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sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

OS RETIROS

Uns partiram à busca de melhores vida por cá e lá para fora, outros ja haviam partido e mandavam cartas de chamada para as Américas; damos por nós na volta dos anos sessenta agarrados à rabiça do arado e à enxada, as armas dos que iam restando pois os braços mais rebustos iam pegar nas armas da guerra no ultramar, para defender o sonho de um louco.
Ficaram muitas mulheres (mais tarde viúvas), crianças (mais tarde orfâs), e uns quantos homens e mancebos na agonia da miséria e ansiedade pela sorte dos seus, vulneráveis a tudo o que lhes podia acudir. Queriam esperança para o dia seguinte, queriam notícias da carteira que esperavam à porta do pátio, sonhando com tudo menos o aerograma, pronúncio de morte.
A "mão divina", vem em auxílio desta gente desesperada, semeia nas sua homilias a mensagem de oração e reflexão, incentiva e fortalece associações sob a tutela do arciprestado, tal como a Juventude da Associação Católica que tantos teatros montou, pois crianças não faltavam e havia que as catequizar, mas e isto desconhecia, os homens tiveram direito à  Formação da Liga Eucarística dos Homens. O Salazar não era "burro" e pelo braço dos esbirros, entendeu que a vantagem das mulheres de nada valiam.
No meio de tantos interesses, era premente a aparição da "mão divina", os padres e o seu séquito que num instante e fruto da maldição dos pecados perdoados na confissão, mas não esquecidos, convencem esta gente nobre mas analfabeta a fazer um retiro espiritual, para acreditarem na Providência e no sentido do sacrifício.


Aqueles que foram de Forninhos, foram na maioria  durante três dias para o antigo seminário de Viseu (foto) e nem quero imaginar o modo com oali entraram e saíram, longe dos seus e hábitos diários.
Um dia na Casa do Retiro, começava ao levantar, oração, pregações e meditação, leituras, almoço, mais leituras, lanche depois do terço e outra vez a capela para a oração da noite e deitar.
Não perguntei se isto era pago ou por quem, afinal insondáveis são os mistérios do Senhor, mas no meio desta pesquisa ouvi alguns desabafos acerca das senhoras do JAC, eram o clube das solteironas e beatas.
Acerca dos homens fiquei a saber  que muitos davam catequese e que tinham uma Liga com o privilégio de uma vez por mês cantarem na missa dominical, no intitulado Dia da Liga:

"Homens alerta
À frente unidos
Com Cristo-Rei
Todos a marchar
Sejamos bravos
Lutar a vida
Nós faremos
Cristo-Rei reinar"   

Se era para aprenderem isto nos retiros, mais valia terem ficado em casa e não ficavam "agarrados".

10 comentários:

  1. Xico, até tive que rir do teu relato sobre esses retiros...Evidente que não te agradavam... Gostei da leitura,mais uma vez! abração,chica

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    1. Estes pormenores que refiro, antecedem a minha ida para um seminário e durante anos ter uma vivência diária semelhante, parecia estar na tropa militar...
      Afinal o lema do nosso estado novo salazarista: Deus, Pátria e Autoridade. Nunca gostei de ditaduras.
      Abraço, Chica.

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  2. Até percebo. Havia algumas pessoas (leia-se: alguns homens) que não iam à igreja, que não punham os pés nas missas e passavam o tempo na sueca e no chincalhão e a Igreja não gostava disso, queria os homens na missa, para cantar, para ler, dar catequese...então os párocos tentavam convencer esses "pecadores" de que tinham de salvar-se, indo aos retiros. Alguns, ao que sei, eram em Forninhos, ali mesmo ao lado, no adro da nossa igreja matriz. Segundo ouvi, dos meus pais, que também os frequentaram na década de 60, não eram muito intensos, era para meditarem, mas a pessoa vinha de lá mudada; dias depois voltava tudo ao normal.
    Em décadas anteriores, sim, alguns homens solteiros iam até Viseu: era aliciante ir uns dias para fora de Forninhos. É como hoje, porque é moda, toda a gente gosta de viajar e gosta de mostrar aos "amigos" uma foto tirada algures longe da morada. Ir para um retiro também foi moda e voltavam orgulhosos, pois faziam parte do "regime religioso".

    "Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência".

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    1. Eram outros tempos aqueles de que aqui se fala, tempos de miséria pela desertificação massiva provocada pela guerra e emigração e ironia dos tempos, numa altura em que sobejavam padres e mirravam os fiéis; dos poucos que iam restando, uns íam perdendo a crença por se sentirem amaldiçoados e por tal se entregavam ao domingo mais à devoção de Baco, padrinho do tinto e meio caminho andado para a luxúria dos poucos prazeres da vida que no único dia semanal tal lhes calhava.
      Por tal trocavam a igreja pela "capela", onde o vinho não se misturava com água, apesar de serem crentes, mas a caminho de descrentes.
      Dos outros que corriam para a missa ao sinal das últimas picadas no sino, a maior parte ia por "obrigação", pois podiam ficar mal vistos, afinal eram coisas de família o sempre aparecer na igreja e na ausência seriam motivo de falatório se não houvesse quem pegasse no pálio, na cruz ou nas lanternas e foi nestes que os padres se "agarraram", alguns livres do serviço militar por cunhas sob a forma de queijos ou cabritos e foram missionalizados de forma programada nos seus redutos campestres mas sempre sob a proteção "divina" da igreja local, quer no interior ou no exterior do adro, na solicitude de uma procura interior de fé e sua aceitação da carestia de vida.
      O sacrifício em prol do próximo e raramente a palavra partilha não ia ao encontro de nada, pois pouco era o que havia, não sendo estas "manias" beatas e jamais beatificadas, quase apetecento dizer que mais felizes eramos os pecadores que estavam na jogatilha das cartas na taberna do que estes a debitarem ladaínhas.
      "Fino" era ir para Viseu, pensar (os poucos mais pensariam nas ovelhas para ordenhar e na vaca quase a parir) que estavam a salvar o mundo (pela voz do padre).E pronto e para terminar a minha resposta, Paula, acho que foi desta altura que nasceu a "revolução industrial em forninhos".
      No populismo recente e com tantos apoios, depois dos mortos da guerra enterrados, emigrantes regressados, uns definitos outros dos seus desendentes por alturas festivas, os retiros são diferentes, toque a banda e siga a festa, amanhã uma excursão festiva que até o padre organiza e até uma autarquia, pois bom, bom é alegria.
      Agora o retiro dos solteiros tem por destino uma boa discoteca.
      Talvez por falta de padres...

