Da mesa da cozinha de minha mãe, repetiu-se o ritual da preparação da "piqueta".
Ela tem a paixão de, nos seus 84 anos, continuar a cultivar a sua horta no sítio do "porto", que de mimos lhe dá tudo o que necessita. Quando as forças ainda invejáveis não respondem, paga a alguém.
Tem orgulho na sua terra e verão ou inverno para lá acode. Anda encantada...
Estava eu em Forninhos por altura da Páscoa, quando me disse que ia "semear" as batatas no porto, se queria ir ajudar, tinha de madrugar. Disse-lhe que sim, até porque na crença ancestral, dali a três dias (25 de Abril) seria dia de S. Marcos, dia abençoado para a sementeira, afinal o dia em que no antigamente, os bois não trabalhavam - tinham mais um dia de descanso que as pessoas - e lá fui deitar as batatas ao rego, de madrugada.
Da "piqueta", recordo bem, ia a mesma cesta de verga e o "palhinhas" de dois litros de tinto. Apenas divergiu um pouco agora para a "arranca", o conteúdo da cesta, o bacalhau albardado, deu lugar a um delicioso chicharro frito. O resto, chouriça, queijo, azeitonas e presunto, mais a broa, lá estava.
6 de Agosto, cerca de 4 meses volvidos...
Mal tinha amanhecido, bate à porta do meu quarto a perguntar se ia ajudar a arrancar as batatas...
- "já estou acordado, mãe", menti, mas o silêncio da rua e música da passarada no acordar, foi num rompante.
Vamos ver no que deu a sementeira e nem esperei ir sentado no tractor. Quando chegaram, já por lá andava, cheirando a terra e respondendo um "bom dia " aos mais madrugadores que passavam pelo caminho adjacente. Tempo fresco, mas tão bom...
Por detrás do milho verdejante, "ela" já estimava a logística, faz questão de tal, apesar desta família que com ela colabora ser da maior confiança. Como família.
Daqui o meu obrigado, público.
O saber desta gente de "outro mundo" pelo trabalho profissional, é inquestionável.
Pedem meças a quem quer que seja!
Não pára de tal dizer à minha mãe. "Ó mulher, estão assim porque tratei bem delas; muita rega lhes dei. Quem quer, trata". Verdade.
Trabalho feito, hora da "piqueta"!
Acreditem que ainda tocava o sino da igreja, as badaladas para as oito da manhã...
E que bem soube quase acordar com o trabalho feito. Quase parecia ter passado um dia, quanto mais ter começado a manhã.
Os nossos avós teriam orgulho em verem um bocadinho ainda dos seus costumes.
Até as batatas parecem ter outro sabor, nem que seja "estremes" e sem "conduto".
E aquele cheirinho a terra fresca desventrada logo pela manhã...
Suspirei aqui! Que delícia! Me transportei pra lá, em meio às batatas e senti o cheiro da terra . Que lindas tradições que continuam e tomara por muitos anos ainda! E teus avós, com certeza ,lá de cima, sorriem ao ver tudo isso ainda presente! Valeu! abração,chica
ResponderEliminarSe vale a pena, Chica.
EliminarUm encanto sem valor por tal nao ter preco.
Tal, apenas tem o produto final em casa, na valia dos donos.
Ainda suspiro...
Abraco.
Que beleza! Cresci com esse cheiro da terra, e lindas plantações...vendo esta linda tradição da arranca das batatad, senti saudades! Estas coisas não devem acabar! Abraços!
ResponderEliminarOla Mariangela.
EliminarA gente por vezes, os mais citadinos, ficamos sufocados por estes cheiros que eram distantes e tao presentes. Ao tal sentir, vem atras vidqas de recordacoes que nos levam por ali adiante, embalados nos nossos.
Mas vi que estes dias sao ainda a parte genuina de uma aldeia rural.
A termos saudades, que sejam de alegria!
Abraco.
