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domingo, 27 de janeiro de 2019

Forninhos no Séc. XIX

Já sabem que a freguesia é composta por duas povoações: Forninhos e Valagotes e que a povoação mais habitada da freguesia, que é Forninhos, divide-se em dois lugares: Lameira Lugar. Já aqui abordámos esta matéria em textos anteriores, mas somos "obrigados" a voltar a ela, na sequência do artigo de João Nunes no n.º 18 da Revista de História da Sociedade e da Cultura, em que "é possível entrever uma realidade que tem sido pouco estudada e por isso, ou talvez por isso, objecto de generalizações e simplificações que acabam por ser redutoras da realidade".
É sobre os espaços populacionais em meados do século XIX que falaremos hoje, "sendo o Lugar e a Lameira os mais densamente habitados...Lages e Outeiro eram igualmente espaços habitacionais, a despeito de serem habitados por um número inferior de habitantes quando comparados com os restantes". 

Lameira antiga


"Entre 1675 e 1864 a população duplicou (à entrada do último quartel do século XVII, contavam-se apenas 215 pessoas, sendo que em 1864 já eram 451 habitantes). 
Em inícios da década de 1860, o grosso da população ativa de Forninhos, vivia da prática agrícola: 70% dos individuos eram jornaleiros, lavradores, seareiros ou proprietários. Os restantes, cerca de 1/3 dedicavam-se a diversos ofícios profissões.
Os lavradores eram, maioritariamente, do género masculino e oriundos de famílias de lavradores.
O trabalho à jorna era exercitado, quer por homens, quer por mulheres. Também a categoria proprietários acabava por ser indistinta no que se refere ao género. José Fernandes de Figueiredo e Escolástica Moreira, que habitavam na Lameira, eram considerados proprietários.
Quanto aos ofícios alguns eram desempenhados por homens, caso dos carpinteiros, ferreiros, sapateiros ou alfaiates, sendo os ofícios ligados à fiação (fiadeiras e tecedeiras) ou à costura desempenhados exclusivamente por mulheres.
Algumas actividades eram desempenhadas indistintivamente por homens e mulheres, caso dos seareiros, moleiros e taberneiros. Por exemplo, num registo de batismo de 1862 refere-se que a Madrinha era Maria de Albuquerque, taberneira. 
Refira-se que as tabernas da localidade eram locais sombrios e pouco higiénicos. 
O maior etnógrafo e antropólogo português, Leite de Vasconcelos, que percorreu o país de uma ponta à outra, em 1896, descreve a "casa da venda" de Forninhos, como uma "escura espelunca onde ninguém veria nada". Era constituída pela venda e por uma "quintã pegada à casa, recinto descoberto correspondente exactamente aos páteos ou pátios da Extremadura" (Vasconcelos 1927: 132).

Os grupos sociais

Os grupos sociais estavam distribuídos pelos espaços habitacionais de forma particular. 
No Lugar: vivia um número considerável de jornaleiros (em treze indivíduos que habitavam este núcleo populacional, nove eram jornaleiros). 
Na Lameira:  estavam sediados, regra geral, as famílias de proprietários e lavradores (num grupo constituídos por seis pessoas que viviam no local, quatro pertenciam a estas categorias). 
Curiosamente ainda hoje é possível entrever a distribuição dos grupos sociais pela dimensão das casas tradicionais na localidade. As de maior dimensão estão sobretudo concentradas na Lameira, sendo as habitações do Lugar mais pobres.

Os proprietários estavam na cúspide da hierarquia. A forma como eram tratados, com particular deferência, espelha a importância que detinham no seio da comunidade. A utilização do epíteto "dona" estava reservada ao género feminimo desta categoria. Em inícios da década de 1860, a proprieária Escolástica Moreira era tratada desta forma (ADG, Paróquia de Forninhos, Baptismos, II-A-1.2 Cx 8, fl. 33v-34).

Os lavradores e os seareiros ocupavam os lugares intermédios da sociedade local. Pertenciam a diversas famílias, por exemplo, Marques, Almeida, Cardoso. O património que detinham era constituído por imóveis e propriedades fundiárias.

Os jornaleiros ocupavam os patamares inferiores da sociedade. Tratava-se de gente muito pobre. Sinal revelador de pobreza e marginalização social era o facto de as mães solteiras serem, por norma, jornaleiras. Dos cinco casos que foi possivel contabilizar, entre 1860 e 1862, quatro eram jornaleiras, sendo uma tecedeira. 

Uma nota muito pessoal
Aqui ficam os nossos parabéns por este maravilhoso artigo. A Publicação assume uma abordagem distinta relativamente às monografias locais, pois explana com profundidade as diferentes dimensões que marcaram a vida da freguesia: social, religiosa, cultural e etnográfica. É muito bom ler nomes de lugares, de pessoas e famílias que contribuiram decisivamente para a história de Forninhos.

16 comentários:

  1. Gostei de ler e da foto! beijos praianos,chica

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    1. É uma daquelas fotos que nos recordam que a Lameira tem, e sempre teve, um encanto especial.
      Beijos.

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  2. Uma bela e pormenorizada descrição de Forninhos e da sua vida social, gostei e aproveito para desejar um bom Domingo.

    Andarilhar
    Dedais de Francisco e Idalisa
    Livros-Autografados

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    1. Também acho que é uma bela descrição da época em que existiam estes “Sr.ºs” lavradores, jornaleiros e seareiros...e poucos proprietários, mas agora tudo se modificou com as alterações na maneira de viver.
      Um abraço e bom restinho de domingo.

