. Pica-se a cebola e partem-se as couves aos bocados. O nosso linguajar é também uma das coisas que queremos “avivar” e devemos preservar.
    A matação do porco de ceva foi algo que começou a desaparecer e praticamente desapareceram também já muitos utensílios usados na matação, inicialmente o alguidar para acanar o sangue era de cobre, esmalte ou alumínio, hoje o plástico domina, por exemplo.

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  12. Boa noite,
    visto os comentàrios que têm feito,vejo que é muito identica a matação da minha região,o minho.
    Pelo que vi na primeira foto,o porco é morto em cima de um banco,que na minha terra era sempre em cima de um carro de bois como tambem referiu o ed Santos.
    Quanto aos petiscos nesse dia,quero aqui falar de um que é os bolos de sangue,escalda-se a farinha de milho em água a ferver, junta-se-lhe a pouco e pouco, a farinha de trigo e o sangue, amassando sempre,tempera-se a massa com pouco sal, canela e cominhos,fazem se umas bolinhas , no interior mete se um pedaço pequeno de gordura de porco.
    Cozem-se num tacho com uma cebola descascada e alho,ficam uma delicia.
    Bom fim de semana.

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  13. Boa noite.
    Pelo que pude ver, Matança do porco ou Matação, como se diz em Forninhos, esse será um pequeno pormenor de região em região.
    Mas tudo bem, aceitável, falamos da nossa terrinha.
    O picar da cebola, nas vésperas da matação, e em grandes quantidades, pois estas vão servir para várias coisas, entre elas a minha maravilhosa chouriça dos boches ( ou bofes).

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  14. Cristina, pelo que sei a matação do porco, na região do Minho pouco difere da minha terra.
    Ao dizeres que os animais eram mortos em cima de um carro de bois, pois o mesmo se passava na minha terra, bem me lembro se assistir á matação dos porcos de ceva; eram retirados do curral e depois á força de braços era deitado em cima do carro de bois, sendo a parte do focinha amarrada à parte central desse carro ( tem nome, mas não me lembro )
    Hoje em dia, e com o desaparecimento dos carros de bois,as pessoas tendem em arranjar algo que os venha substituir , os bancos ou mesas.
    Esses bolos de que se fala, na minha terra penso, não ser de grande uso, para posso informar, que nesta terra onde vivo, esse bolo, tal como diz, é o principal.
    Mas, continuo a gostar mais das nossas morcelas, huhuhubh.

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  15. Diz-se, “cada terra com seu uso…”, para além dos bolos de sangue, há em diversas zonas o costume de comer o sangue cozido, ainda quente, com açúcar.
    Cá na nossa terra todo o sangue é para as morcelas, que quase todos apreciam.Para além das ditas, também havia o palaio, comia-se, acho, no dia da desmancha. Esta tradição parece que já não se cumpre.
    Sobre o carro de bois onde se amarrava o focinho do bácaro ao touço editamos no dia 03 de Janeiro de 2011 uma matação feita no pátio da família Guerrilha, para quem não viu está no lado direito da página na etiqueta “tradições em extinção” e é só clicar.

    Um abraço tradicional

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  16. Mesmo dentro da própria região, varia de terra para terra o modo de fazer morcelas, em algumas nem sequer se fazem, ou são feitas de modo diferente e até lhe chamam de moiras ou chouriça de sangue. Cada terra tem seu uso, como a Paula.
    No Minho também há as suas tradições como nos diz Cristina, e que não as deixam perder, uma delas são as famosas papas de sarrabulho, que também são feitas com o sangue de porco.

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  17. Oi Paula
    Aí está mais um acontecimento igual aos daqui do meu cantinho.
    Ainda se criam porcos por aqui, no fundo do quintal, engorda-se com milho, abóboras, e "lavagens"(restos do almoço, do jantar, das cascas etc) ...depois de bem cevado , chega o dia de matar, sem dúvida muito trabalho, lavar as tripas na grande bica do monjolo, fazer linguiças, ou o chouriço com o sangue ...tudo muito bom...e as carnes bem temperadas, são cozidas e apuradas...depois guardadas em latas na própria gordura que se obteve depois de fritar os toucinhos...ah! como é bom estas carnes!
    Sem dúvida é um dia de muito trabalho, mas de grande recompensa...vale a pena!
    bjs
    Tina (MEU CANTINHO NA ROÇA)

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  18. Hoje no nosso concelho fazem-se mais porcos no espeto do que matações e é pena, porque um povo que não preserva a sua memória, perde identidade própria.
    Que vivam as tradições e que a nossa memória não as deixe esquecer.

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  19. Como não gosto de morcelas, vou falar das chouriças de carne, chouriças de boches e das outras carnes da desmancha do porco.
    Depois do porco desmanchado, as carnes eram divididas, umas para a salgadeira, a carne da barriga era para fazer os torresmos, o lombo e as costelas eram para fritar, posta em panelas de barro com a banha da fritura, para se ir comendo durante o ano, a carne para as chouriças era temperada num alguidar, onde ficava vários dias naquele tempero, todos os dias era mexida para ficar toda bem temperada, antes de se encher as chouriças fazia-se a prova da carne, era frita numa sertã posta numas trempes na lareira, se a carne estivesse bem curtida fazia-se as chouriças.
    As chouriças dos boches, eram feitas com os bofes do porco, mais algumas carnes e coiratos, onde ficava tudo em vinha-d’alhos durante alguns dias, e pelo que sei ainda eram alguns dias, para depois ser tudo cortado aos bocadinhos e juntava-se bastante cebola picada, a cebola para as chouriças dos boches, não era picada no dia antes da matação como diz o Serip, se fosse assim quando fossem encher as chouriças a cebola estava toda estragada.

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  20. Huuuummmm que boas que são as nossas chouriças. Eu ainda me vou consolando com as da minha mãe.
    E as farinheiras? Que boas que são também! São completamente diferentes daquelas de produção industrial que compramos nos talhos ou nos super mercados.
    As mulheres de Forninhos fazem produtos de muito boa qualidade e que nos diferenciam de outras regiões do país, só que como não são divulgados apenas são conhecidos por nós.
    Tive muito gosto em publicar a matação do tio Luís Moreira e da tia Antoninha, pois reparei que para além dos seus familiares, nomeadamente o seu filho Luís, para ajudar está lá, pelo menos, o tio Zé Coelho, o Manuel “do rancho”, o Jorge Pina.
    As fotos antigas das matações espelham bem que noutros tempos este acontecimento doméstico envolvia sempre familiares, amigos e vizinhos, porque os habitantes desta terra sempre foram muito unidos, só que as “politiquices baratas” destruíram a convivência sã que sempre existiu na vida das gentes forninhenses. No entanto, vamos continuar a dar a conhecer a nossa terra, as nossas tradições, mostrar a pureza do nosso povo e desejar fortemente que nunca se esqueçam das suas raízes.
    Obrigada Luísa por este belo contributo para o nosso baú das tradições em extinção.

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  21. Luís Albuquerque e não Luís Moreira

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