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sábado, 12 de janeiro de 2019

Do cagadouro à retrete


O

Situavam-se por toda a aldeia, coexistiam com os homens e periodicamente matavam a torto e a direito. Na época contemporânea, a freguesia de Forninhos foi afectada por várias epidemias, por detrás das epidemias estava o estado deplorável de salubridade.
Mas, primeiro há que explicar o que eram os cagadouros. Eram autênticas estrumeiras públicas, onde as pessoas vazavam os penicos e onde principalmente "arreavam a calça", tudo normal para a época, até a ignorância do perigo que era ter uma estrumeira/lixeira a céu aberto, com a consequente difusão de bactérias, principalmente na época de chuvas. Em 1911, num relatório dirigido à Direcção das obras públicas do Distrito da Guarda, refere-se:
"São causas de insulabridade as estrumeiras nas lojas, pateos e nas ruas. A água do único chafariz que a povoação tem, em ocasião de chuvas fortes é de fácil inquinação por as enxurradas se misturarem com ella. A água provem de duas minas e a entrada para uma d´ellas em declive até serve de latrina da vizinhança como tive ocasião de ver!! De modo que, quando chove fortemente, a enxurrada lá arrasta para dentro da mina toda a inundice e porcarias depositadas à entrada da mesma. De tanta inundice, pois, e da inquinação das águas deverão provir por certo as graves doenças que de tempos a tempos afligem a população". (artigo de João Nunes, sobre Forninhos, Revista de História da Sociedade e da Cultura, n.º 18/2018). 
Eu, confesso que não fazia ideia de que na minha terra em 1911 houvesse apenas um chafariz! Quando era pequena havia vários.
Tinha-se de passar com cuidado, de noite é que era mais complicado, então no tempo chuvoso era mesmo uma lástima; mesmo de dia podia-se levar com uma penicada em cima.  Era assim em toda a parte. Ficou célebre o rei francês que levou com os dejetos que a mulher atirara para a rua. A fim de evitar que tal voltasse a acontecer, não proibiu aquele mau hábito, apenas impôs a obrigação de gritar "Água vai!" antes de lançar as porcarias pela janela, a fim de as pessoas terem tempo de se desviarem.



Depois nos anos 70 começaram a aparecer as retretes de madeira, construídas nos pátios das casas e quintais, com um buraco para os despejos. Havia uma na casa do meu avô Cavaca, outra na casa do tio Zé Saraiva, na casa do tio Augsto Marques também me lembro haver uma e no páteo da casa da tia Rosa/Zé Pego também lá estava uma retrete. As coisas foram melhorando, mas muito lentamente, até chegarmos ao final dessa década. Forninhos teve então rede de água e embora a rede de esgotos chegasse mais tarde, algumas pessoas começaram a ter quarto-de-banho e notou-se uma gradual diminuição da utilização dos cagadouros, pelo menos já não faziam fila indiana...

14 comentários:

