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domingo, 8 de outubro de 2017

Mala de Porão

Forninhos é uma terra aonde ao longo dos tempos deu muitos filhos para a emigração americana. Na família, tenho referências dessa emigração, alguns por lá foram ficando, mas não esquecem, felizmente, as suas raízes. Tia, primos direitos e segundos de vez em quando vão a Forninhos e de terceira ou quarta geração visitam-nos através do Blog - d'os Forninhenses.
Então, queria aqui deixar uma bela história, daquelas em que todos nos sentimos em alguns detalhes, pertencer, mesmo os que  migraram para estudar ou para trabalhar (como eu).
Lê-se num instante. Vai gostar.



Esta mala de porão foi uma das três que José dos Santos Albuquerque, conhecido por tio Zé Rito, trouxe em 1930/1931 dos Estados Unidos da América, onde esteve 10 anos como emigrante.
Deve ter representado a alegria feliz do seu tão desejado regresso a Forninhos, após uma ausência tremenda de 10 anos, nos USA.Uma autêntica epopeia: partira pobre como Job e voltava à sua terra rico ou endinheirado, para a mentalidade daquela época e duma região e aldeia dominadas pela pobreza.
E,nesta mala, trouxe centenas de lápis com borracha, canetas, cadernos e outros objectos escolares que distribuiu pelos alunos das escolas, de Forninhos e Matela sobretudo. E foi o conteúdo desta mala que fez pensar o seu neto, Ilídio Marques, ter sido o seu avô, provavelmente, empregado de algum colégio americano.
Mas esta mala para o Ilídio representa o contrário, representa o adeus a Forninhos, o fim desgraçado da feliz infância na aldeia, onde a sua alma de menino ficou sempre...
Na realidade, esta mala representa e significa a separação e fim cruel da felicidade de criança, na vivência simples da sua aldeia e o desterro amargurado e cruel no Seminário de  Fornos, nos seis anos tão tristes que lá passou. Esta mala de porão, sua fiel companheira, lembrou-lhe sempre a despedida chorosa e triste da sua casa, da sua querida aldeia, dos seus amigos, dos seus saudosos pais e avós, do menino tão amado que foi.
E como é triste às vezes o caminho do destino: 
"...foi o meu avô Rito, que no dia 10 de Outubro de 1953, às 6 da manhã, com os olhos marejados de lágrimas, a carregou e levou num carro de mão, desde a nossa casa da Lameira até à Fonte do Lugar, onde apanhei a carreira dos Araújos para o seminário de Fornos.
O meu avô tinha-a trazido dos USA cheio de vaidade e orgulho para a sua terra, com muitos presentes e coisas que só na América havia; vinte e tal anos depois, carregava-a cheio de tristeza, como arca do meu enxoval, para a carreira que me levaria para longe dele, de tudo e de todos. Pela minha dor e saudade, imagino a do meu avô Rito... 
No entanto, esta mala é também um verdadeiro relicário e o único objecto visível a abrir ainda mais a porta da lembrança do seu avô Rito e da saudade da sua terra, da sua casa..."ao meu Largo da Lameira, por onde ainda hoje vagueio tantas vezes...com muito amor".
Numa aldeia rural com tantos movimentos demográficos ao longo do Século XX, criam-se laços especiais e especial vontade de, quando estamos juntos, recordarmos os nossos, a infância na nossa terra. Não admira pois que a nossa mentalidade manifeste sempre, alguma saudade.

Bem-Haja Ilídio Marques por mais esta partilha.

25 comentários:

  1. Que linda partilha...Emocionante relato dessa mala que tanto nela carregou e tantos significados teve...E deixa saudades! beijos, chica

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    1. Muitas. Felizmente os que partiram desta terra sabem que o blog é um espaço onde, sem pretensiosismo, se pretende matar saudades e memórias do lugar onde nasceram.
      Beijos.

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  2. Os meus pais tinham uma destas ... pois viajamos para Angola por duas vezes em 18 anos!!!
    Bela partilha ... bj

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    1. Na casa de meus pais havia também malas dessas. Serviam na altura para guardar colchas, carpetes, tapetes e almofadas que o meu pai trouxe da Guiné, fotografias e também alguma roupa do enxoval da minha mãe e do meu baptizado.
      Ao ver esta mala, lembrei-me também de África.