Descobri a pouco tempo que cada lugar produz uma espécie de batata, temos um doce, provavelmente vocês também o tem, que é o marron-glacê, feito de batata doce, até já me arrisquei a fazer e, até que ficou bom. Boa colheita para vocês! Um abraço, Yayá.
ResponderEliminarOla.
EliminarEste foi o principio das colheitas, pois logo o milho, as cebolas e feijao.
Um tropelia.
Quanto ao doce, minha amiga, a batata em Forninhostem o destino marcado, pessoas e animais, mas ao marron que refere, ja provei aqui em Lisboa com batata doce da Madeira.
Gostei, mas nao arrisco.
Beijinho, Yaya!
Adorei este artigo, que me fez lembrar o quanto ja vai, da ultima vez que ajudei a tirar e a apanhar as batatas!
ResponderEliminarAte parece que me soube a "piqueta"!
Estou velho esta visto, velho e longe!
Um abraco de amizade.
Qual velho...novo e presente, um homem da casa. E que honra o termos por aqui, amigo e amante destas terras da nossa Beira Alta.
EliminarPosso dizer que por felicidade redescobri a minha aldeia, afinal o amor permanecia, mas com ele um pouco de saudade e nostalgia.
Dos tempos em que na varzea da ribeira, ainda nossa, se acarretava um carro de vacas, arrastando sacas e sacas depois de um dia inteiro de arranca, s bem que o termo fosse arrancar batatas. Quem ia ajudar ou pago para tal, sabia que nesse dia seria comer e beber do melhor. Quantas vezes se coziam batatas com bacalhau nas areias do rio Dao, a sesta logo a seguir e se ensacavam as batatas.
Bons tempos meu caro amigo em que o pouco sabia a ouro e este por vezes a vinagre.
E esta gente, a mesma que depois iria partilhar as escanadas de milho, as vindimas e no final a matanca do porco.
Uma familia irmanada.
Por isso e dentro do que podemos, aqui vamos tentando semear um pouquinho de lavoure...
Grande abraco.
A sua mãe é o exemplo de que não importa a idade; quem tem um bocado de terra não se lhe acaba o desejo de a cultivar. Quanto à "piqueta" para levar para a sementeira das batatas, até pensei que já não existissem esses garrafões de vinho...e o queijo, as azeitonas e o presunto com broa é muito bom, já para não falar do resto!... Assim até dá mais gosto ir arrancar batatas da terra, e pela fresquinha que é como convém.
ResponderEliminarAchei giro o pormenor da toalha, tudo feito como deve ser, um verdadeiro ritual.
Adoro estas cenas da vida campestre, e eu própria adorei apanhar batatas quando era miúda, talvez porque o fizesse na brincadeira, mas a verdade é que tenho saudades desses tempos, do cheiro da terra.
Belo post, Xico! E que a sua mãe tenha muita saúde para comer das batatas do seu terreno, ainda por muitos e bons anos.
xx
Ainda bem que nao falei no bolo de azeite, uma iguaria que com queijo...
EliminarA minha mae tem as paginas de vida e de tantas vidas de outros.
No olhar transposto e escrutinando por detras dos montes, auela mancha avermelhada no ceu, vem calor. O vento, vem frio e sei la que mais.
Do campo, paga algumas vezes apenas o que a idade nao perdoa.
Acho que nestes dias mais chegados, se remete a meio seculo atras e com ela vem a minha avo Maria.
Tal transparece no ritual e acho, melhor, tenho a certeza de que passa pelas brasas uma horita se tal.
Se tudo corre bem, a comida vai a preceito, as batatas virao escorreitas, enfim, aquelas coisas que admito, me rendam a ela.
Ela nao gosta dos meus risos, pensa que sao de gozo. E sao, mas de felicidade.
Enfim, dia de batatas, no dia seguinte provadas com sardinhas e pimentos assados no patio.
Foi bom e de maneira antiga e muito mais barato que no melhor restaurante.
Aparece um dia. Beijo.
