Estava feito o sementio dos pães e dos nabais, e cabaneiros e lavradores abalavam para a serra a rapar o codeço e o tojo com que lastrar novamente os estábulos.
Vinha lá o Inverno - ouvia-se zoar muito a ribeira, e a Serra da Estrela mostrava desde a antevéspera os corutos emaçarocados de neve. E a chuva já estava em atraso, o grão por grelar na terra esmilhenta, onde os borborinhos faziam espojadoiros pasmosos de lobisomens. (...)
O sol ficava em casa de Deus, e os dias tinham a tristura das igrejas em semana de endoenças. Pelos morros, os pinhais, muito crestados da canícula, pareciam procissões de enterro, paradas a rezar.
O grande cão entrava sempre assim, enfarinhado de cinzas, manso, com a capa de penitente. Depois rompia aos uivos que nem cem matilhas a um lobo. Por aqueles outeiros arriba era o suão quem mais bramia, parecendo ora vozes a pedir misericórdia, ora bocas desdentadas de feiticeiras em despique danado. (...)
Andavam os pobres a lazarar, de povo em povo, sequinhos como as palhas em que se deitam. (...)
Andavam os pobres a lazarar, de povo em povo, sequinhos como as palhas em que se deitam. (...)
Os seres vivos acoitavam-se nos refolhos; raro uma lebre largava diante dos gados, animando a devesa imóvel de sua fuga alerta; um mocho, ao alto de uma penha, com a cabeça recolhida entre as asas, tinha o ar de quem espera o fim do mundo. (...)
Capucho de burel, apisoado em fráguas, em volta do peitaço, morca farta de torresmos, socos de encoiras altas, o serrano estava-se nas suas sete quintas e deixá-lo zurrar, que se acabasse o mundo.
AQUILINO RIBEIRO, Terras do Demo.
Oi Paula, texto denso e cheio de mistérios... Foi bom ler e viajar na imaginação do Inverno à porta!
ResponderEliminarUm abraço apertado... Boa Noite...
Este brilhante texto do "mestre" Aquilino que aqui nos é trazido, faz-nos sentir em casa, tais as semelhanças com a nossa aldeia.
ResponderEliminarFrente a casa de meus pais, logo em baixo, o ribeiro dos Moncões, começava a rilhar, zurzindo as pedras do leito, medindo forças com as margens, antevendo os lameiros em redor que iria banhar.
Já vinha alimentado pelos excessos de água que os lenteiros das fraldas da Serra de S. Pedro, fartos e satisfeitos, deixavam seguir caminho.
Juntava-se-lhe o silvar da ramagem dos pinheiros amestrados pelo vento, fazendo dançar a chuva no telhado e que depois chorava nos beirais de telha velha, fugindo pelas caneiras. Já havia electricidade, mas mal preparada para aguentar a ventania, quanto mais uma rabanada de vento forte...
Voltava-se atrás no tempo e mandava na cozinha mais uma cavaca e folhas verdes de oliveira que estalavam na fogueira, havia que poupar, e o petróleo, guardado para estas emergências para alumiar, acendendo o velho candeeiro, aquele com chaminé de vidro e envolto com arames que tanto custava a abrir para acender a torçida.
Vinha em força o Inverno...
Lindo texto falando sobre o inverno..aqui em Salvador- Bahia estamos em pleno verão!!
ResponderEliminarAbraços.Sandra
Aquilino Ribeiro, no que se refere à escrita regional, é o escritor que melhor retratou os costumes e características das terras beirãs, daí a minha escolha.
ResponderEliminarNeste texto também eu encontro muito de Forninhos e, ao mesmo tempo, temas por nós já abordados no blog dos forninhenses: o sementio do centeio (o nosso pão) e dos nabais, o vento suão, os borborinhos, os pobres, os lobos, lobisomens e feiticeiras, etc…
E nesta altura, de fim de ano, à velocidade de uma rabanada de vento, fiz o balanço do blog e não podia deixar este 'post' para Jan/2014. O Inverno está à porta, aprecio demais a linguagem popular e então das "Terras do Demo" há aqui uma expressão que gosto especialmente: “morca farta de torresmos”. Em Forninhos ouvi muitas vezes o termo “morcar” quando se queriam referir a comer, embuchar, ingerir alimentos, mas também dizem morfar.