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  3. Os mais antigos ainda deverão recordar o nome "Dona Escolástica". Morreu com quase 90 anos, o que quer dizer que antes da D. Olímpia, D. Prazeres/Sr.Amaral já vivera em Forninhos esta família abastada. Foi há mais de cem anos...
    Eu apenas posso dizer o seguinte: até hoje, do ponto de vista da investigação dos factos históricos (sem esquecer outras publicações), o trabalho do João Nunes, na minha opinião, é o de maior profundidade. Haverá, certamente, mais alguma coisa para vir à luz do dia, que nos permitirá reconstituir ainda melhor o nosso passado. Assim, só posso ter uma atitude: dizer-lhe que continue. Forninhos antigo merece.

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    1. Quem falava da Dona Escolástica eram as nossas avós. As nossas mães e tias só se lembram do nome.
      Na sua certidão de óbito lê-se que morreu com 89 anos, em 04/11/1902, ao tempo era viúva (o seu marido José Fernandes de Figueiredo era falecido à data) e deixou filhos. A D. Olímpia e a D. Maria José (mãe da D. Prazeres) eram da sua família, filhas ou sobrinhas??? não se sabe ao certo. O assento diz que residia em Forninhos, na Lameira, mas os pais da Dona Escolástica Moreira Mendes de Faria não eram de Forninhos. O pai: José Moreira, era do Eirado e a sua mãe: Ana de Faria, era de Alverca, Bispado da Guarda.
      (Deve ter sido sepultada no cemitério da nossa igreja).
      Quanto à sua residência, creio que a agora "Casa das Camélias" é do inicio do Séc. XX, portanto, a casa dessa família devia ser outra, mas com certeza marcava as diferenças sociais do passado.
      Os registos paroquiais, de baptismos, casamentos e óbitos, são indispensáveis para reconstituirmos a memória do nosso passado, sobretudo em termos demográficos. O João dá-nos imensas informações sobre Forninhos, no Séc. XIX.

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  4. Um texto muito interessante que conta como se vivia antigamente em Forninhos.
    Abraço e uma boa semana

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    1. Obrigada Elvira pelo comentário que eu finalizo: "em Forninhos", terra de gente honrada que, apesar das adversidades de toda a ordem, ousaram sobreviver e souberam vencer!
      Abr/cont. de boa semana.

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  5. Foi por volta de 1968 que ingressei no seminário de Gouveia e tal data aqui trago apenas para contextualizar que ao tempo, pouco ou nada havia mudado no que concerne à hierarquia das pseudas classes sociais, de um século atrás.
    Filho de pais lavradores por terem uma junta de vacas que por vezes andavam ao "ganho" e algumas terras de bom cultivo que precisavam de ajuda paga aos jornaleiros, uns a seco outros comidos e bebidos.
    ram temos difíceis para todos, quem dava e quem recebia na troca do seu trabalho abnegado para por vezes comerem mais que um caldo de unto e meia parte parte de uma sardinha da grande.
    E batemos à porta do seminário ao qual fui levado na companhia do Sr. padre Matos. Era um futuro padre a caminho.
    Jamais me esque ao preencherem a ficha, a pergunta da profissão dos meus pais. Sabia eu porventura o que responder, lavravam a terra, colhiam o vinho...
    Nem me deixaram acabar: propietários!
    Pior, assim tal ficou nos seus registos.
    Só muitos tempos depois, passado que foi mais de um século, vim a saber que para tal contavam os antecendentes familiares de gentes de algumas posses um século atrás, mesmo não sabendo sequer ler.
    Por isso este artigo me seduz e ao mesmo tempo revolta por um povo tão festivaleiro, não fazer jus aos seus e aproveitar a dignidade do pouco que temos e do muito que nos vem sido oferecido.
    Não são panaceias, são coisas nossas antigas que por simples mesura, amortalhamos no tempo para realçar coisas temporais no finito dos nossos interesses.
    Bem haja, Professor João por honrar uma terra que também lhe pertence!

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  6. Uma bela e interessante partilha e pesquisar para dar a conhecer ... é excelente
    Boa semana!

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    1. Todos devemos estar agradecidos por esse gesto.
      Bj, boa semana.

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  7. Tantos detalhes importantes e históricos!
    Uma foto muitíssimo significativa!...
    O meu abraço neste início de semana...
    Vamos adiante, Janeiro está quase terminando...

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    1. Detalhes de "um Portugal que morreu", como já dizia o nosso Aquilino na década de 20/30, do séc. XX, (referindo-se a épocas ainda um pouco mais antigas).
      Abraço.

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  8. Boa tarde Paula,
    Muito detalhados e com fatos importantes da vida de Forninhos os registos que partilha.
    Memórias vivas que ficarão para os vindouros se orgulharem da sua terra.
    A casa da foto tinha já algum conforto tendo em atenção a época.
    Beijinhos e boa semana.
    Ailime

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    1. Sim, mas a casa é do Séc. XX, pertenceu a uma prima da minha avó paterna, que emigrou para os EUA, agora pertence a um irmão meu (emigrante na Suíça). Ainda tenho um pouco de ligação a esta casa.
      Aqui até parece desabitada e abandonada. Na década de 80 não estava nada degradada, pelo contrário.
      Nos baixos ainda existiu uma barbearia.

      Nota: ver post de 28 de Março de 2014.

      Beijinhos e cont. de boa semana.

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