Bolo de azeite não deve ser nada mau, não. Mas mesmo assim ainda prefiro as sardinhas com os pimentos assados.
EliminarSe vivesse para essas bandas até era capaz de aparecer....
xx
Ótimo post, Xico! Lindo plantio e "arranca" também!! Gostei de ver as fotos tão boas, descrevendo os passos de tão linda colheita...
ResponderEliminarSua mãe é uma guerreira e abençoada mulher, cheia de força e satisfação...
O meu abraço
Bem haja, Anete.
EliminarSabe bem logo pela madrugada, afinal quando a natureza desperta.
"Ela" agora já anda aos "tombos" com as couves de cortar e a sementeira dos nabos...
Lá para o Natal, terá requinte destas guloseimas à mesas.
Beijinho.
É de encantar e entusiasma ver um post como este! Além do belo Conto, expõe fotos deslumbrantes e animadoras de pessoas simples irradiando felicidade e contentamento ao realizar atividade de recreio - imagino.
ResponderEliminarParabéns! Gostei muito...
Abraço e apareça por lá!
Obrigada por vir.
EliminarFica o convite de ver "contos" reais de há alguns anos atrás e aqui escritos, como que tentando vender ilusões de factos reais e assim abrir consciências na preservação de um património material e imaterial imenso.
Tanta riqueza num pequeno povoado que com displicência o mergulha na escuridão.
Receba um abraço amigo.
Adoro estes teus contos que relatam a vida do campo, da qual nada percebo, pois cresci além- mar.
ResponderEliminarNo entanto, leccionei em Hombres( S.Pedro d'Alva)) regressada de Luanda e assisti a muita dessa labuta.
Beijinhos.
Olá Elisa!
EliminarDesde que se adore, o perceber poderá ter somenos importância.
O perceber é redutor, basta abrir a alma e separar o que sentimentos das coisas relativas e ausentes de ...
O "seu brasão" reza no "Fardilha's":
"A vida é como o mar, com várias marés...".
Tal qual a vida do campo, ajustada à lua para plantio e colheita.
Beijo grande.,
Eu sou uma que cresci a ouvir falar da sementeira e arranca da batata, mas... o dia do ano de que menos gostava era o dia da arranca, por um lado, por não gostar de as apanhar...nem sacudir a rama; por outro, por ter de me levantar de madrugada. Já a piqueta adorava!
ResponderEliminarComeço por isto referir porque nesse tempo dos anos 80 os meus pais semeavam grande quantidade para vender. Hoje, não, apenas semeiam para comer todo o ano lá em casa e talvez alguma para semear no ano agrícola seguinte.
Na "Ribeira" e no "Salto" semeava-se eitos e eitos de batata, pois havia bastante água para as regar.
Depois, lembro bem outra coisa: as camionetas carregadas com batatas ensacadas, em sacas de rede, que seriam despachadas, por pessoas ligadas a Forninhos, mas cuja actividade exerciam na Capital. Em qualquer aldeia carregavam milhares de arrobas. Às vezes espicaçando-se nos preços.
O lavrador-produtor ainda ganhava uns quilos de melão e melancia também.
Apesar de não gostar do dia da arranca guardo boas recordações do Forninhos dos anos 80. Adorei ler-te :))))))
E quem gostava a não ser os próprios que arregalados viam o fruto do trabalho redundar em abundância sadia?
EliminarNem contabilizavam os litros de gasolina gastos na rega ou o dobrar de costas e braços agarrados ao "picanço" ou ao "cabaço".
As de cada qual, eram sempre melhores que as dos outros...vaidade merecida, convenhamos.
Era um dia do "caraças" para a criançada, talvez dos dias em que havia mais dores de barriga e de dentes, mas não valia a pena: "ala que se faz tarde e se tiveres de chorar, logo à tarde choras...".
Conheciam de cor a "calêndia".
Pior ou pelo menos igual, só a apanha dos feijões, chicharros e grão de bico". Se calhar por isto, a gente não gostava de comer destas coisas malvadas.