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    2. Esqueci-me de dizer que as malas lá de casa eram cobertas a folha avermelhada e xadrês.

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  3. Uma mala de saudade, memórias e destinos.
    Na casa onde nasci havia uma destas malas, desconheço
    a sua origem e destino.

    Bom Domingo

    MG

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    1. Apesar de tudo foi uma fiel companheira.
      Eu é que sequer imaginava que uma viagem de poucos quilómetros (Forninhos-Fornos) fosse tão dolorosa! Mas lá está, em 1953 tudo era bem mais lento e, como escrevi em outra ocasião, o caminho para o seminário foi para muitos pequenos o fim da meninice, o fim da liberdade...
      Bom resto de domingo.

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    2. 1953 - Minha Mãe teria 11 anos e meu avô ( seu Pai )
      João de Gouveia já tinha partido Atlântico
      abaixo,rumo ao Curaçao , onde foi mineiro dos
      Holandeses. Por lá ficou para a eternidade.
      É uma das minhas fontes de inspiração ainda
      hoje .
      África ? Está profundamente marcada da minha
      actual familia , que tem ,como bem sabem ,uma
      raíz profunda perto de Forninhos.
      A minha mulher recorda com saudade a avó
      Adélia ...


      Boa Semana
      MG

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    3. Forninhos, Matela, Moradia e Quinta da Ponte, estas quatro aldeias deram desde os fins do século XIX muitos filhos para a emigração.
      Na altura os destinos de base para a emigração eram: o Brasil, África e a América e há, pelo menos, um caso em Forninhos, para a Argentina, mas esse fica para outro post.
      Boa semana tb.

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    4. Mas África deixa nas pessoas , algo , deixa marcas
      deixa paixão , deixa saudades, nostalgia,encanto,
      sobretudo , Moçambique .
      E não será por eu ter familia nascida e vivida por
      essas bandas .
      Gente que saiu do Alentejo e das Beiras com 18
      anos , namorou , apaixonou-se e " fizeram" filhos.
      ( as ) no " mato" ,antes da guerra, vivendo com
      muito marisco, muita praia, muita vida social.
      Não hes faltava nada ! Em cada um vejo um brilho
      nos olhos.
      É que nos anos 60/70 vivia-se melhor em África que
      na Capital do Império .
      Sinto que estes não têm traumas apenas saudades..

      Abr
      MG

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    1. Uma epopeia!
      Estávamos em Outubro de 1953. Quando me lembro que só em 1959 é que a iluminação chegou a Forninhos e fraquinha...!
      Abraço.

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  5. Como uma mala tão bonita,pode encerrar tristes recordações.
    Obrigada por testa emocionante partilha.
    Abraço e uma boa semana

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    1. Não o escrevi, mas a mala de porão também lembra o carinho e a ternura da sua mãe a preparar, marcar (com n.º 9) e arrumar dentro dela o enxoval.
      Pena os 13 anos no seminário: 6 em Fornos de Algodres e 7 em Viseu.
      Abraço e boa semana também.

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  6. A NOSSA DIÁSPORA.
    Primeiro, deixem que agradeça ao Dr.Ilídio Marques mais um manifesto contributo em prol de Forninhos e o carinho com que nos acompanha.
    Confesso que fico emocionado com este seu relato frontal, numa convulsão de sentimentos que apenas quem os viveu, fica com marcas para toda a vida.
    Quase que me revejo neles no seu quase tudo, explico:
    O meu avô paterno de nome Francisco, embarcou ao mesmo tempo rumo às Américas que Zé Rito, António Marques, Sôra, Porfírio, Casimiro e outros.
    Foram em busca do sonho, criar riqueza e a má sorte deu-lhes a grande depressão americana da década de 1930. Haviam ido com as arcas de madeira na esperança de um dia voltarem com as algibeiras a transbordar e enquanto foi possível, transferiam "dólas" para a terra e iam investindo na altura na coisa mais nobre, terras (o meu avô ainda adquiriu na altura qualquer coisa no Coval), só que as coisas ficaram complicadas, num mês o dólar valia o escudo, no outro 3 vezes menos e assim, quem tinha algum dinheiro guardado para o regresso, veio embora e os restantes foram obrigados a ficar, a maior parte dos que enunciei.
    No caso do meu avô Francisco, depois de vir, ainda "fez" a minha tia Teresa, a única viva e tenho a certeza que a "sua America" era cá, pela felicidade que irradiava, pelo contributo social, pelo seu toque de guitarra...o meu ídolo!
    Quão estranhas são as coisas e como o Ilídio, guardo no meu coração, o dia em que mais uma vez me deu a mão (sempre presente) em direção ao carro do meu tio António, aonde estava o sr. padre Matos e meus pais, para me levarem ao seminário de Gouveia. Não lembro o que me disse, apenas recordo um beijo no rosto e um olhar embaciado, tal como o meu que não queria partir, mas "não havia remédio".
    A mala ram daquelas das feiras, de cartão que tantas vezes carreguei às costas, a pé, mais a minha irmã Lurdes, desde a estação de Fornos até à aldeia, vinte quilómetros adiante.
    Mais pobres que a do post, também carregavam esperança de um futuro melhor, a nossa diáspora, mas ao pé das deles, era uma brincadeira.
    Sei que o meu avô me ouve e deixo uma pergunta:
    Lembra-se do dia em que no balcão das brasileiras, enlevado me ouviu tocar bandolim?
    Pena que no ano seguinte me pregou a partida por altura do carnaval - partiu!
    Beijinho avô, está aqui, no baú do meu coração.