  1. AVISO:
    Este meu comentário no seu linguajar beirão, pode ferir os mais sensíveis, mas nada que não venha na língua de Camões,nos sonetos de Bocage e rebuscadas de ilustres comediantes da nossa praça. Se eles são perdoados, clamo a ousadia de utilizar uma mera palavra: Merda!
    Cinco letras que definem o nosso ciclo de vida, comer, saborear, alimentar e depois cuspir.
    No antigo, as necessidades fisiológicas tinham por norma ao dispôr aquilo que a natureza lhes dava "à mão de semear", um local escondido, uma quelha nas ruelas e para rematar, uma pedra havendo tal para limpar o dito cujo, pois o resto era para sacudir e andor.
    Conseguem continuar? afinal isto também faz parte do nosso património imaterial...da humanidade.
    Mas vamos ao que interessa e em primeiro lugar, os cagadouros!
    Mais fácil e discreto, era a estes "estaminés" recorrer nos arredores da aldeia, por norma junto aos ribeiros e enquanto se esperava com os braços segurando os joelhos por debaixo, se iam contando as estrelas num céu infinito, tal como a demora dos intestinos presos.
    Não vou aqui citar nomes, mas ouvi que uma senhora costumava ir para junto da fonte do Miguel e nos seus asseios sempre levava um carolo de milho para se limpar, outros nos campos, era o que estivesses à mão de semear, até uma pedra de seixo!
    Há anos, ouvi de uma senhora uma história que estando já em casa deitada, lhe "deu a vontade" e por tal veio junto a uma ribanceira para fazer o "devido" e eis que num repente e sobre os pinheirais acima, surge um clarão, pronúncio do fim do mundo. Fugiu a sete pés, deixou as cuecas e apenas gritva ao marido que íam morrer.
    Depois vieram as retretes, umas casinhas de brincar com um buraco no meio. Coisa fina, rodeada por palha, sem água, mas com uma porta que dava intimidade e dali de cima cagavam; sem outro termo!
    Eram poucas convenhamos, e de modo discreto os mais próximos a ela (retrete) recorriam, sendo o mais curioso os donos nao recusarem as solicitudes, aquilo era componente orgânico para as suas culturas, aquela merda era ouro do mais puro.
    Uma casa houve em que as crianças iam brincar no intuito de fazerem as necessidades e cujo ia dar a uma recordação memorável denominado de barragem, por numa eventual sobrecarga, inundar a casa do vizinho abaixo.
    Mas e o que mais durou, foram os penicos e ainda hoje quem tais tenha por debaixo da cama.
    "Aí, quem eu fui e quem eu era, ia mijar ao luar, agora debaixo da cama"...
    Agora e tantos anos passados, parece que tenho saudades desses tempos nauseabundos, em que se criaram famílias, mesmo assim...
    Não esqueço jamais na ribeira de Cabreira, andava à pesca e precisei de algo para o "mínimo" e me coube em sortes umas folhas picantes...jamais me lavei tanto com água fria!
    As palavras pouco ditam...ficam os sentimentos.

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    1. Por causa dessas memórias de socialização na "barragem" é que escrevi este artigo. Era lá que as crianças iam em conjunto aliviar-se com a maior naturalidade do mundo, sem vergonha da exposição. Era normal comer e descomer em conjunto! Hoje come-se em conjunto, mas descome-se em privado.
      E, estórias em volta da higiene há imensas e nomes dos apanhados com o cu ao léu “nem me lo digas”, como dizia Vasco Santana no filme “Canção de Lisboa” . E avisos de "Água vai"? Eram poucos ou nenhuns. Quantos iam para a missa com o seu fato domingueiro e zás...levaram com uma penicada ou "bacigada" de água suja.
      Foi assim ao longo de milénios, nas villas e cidades romanas é que houve excepções, os romanos eram muito preocupados com a sua saúde e bem-estar e construiram as suas redes de esgotos e de abastecimento de águas, construíram as "termas", verdadeiros locais para banhos públicos e higiene pessoal. Depois, por causa de crenças e doenças, voltou tudo ao mesmo. Acreditava-se que a perda do apetite sexual pudesse ser transmitida pelo banho. Com a peste, surgiu a teoria que o banho quente dilatava os poros e facilitava a "entrada dos vírus".
      A igreja também deu a sua contribuição para o desaparecimento do banho, que era imoral, o uso da água devia ser limitado às partes livres do corpo, como as mãos e o rosto.
      Séculos depois, após o Terramoto de Lisboa de 1755, o Marquês de Pombal já reconstruiu Lisboa seguindo as regras de higiene defendidas pelos que associavam a falta dela às constantes mortandades.
      Em Forninhos, nem o relatório dirigido à Direcção das obras públicas do Distrito da Guarda, em 1911, fez com que alguma coisa mudasse! Foi só depois do 25 de Abril que a freguesia teve rede de água; a recolha dos lixos urbanos só começou na década de 80 e aí as pessoas já eram mais cuidadosas, mas em 2006/2007 o lugar da poça da Eira ainda era uma lixeira a céu aberto! Quando a Junta limpou aquilo tudo imagino a altura da estrumeira!
      A rede de esgotos, essa, só chegou a todos no Séc. XXI.