Grande texto!
ResponderEliminarFeliz Natal!
Beijo
E quem não se lembra de gentes empurrando o carro de mão e roda de madeira, rumo às courelas, as mulheres com xaile pela cabeça para resguardo da chuva-molha-tolos, mas tão fria que diziam trazer neve à mistura. Arrebanhava-se um molho de nabos, um balde do resto das azeitonas do chão e um punhado de couves mais amareladas do frio para os animais. e que iriam a cozer na panela grande de ferro. Chamavam-lhe a vianda dos porcos. As outras para cozinhar e irem à mesa, estavam amaciadas pelo gelo, quase prontas para a sopa da matação e que seriam temperadas qual perfume pelos cominhos.
ResponderEliminarNa adega, dentro do lagar com uma camada de palha no fumo, repousavam e largavam aquele odor único e gulosos, as maçãs do Bravo apanhadas no fim da vindima.
O toque com o nó dos dedos nas pipas diziam que estas estavam cheias e o vinho novo seguro. A salgadeira estava limpa e arranjada, esperando a desmancha do porco para receber presuntos e pás, barriga, pés rabo e cabeça que o sal grosso que as cobriria ia conservaria o ano inteiro.
E enquanto à fogueira, ouvindo o assobiar do vento de cima, aquele que vem dos lados de Trancoso, se aqueciam as mãos e esquentavam os pés já com os coturnos calçados, se lançava o desafio da gente da nossa terra serrana:
" Cá te esperamos Inverno!"
Era mesmo assim, o tal vento dos lados de Trancoso, e o tal vento suao que refere Aquilino, e que tambem na minha terra assim chamavamos, era o vento que cortava ate a alma!
EliminarVinha de leste, com a leste de nos fica Trancoso, e, mais a leste ainda a terra de Espanha, da qual nem vinha bom vento nem bom casamento!
Olá Paula,
ResponderEliminarNão gosto do inverno, mas gostei de ler o "Inverno do Nosso Descontentamento" de John Steinbeck. Quanto ao nosso Aquilino Ribeiro, ele é inconfundível, basta ler meia dúzia de palavras para logo o identificar. Bonito texto.
Meu abraço e que o inverno seja suave...
Manuel Tomaz
Gosto muito de Aquilino e posso dizer que ele devo o conhecimento de algumas palavras.
EliminarInfelizmente estes grandes nomes da literatura portuguesa cada vez mais são esquecidos em prol de nomes sem significado. Não é o caso de John Steinbeck, claro, de quem li AS VINHAS DA IRA.
Boa estação e um abraço.
Boa trade ,
ResponderEliminarVou te ser bem sincera quase não entendi muitas das palavras que usou.
beijinhos
http://eueminhasplantinhas.blogspot.com.br/
Obrigada pela sinceridade!
EliminarA prosa de Aquilino é mesmo difícil. Costumo dizer que só é devidamente compreendida por quem valoriza a ruralidade... a nossa identidade.
Beijinhos**
Agora os Invernos já não são tão rigorosos, continuam frios mas não tão chuvosos, antigamente o Inverno era passado quase todo o tempo a chover, os terrenos e certos caminhos ficavam tão alagados que se passava o Inverno sem se poder lá passar.
ResponderEliminarNo Inverno o frio e a chova vêm para ficar, o vento sopra, assobia e faz abanar as árvores.
Mas se não tivéssemos Inverno a Primavera não seria tão agradável, porque depois de um Inverno frio e chuvoso estamos desejosos que chegue a Primavera.