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    1. Xico, o teu comentário, a mim, deixou-me os olhos cheios d'água.
      Quantas histórias mais há iguais à tua e à do Ilídio?
      Quantos emigrantes dessa leva, oriundos de Forninhos terão por lá ficado sepultados?
      Quanto netos de Forninhos procuraram o lugar de sua sepultura e a tumba?
      O Ilídio, sabemos, procurou o colégio aonde possivelmente o avô trabalhou..
      Os meus antepassados avós e bisavós paternos e maternos não emigraram, mas eram parentes chegados do tio Zé Rito e do teu avô Francisco Ferreiro.
      O teu avô era irmão da minha bisavó Teresa.
      A mulher do tio Zé Rito, Maria de Jesus, era irmã do meu bisavô Maximiano.
      Eram homens bons, que os netos recordam com saudades.
      Nos momentos solenes em que o "Altissimo" saía da Igreja, quando as opas de quem iria segurar o pálio, eram entregues, entre eles estavam, diria sempre: o teu avô e meu avô Cavaca e o tio Zé Rito.
      Era uma distinção, mereciam-na pela sua conduta de vida.

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    2. São relatos que humanizam a " nossa " caminhada,
      Xico , os meus parabéns !!

      Nâo sei porquê mas (e faço a minha meia culpa)
      a geração futura ( está que está na forja )vai ca...para nós e para tudo o que fizemos por eles ...!
      ( e apesar de tudo fizemos muito ...!! )
      Perdoai-me esta opinião .

      MG

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  7. Uma mala importante é com tanta história! Gostei do que li, queridos Paula e Xico.
    Obrigada pelo carinho no meu niver. E os anos vão passando...
    Bjs e boa semana...

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    1. Anete, só lhe posso dizer que ainda bem que os forninhenses que vivem fora nos acompanham e, assim, vão ao fundo da mala de porão e nos trazem as mais belas memórias que tem estado lá guardadas.
      Beijinhos, muitas felicidades e muitos, muitos anos de vida.