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    2. Nada do que aqui foi escrito sobre o tema, tem a veleidade de diminuir a realidade de outrora e não tomem como afronta a pureza do linguajar, era assim!
      Há lugares no mundo em que deste e pior modo, crianças dormem na merda e poucos lhes acodem, afinal pelo cheiro ou por falta de humanismo?
      Sabia de antemão que este Post seria "chocante", não pelo sentido higiénico e histórico do mesmo, mas pela frontalidade da terminologia usada. Convenhamos, não estamos numa sala de baile num nobre salão áustriaco, nem num sofisticado carnaval de Veneza, mascarados...
      Estas necessidades fisiológicas, são intrínsecas à nossa condição humana, ou não?
      O Papa, os reis, os presidentes, os ricos e os pobres, todos cagam no mesmo frenesim, difere sim, o lugar aonde se sentam e o modo como se limpam, uns em águas quentes e outros com uma pedra à mão de semear.
      Não pense quem aqui vem, que se tentou trazer uma comédia de merda, mas sim e infelizmente para quem tal não tem o entendimento e coragem para se pronunciar, falamos da nossa realidade de outrora e de uma dictomia (um termo mais classificado) de o rico da retrete, o outro do penico e mais rasca, o olhar do luar de pernas escanchadas ao relento...
      Tantas vezes este povo se borrou pelas pernas abaixo, por desinterias, fomes e medos, mas e apesar de tudo, nunca foram um povo de merda!

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  2. Desconhecia essa prática mas a retrete em madeira... fora de casa... em 1975 quando cheguei a Portugal ... encontrei na minha ALDEIA! BJ

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    1. Sabe que quarto de banho dentro de casa (casa-de-banho como hoje é conhecido) é coisa de tempos modernos? Nem os palácios tinham quarto de banho!.
      Bj, boa semana.

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  3. Um artigo que me surpreendeu pois desconhecia estas praticas, aproveito para desejar um bom Domingo.

    Andarilhar
    Dedais de Francisco e Idalisa
    Livros-Autografados

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    1. Francisco, nem todas as pessoas tinham um quintal onde "despejar os lixos", nem todas tinham uma retrete no fundo do quintal...então havia estes lugares para as pessoas se aliviarem.
      Boa semana.

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  4. Interessante ler vocês dois,no texto e comentários...Prática usada e ainda bem nesse caso a modernidade fez bem,rs...beijos praianos,chica

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    1. Pois é "chica", o modo de vida melhorou, mesmo assim impera uma certa vergonha pelo nosso passado comum.
      Bj, boa praia.

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  5. Uau, gostei de saber do que conta aqui! Lembranças de grande valor... Há coisas do passado que nos fazem pensar e até "arrepiar"...
    Um abraço, das minhas miniférias... Obrigada pelos parabéns...

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    1. Não é um belo tema, mas achei interessante mostrar as WC duma época não muito distante.
      Bjs, felicidades.

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  6. Boa tarde Paula,
    Realmente como se vivia (?) antigamente e até pelo menos à quarenta e tal anos atrás!
    Na minha aldeia como todos tinham quintal faziam lá uma retrete onde se faziam as necessidades durante o dia e se despejavam os bacios em cada manhã.
    Quartos de banho já havia algumas casas que os tinham, raras.
    Por isso estou muito grata ao 25 de Abril, porque a partir daí muito se tem feito no País e o Saneamento básico foi, quanto a mim, das melhores medidas que foram tomadas.
    Beijinhos e continuação de boa semana.
    Ailime

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    1. Antes do 25 de Abril muitas das aldeias do país não tinham saneamento básico, água, luz ou estradas com o mínimo de qualidade;
      Antes do 25 de Abril, eram poucas as casas de família onde havia televisão, frigorífico, máquina de lavar roupa e famílias com carro próprio eram uma ínfima parte das famílias portuguesas.
      Ainda assim quando se fala do 25 de Abril nada disso tem valor, nem hoje, nem amanhã.
      Beijinhos e bom fim de semana.

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    2. Memórias curtas...Bjs e boa semana.

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