Uma nostalgia imensa esta fotografia e este post Paula
ResponderEliminarNo minho é um pouco diferente, mas sempre o mesmo Portugal
Bom Natal, e parabéns por este blog ÙNICO!
Beijinho grande
Bem-haja, Manuela!
EliminarDesejo que no próximo continue por aqui, porque eu o que sei é que quero continuar a fazer o meu trabalho cada vez mais distanciada dos outros trabalhos, tenho o meu estilo, a minha maneira de ser e escrever (tal como todos), mas tento ser única e autêntica em tudo aquilo que faço.
Não tenho conseguido agradar todos os leitores, nem todos os "Contribuidores", mas o mais importante é servir Forninhos e não servir-me de Forninhos, isso sim, é o que distingue uma pessoa de tantas outras.
Beijos&Abraço.
Olá Paula, na verdade só Aquilino para nos brindar com um texto desta grandiosidade!
ResponderEliminarConfesso que muitos termos não conheço e recordo-me que um dos meus professores de Português de então no-lo recomendou, mas sempre com o Dicionário ao nosso lado! E já a seguir lá vou tirar as minhas dúvidas. Grata por esta bela partilha. Beijinhos Ailime
Antes de publicar "O Inverno à porta" também eu fiz uma "visita" ao Dicionário.
EliminarQuanto ao ensino, não tenho certeza absoluta, mas acho que já foi saneado do ensino do Português! É algo que acontece, mesmo a grandes escritores como o foi Aquilino Ribeiro.
Beijinhos,
Paula.
Pelas terras de cá o verão chega dia 21 de dezembro. Feliz Natal e próspero Ano Novo! Um abraço, Yayá.
ResponderEliminarOlá,
ResponderEliminarlendo o belo texto parece que o autor também descreve minha região. Os mesmo portugueses que habitam ai também habitam aqui, por isso torna tão semelhante nossas histórias. Me fez sentir muita saudade do tempo que viva na Solidão junto com meus pais.
Paula e Xico desejo -lhes um Natal inesquecível, quero agradecer o carinho e amizade. Mesmo distante parece que fazemos parte da mesma família. Que o próximo ano seja de grandes realizações.
Bjos
Anajá
Aquilino Ribeiro (que eu não conhecia), fez-me lembrar (pelo estilo à antiga), do brasileiro Graciliano Ramos. É sempre tão bela, a descrição da terra amada, de suas paisagens e costumes. Enquanto o Inverno aí chega, o Verão aqui impera.
ResponderEliminarÁ Paula e ao Xico, mais votos um alegre Natal e muitas e felizes realizações no ano vindouro.
Beijos,
da Lúcia
Ninguem descrever como ele as pobres "Terras do Demo", ou seja a nossa Beira mais alta!
ResponderEliminarLindo texto, de que muitos hoje, nao sabem ja metade dos significados!
UMAS SANTAS FESTAS DE NATAL E UM OPTIMO 2014, para todos os meus amigos forninhenses e bem assim para todos os leitores, com um abraco forte, como forte e, o nosso granito beirao.
Queria ter escrito "descreveu", eu nao descrever!!!
ResponderEliminarDesejo a todos os colaboradores e leitores em geral, um FELIZ NATAL e um NOVO ANO muito bom.
ResponderEliminarPaula, venho agradecer e retribuir os desejos de feliz natal. E que em 2014 continues a publicar as belíssimas crónicas, citações, excertos e ensinamentos sobre o que a natureza, tão rica, tem para nos oferecer.
ResponderEliminarE que as tradições não se percam!
Um beijo
Teresinha
Obrigada a todos e que os vossos votos se dupliquem em tudo de bom que aqui desejastes, sempre com os desejos de que se sintam bem aqui estando em qualquer lugar do mundo.
ResponderEliminar♥ Feliz Natal ♥
E eis que "ele" hoje chegou, quase sem bater à porta e entrou... sorrateiro, trazendo o dia mais curto do ano e a noite mais longa.
ResponderEliminarO Inverno!
Que "ele" não seja madrasto.