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  3. Boa tarde Xico,
    Gostei do seu texto e do modo como fez o relato da espiritualidade;)) em Forninhos. Desconhecia totalmente essas práticas.
    Na minha terra apesar de haver uma Igreja com Padre residente, os católicos não eram em grande número, pois já havia a concorrência de uma Igreja Evangélica desde que me conheço.
    Obrigada pela partilha.
    Beijinhos e uma boa semana.
    Ailime

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    1. Bem-haja eu pela sua vinda aqui, Ailime.
      Em Forninhos e outrora, havia um padre residente bem posto em bela casa e "passal" (uma quintinha) com tudo do bom.
      Fiéis que nada lhes deixava faltar e que guardavam da boca os miminhos da matação do porco para lhe oferecer.
      Tal foi por altura em que nasci e fui observando em casa dos meus pais pelas visitas assíduas de um determonado prelado.
      Era o tempo do endeusar da senhora professora(ou regente) mais dignificada que um médico por tal não haver e o sr. prior. Tais não venerar era pecado, tal como na sala da escola não cantar lõas a salazar.
      Os ppulares eram levados fácilmente nas intenções e proveitos destes dirigismo, sob a forma do pecado e do inferno e de tal forma que os que foram ficando, a tal se entregaram.
      Na minha terra e aquando os arados rasgavam os lameiros com o arado para as sementeiras, o pior que lhes acontecia era encontrarem na lavra a pascoeira, uma erva daninha que medrava maligna e por vezes lhes partia a relha do arado.
      Esta maligna vinha de gerações e apenas pereceu nos campos pelo seu abandono detalcomo que agora é dona e senhora, nem sequer lhe valendo a Sra. dos Verdes.
      Compreendo em parte estes retiros espirituais no contexto da época, não pela devoção mas pelo aproveitamento da fragilidade das pessoas, agora comum em determinadas seitas, mas o que me espanta na minha terra sem qualquer concorrência de qualquer outro credo, o modo como qual inquisição, fazem a fronteira (nao de quem está com Deus está contra Ele), mas o senado da paróquia e instituições afins, tem um outro cânone, quem não está connosco está contra nós, sendo os prós brindados assiduamente com festividades faustosas.
      Um outro modo de fazer retiro...
      Beijinho.

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  4. Olá, amigo Xico...
    Gostei da narração aqui e pude refletir sobre os retiros e práticas curiosas... A Liga que cantavam tem uma letra bem interessante!... Achei bonita!!
    Um abraço p vcs, Xico e Paula... Boa semana...

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    1. Se bem que "cheirava" um pouco ao estado novo...
      A parte espiritual e embora "levada" por interesses eclesiásticos, acredito que era vivida a modo póprio por quem em tais retiros participava, no interior de cada alma.
      Abraços!

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  5. Continuo seguindo o vosso BLOG .
    750 mil visualizações ...quase.
    Forninhos de Parabéns .
    Vocês em ESPECIAL.
    Abraco
    MG

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  6. Bem-haja, amigo.
    Falar de uma pequena aldeia que conhece, a caminho de uma década e indo ao rebusco de sons, rostos, costumes, enaltecer e discordar, parecia fácil no início. Com o discordar de determinados alinhamentos, começou a debandada quase de um modo isotérico.
    Haviámos para esta página, trazido o pecado!
    Contestar e pior ainda, constatar mentiras com pruidos de verdade, passou a ser "lesa patria". Não estavam preparados os mentores da gonorreia para a acertividade e coragem de quem aqui escreve e por tal e de modo baixo, mais força nos dão com determinadas ignominias, roçando de modo fútil a malvadez.
    Antigamente, as panelas que andavam ao azeite e sendo mal lavadas para a colheita seguinte, diziam que cheiravam a ranço.
    Foi o que foi acontecendo e foram ficando mais comedidos nos seus propósitos, porventura por falta de ideias abstratas, pois outra coisa não tinham.
    Quiçá e tal Deus queira, um dia não cheguemos a um milhão, deixando para a posteridade forninhense um propósito modesto das nossas origens?
    Uma página pela qual tanta gente passou e contribui, tal como o António na sua corgem de uma história de vivências agri-doces...
    Um abraço amigo e desculpe o desabafo, porventura outros virão, pois ainda nao estamos preparados para o fim!

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