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sexta-feira, 20 de outubro de 2017

A MARMELADA, À MODA DA MINHA MÃE

Não lhe posso chamar "velha" pois só tem oitenta e sete anitos de vida, mas por vezes fica arreliada comigo aquando lhe pergunto coisas antigas sobre a vida, diz quase sempre que "isso foi há tanto tempo que nem me alembro...".  Claro que lembra e com alguma meladice da minha parte, vai soltando o rosário... 


Desta vez, veio o propósito da marmelada. Sempre tal fez de maneira soberba!
Tão bem que recordo em garoto quando vinha da escola, levantar a pontas de papel que cheirava a aguardente e ir ratando as tigelas encostadas na varanda por decima de uma tábua, como esperando a benção divina...e ela vinha envolta no pecado da gula, mas acima de tudo na magia das suas mãos.
Hoje e embora renitente, perguntei pelos marmelos e se tinha feito marmelada, pois gostaria de aqui trazer pela sua voz, os modos antigos...
" Fiz, sim senhor, ou pensas tu que já não me astrevo?!"
Tentei um pouco de calma, pois que é determinada sei eu e nada melhor que escutar e calado, o respeitinho que me ensinou, é muito bonito...
"Cada um de vós, tem aqui uma tigela para levardes quando quiserdes, pode não estar tão boa como antigamente, mas acho que ainda não envergonha a vossa mãe".
Sinto tal como um autoelogio e fico feliz pela sua valentia...Raio de mulher!
E por tal, mais afoito lhe pergunto o "segredo".
"Olha filho, sabes que as pernas já não dão tanto como gostaria, mas um casal amigo, foi aos Carregais apanhar um bom alguidar de marmelos no domingo passado e o deixaram aqui no páteo. Não eram grandes pois faltou a chuva, mas cheiravam tão bem...
Depois de bem lavadinhos, cozi-os inteiros e tirei-os do tacho com uma escumadeira e com uma faca desmanchei-os, percebes, tirei-lhes a casca?".
Ouvia cada frase caladinho com medo que me desligasse o telefone, pois calado sabia que prestava atenção e isso a deixava contente e lá continuou:
" Depois os cortei ao bocados e passei pelo, como se diz, o passe-vite, essa coisa moderna que antes a gente esmigalhava com um garfo, mas é mais rápido. Às depois ponho num tacho de alumínio o açúcar, para três quilos da massa dos marmelos, metade ou um pouco mais de açúcar e isso é que fica caro e por cada quilo de açúcar, meio quartilho de água.
Ainda me ouves? estás tão calado que se calhar ferraste no sono, pois nada dizes e nem sequer te falei no mais importante: o ponto de estrada..estás a ouvir?".
Claro, mãe, já estou no ponto, penso eu para comigo sem saber o que seria e eis que ela me diz:
"O ponto de estrada é o principal, nota, tens de pôr ao lume num tacho o açúcar e ao derreter ficar junto e está no tal ponto!
Depois botas a massa, estás a ouvir? para dentro, bem batida e volta ao lume e quando começar a levantar borboletas, está pronto! Tiras para as malgas ou tigelas, deixas arrefecer e depois com papel molhado em aguardente, tapas para não criar bolor!".
Beijinho mãe!

24 comentários:

  1. Ó querido amigo, que doçura... não apenas a da marmelada, mas essencialmente a da sua mãe!
    Estou aqui na minha casa de família, em São Miguel, mas, apesar de morarem cá o meu irmão, e agora também a minha filha mais nova e a família, falta a alma desta casa, a minha saudosa mãe, que contava estórias que eu gravava e filmava. Que bom ter a sua mãe ainda tão bem e a fazer essa deliciosa e bonita marmelada!
    Beijinhos

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    1. Que dizer: boa noite minha amiga!
      Há quem diga que falo em demasia na minha mãe, mas devo agradecer a Deus o privilégio de Ela e de viva voz, acudir aos meus pedidos e partilhar aqui e connosco aquelas coisitas (para ela) que nos confortam.
      O pouco que vai restando da sabedoria popular e que tanto eu gostaria de apreender, mas a distância...
      Vale o telefone diáriamente, mas a coisa não é a mesma, uma receita sem os cheirinhos no sítio não é o mesmo, as palavras perdem-se nos fios,mas quando tal aprouver lhe levarei uma tigelinha de marmelada.
      Beijinho.

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    2. Bem Haja, Xico :
      Minha Mãe partiu há 13 anos e nunca me acabam as saudades...
      A minha vida identifica-se com a dela...
      Bfs
      MG

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    3. Olá António, boas noites...
      Ao longo de quase a perfazer oito anos aqui, sempre nos pautamos por trazer por amor próprio, mesmo à distância, o modo como a nossa terra, foi no antes, durante e o que pode ser o depois. Isso, acho não constituir qualquer indício de crime, mas depende do ponto de vista, sendo certo que abrimos horizontes, não obstante, mais inimigos que amigos e porquê?
      Gosto da palavra acanhos em cujos regimentos se acoitam os acanhados, germes acondicionados em frascos de fermol cujos mentores lhes prometeram a vida eterna.
      Tem sido duro, mas vale a pena, sabe o António porquê?
      Até hoje (e quantas vezes nos apeteceu desistir), ninguém nas visualizações que caminham para setecentas mil, nos chamou de mentirosos!
      Trazemos o respeito a quem a tal se dá ou não. Confrontamos o clero a "nobreza" e o povo e damos os nossos rostos em cartazes à luz do dia.
      Ajudamos a fazer a memória da nossa aldeia, Forninhos e ela ficar com um registo meritório por verdadeiro, assente em testemunhos como este da minha mãe e outros, pessoas que acham que netos e bisnetos, muitos que nunca verão, digam que antes foi assim por a minha bisavó contar...
      Bem-haja, António.