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  8. A MALA DO VAGÃO QUE NÃO CHEGOU A SER...
    Falei no meu comentário das malas de madeira que levavam almas e pertences para continentes longínquos, um pouco de mim e da Lurdes, minha irmã, (à Linda d Suza numa mala de cartão...),
    mas aquando a saudade nos mói, parece que funiscas de um fogo, alambram os nossos sentires, chamuscam uma obrigação que devíamos ter apesar de pequenitos e impotentes; parados a olhar e sem nada percebermos do que acontecia à nossa volta, não sendo que à noite e em volta da fogueira, cada dia mais, a minha mãe no inverno pegado, enchia os bolsos de nervosismo no avental de castanhas descascadas e a fumegar. Seriam para o caminho, mais tarde vim a saber...
    Anos sessenta.
    A minha mãe foi ensinando o meu pai a escrever e ler umas coisitas e "assinar" o nome e daí ter por punho próprio e com a mão esquerda (era canhoto) escrito Alfredo de Almeida.
    Sempre teve um grande amigo, mais que irmãos, o Ti António Carau ( o Júlio como cainhosamente lhe chamava por ser casado com a tia Júlia) e apesar e felizmente não terem necessidade de emigrar, na altura para as Franças ou Alemanhas, pois tinham onde provir o sustento, mas também embalaram no sonho...
    Iam a "salto" para a França, os "passadores" contratados e o carro do Toninho Bernardo lá largou para a estação do comboio de Fornos de Algodres, cujo rumo seria Vilar Formoso na fronteira com Espanha.
    Por companhia, duas sacas a tiracolo e no mesmo número duas ajeitabadas malas de cartão apertadas por cordéis para que nada dali escapasse, como se carregassem riqueza...
    Eis senão quando, dos lados de Gouveia, surge a fumegar a automotora a carvão `distância suficiente para entre eles fumarem no nervosismo um cigarro dos Definitivos; o meu pai ajeitava o seu chapéu preto de abas e o tio Carau, a sua histórica boina basca, à Che Guevara.
    Pára o comboio, matem as malas e as sacas e esperam na angústia do apito do comboio a comandar o destino das suas vidas...
    E apita e arranca de modo morno e sonolento, enquanto eles olham nessa morrinha de saudades ainda tão quentes e começam a falar das suas mulheres, filhos e filhas, da vinha batatas e que demais...
    Certo é que antes da primeira curva e o comboio acelerado, saltaram do comboio em andamento, molestados e sem malas, mas de alma cheia.
    Afinal tinham a França em casa, ou muiyo mais que isso!

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    1. Tantos de Forninhos que foram a "salto" e foram presos!
      Histórias destas eu nunca me farto de as ouvir e quem tem jeito (como tu) acho que deve contá-las ao máximo de gente, pois daqui a uns anos já ninguém sabe nada disto, numa região onde, como no resto do país, se emigrava por necessidade, mas também pelo desejo de aventura.

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  9. Me revejo neste post, também saí cedo de Forninhos, 1973, 16 anos em direção a Lisboa para continuar os estudos e trabalhar. Não trouxe baú mas sim uma grande mala de napa cheia de livros escolares e alguma roupa. Os 1.ºs meses, muito difíceis, muita saudade. Valei-me o rápido emprego que arranjei onde estive durante 26 anos, Cá fiz a minha vida, parte de mim ainda cá está, apesar de ter mudado residência principal para Forninhos onde fiz o meu maior investimento. Agora reformado, gostava que a minha terra se aproximasse, um pouco mais, da evolução que se vive na minha 2.ª morada.

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    1. Por isso, aqueles que nunca saíram de Forninhos, por mais que imaginem, não sabem o que é chorar de saudades pelos nossos ou pela nossa terra.
      A gente adapta-se à cidade, é certo, mas depois as nossas lembranças são sempre de saudade. Por mim falo. Saudade de um mundo já distante, do fim do mundo rural, bem diferente deste.
      Forninhos merece mudar de velocidade, mas sem acelerar muito, Henrique!
      A ânsia de querer “modernizar,” leva muitas vezes a esquecer as nossas origens e isto é mais grave quando se trata de pessoas que têm o poder de decisão, como são os políticos, quando ocupam os lugares nas autarquias. Em Forninhos, em nome do progresso, já se fizeram muitas asneiras, presentemente difíceis de corrigir, mas por favor não cometam mais erros! Já chega.
      Se evoluírem na mentalidade, para mim, já é suficiente.
      Boa noite.

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  10. Boa noite Paula,
    Uma história comovente dessa mala que tanto encerra.
    Uma mala que viajou e acarretou consigo sonhos, alegrias, tristeza, e os presentes que só existiam na América.
    Tempos idos ricos em estórias.
    Beijinhos e continuação de boa semana.
    Ailime

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    1. Boa noite Ailime.
      Os presentes escolares que o tio Zé Rito trouxe da América, depois de 10 anos de ausência, como prenda para os alunos das escolas de Forninhos e Matela (aldeia vizinha) na altura a precisar certamente deles, não são de ignorar.
      O partilhar com os pobres era uma das qualidades dos nossos avôs.
      Este homem podia trazer na mala muitas coisas que a família precisava, mas não, não foi assim. Trouxe lápis e cadernos para as crianças da escola. Numa aldeia dominada pela miséria foi uma boa prenda.
      Venham mais histórias do mesmo teor.
      Beijinhos.

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