Tal como dizes, era e sempre foi uma mais valia, associada ao vinho e cereais, afinal a nossa terra era uma quase exclusiva comunidade de lavradores/agricultores, juntamente com o pastoreio.
Gente de trabalho, sem vergonha de mostrar o muito e o pouco. Cara lavada!
O preço que corria pelo quilo, rápido chegava a casa do agricultor, fulano fechou o negócio "por tal...". Arrematou tantas sacas para cicrano e ano após ano, já era quase um negócio recorrente para os mesmos industriais que tinham no terreno "angariadores" da terra e/ou redondezas para salvaguardar o negócio.
Por vezes o velho truque de no analisar da qualidade da batata, a palavra maldita, " há uma ou outra que tem moléstia". A pior palavra para o produtor que vendo o seu produto ser rotulado de qualidade inferior, doente, veria o preço descer vertiginosamente. Tantas vezes palavras falsas e por vezes e quem podia, preferia guardar as batatas para minorar os rigores de inverno na comida dos animais.
Por vezes assim se criaram bons porcos cevados para a altura do Natal.
Bem hajas Paula. Adorei o teu comentário.
Beijos.
Esta historia das batatas fez-me vir a mente a enorme quantidade de sacas de batatas despachadas na estacao de Fornos, provavelmente muitas delas tambem de Forninhos!
ResponderEliminarForam outros tempos, em que essa estacao era isso mesmo, "uma Estacao", agora com os modernismos, acaba-se com a carga e ate se destruiu o cais de embarque de mercadorias!
Nostalgias de velhos!!!
Um abraco de amizade.
Sim, pelo que ouvia contar, na Estação de Fornos, linha da Beira Alta, muita saca de batatas foi ali despachada. Mesmo muita batata de semente chegava por aqui. Imagem de que os mais novos, como eu, nem fazem ideia!
EliminarDo que ainda lembro é do envio de sacas de batatas para Lisboa para familiares. Hoje não! É tal como diz, aquela Estação já não é o que era, para o mal da nossa região que vemos definhando há anos.
Retribuo o abraço.
Bom dia, o tema é fantástico, sou apreciador da batata doce portuguesa, principalmente a de Aljezur (Algarve). pena é que os nosso agricultores estejam a optar pela produção da batata chinesa sem qualidade , só porque se produz mais rápido que a nossa batata.
ResponderEliminarAG
http://momentosagomes-ag.blogspot.pt/
Boa tarde e obrigada por ter vindo.
EliminarTambém irei visitar o seu espaço, pois senti por lá o cheirinho da poesia, que adoro!
Nós que fomos nados e criados no interior das beiras, por muitos anos foi de cabal desconhecimento a batata doce. Era coisa estranha...
As "nossas" eram aquelas que enfrentavam o frio.
Pessoalmente gosto das que fala e então assadas e a acompanhar um bom prato!
Um abraço amigo.
Por muitos anos acho que na nossa terra só existia duas espécies de batatas, a vermelha e branca/canabeque - "Kennebeck (?). A média e grande destinava-se ao consumo humano e venda, e a miúda era para engorda de porcos! Depois veio a rambana (Arran-Banner), a rancónsul (Arran-Consul)... e pouco mais.
EliminarAgora já ouvi, em Forninhos, falar na batata "olho de perdiz" (Picasso).
Os forninhenses acho que procuram sempre a melhor para consumo próprio, já os que querem vender, acho eu, procuram a que produz mais e mais rápido.
Boa noite Xico,
ResponderEliminarSabe o que admirei mais nessa sua excelente foto-reportagem?
A genica da sua querida mãe ao tratar com tanto desvelo da sua horta!
E todos esses amigos a ajudarem, faz-me lembrar outros tempos em que lá na aldeia também era assim!
Tudo tinha outro sabor!
Tudo era diferente! Até as batatas tinham e no seu caso têm outro sabor!
Que maravilha vê-los todos assim tão activos!
Um beijinho e bom domingo.
Ailime