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    4. Boa noite , Xico :
      Quantas aldeias em Portugal , com duzentas alminhas, têm na plataforma infernal ( ? ) que é a net , tamanho empenho, amor , coragem , determinação , estudo e opinião livre sobre as suas profundas raízes e modos de vida e sobrevivência ??
      Vocês saíram da vossa Aldeia , mas não viraram as costas e a muito custo e tempo lá vão construindo uma
      obra , que , só Deus saberá o valor que terá para os
      vossos filhos e netos...
      O que fizeram os nossos bisavós ,avós e pais para nós
      ás vezes deitarmos á rua muitas oportunidades...
      Até comida se deita ao lixo nas cidades...
      O que vocês aqui escrevem é a fita do tempo , pedaços
      ora de doçura , ora de sofrimento , de saudade , de
      noites ao relento a cuidar das ovelhas , tudo somado
      que deu ao Mundo , homens e mulheres , mais justos,
      ingratos , competentes , doutores ou comerciantes ,
      mas que ás vezes sabe-se lá por quê se incomodam com
      o vosso desempenho AQUI .
      Mas todos os nascidos em Forninhos , despidos de intriga vos devia homenagear.
      Até entendo que para muitos , a esta hora , maldita
      invenção, esta , de estarem e esgravatar a vida dos
      que já partiram...
      Mas é inteligente ocupar o tempo desta maneira.
      É um cordão fraterno , sincero que vos une.
      Á frente da TV , a apontar o dedo toda a vida é bem
      menos interessante .
      Não vale contruir e ter as portas fechadas .
      Assim, a luz não entra nos corações.
      Que continuem...

      Abr
      MG

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    5. Uma boa noite e obrigada pela força.
      Um abraço.

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    6. Coisas do destino
      Ultima visita á sogra Mila , beirã de gema , eis que
      temos marmelada para duas semanas....
      Coisas...
      Abraço
      MG

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  2. Marmelos, marmelada, geleia e até o doce de abóbora traz a infância à memória de todos nós. Em tempos recuados não havia família em Forninhos que não fizesse marmelada, hoje não é bem assim...quem gosta, compra-a feita. Tudo tende a acabar e acho que nem é tanto pela despesa, mas pela sua demorada elaboração, daí que, caseira, já não a há em todas as casas.
    A minha mãe faz todos os anos, que eu não troco pela do supermercado nem por de nenhuma mãe. Por aqui não posso mandar a prova, mas a melhor é a da minha mãe :-)))) não é Xico?

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    1. Já Camões o dizia, "mudam-se os tempos, mudam-se as vontades...", via melhor que com um só olho que todos nós com os dois...
      E tinha porventura razão. Os tempos mudaram por diversos imperativos que levaram a um êxodo de emigrantes para fora por falta de dignidade laboral e da eutanásia salazarista imposta, foram definhando as terras, vinham costumes de emigrantes já mais remediados com novos costumes, modas como que as casas construídas estivéssemos nos Alpes ou Pirineus e embora na melhor das vontades, um desornamento urbano a roçar o caus.
      Muitos foram comprando terrenos, muitos deles por ali e seus pais tinham andado à jeira, mas depois partiam e com os filhos aculturados iam ficando cada vez mais.
      E tudo foi ficando ao abandono numa aldeia de víuvas e velhas, basicamente...
      Por tal, os marmelos que tao bem eram cheirados aquando das vindimas, nos cordões de videiras mais encostados á sombra, pronunciavam belas tigelas de marmelada.
      Agora poucos lá chegam para os apanhar, os verdadeiros do antigamente, estão cobertos de silvados por de cima de poços abandonados; cheiram bem sim, mas um perigo lá chegar para apanhar, mas quem tiver arte e engenho para a colheita e depois, mãos para os preparar, ainda a melhor guloseima do mundo!
      Não pretendi fugir de modo algum à "provocação" da Paula acerca da qualidade deste doce feito pela Senhora sua mãe, sob pena de não a voltar a ter aqui em casa no futuro, porque que é boa, é! Muito mesmo.
      Ficamos num empate e amos ver a deste ano.

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    2. Xico, na nossa terra, todos sabemos, estraga-se muitos e variados frutos, seja: maçã, pêssego, figos, cerejas, ameixas ou marmelos e até amoras silvestres e podia tudo ser aproveitado para compotas. Claro que é o que tu dizes e outros vão dizer: que na aldeia é só viúvas e velhas e estas mulheres já não se atrevem.
      Mas olha o exemplo da tua mãe, que tem 87 anos?
      Eu comparo isto ao rebusco de prazer. Sim, porque dantes havia também o rebusco de sobrevivência.
      O de prazer é aquele que ainda hoje se faz, quando se passa por por uma aveleira ou nogueira e apanhamos uma avelã ou noz e parti-mo-la para logo a comer e sabe melhor do que as que temos já em casa ou ainda vamos comprar.
      Quem tem prazer em fazer marmelada ou outro doce caseiro, porque lhe sabe bem, fá-lo.
      Quem não tem, se fôr preciso gaba-se no café que não precisa fazer ou porque lho oferecem ou porque tem dinheiro para o comprar.
      A diferença de ontem para hoje, é que hoje há moeda e dantes havia produtos da agricultura para a sobrevivência, mas não havia moeda.
      Não houvesse moeda queria ver se não aproveitavam tudo o que a natureza lhes dá.

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  3. Que lindo texto, Xico, muito doce e cheio de afeto!...
    Amor de mãe e as suas experiências são mesmo cativantes, fortalecedoras!
    Essa Marmelada deve ser muitíssimo gostosa...
    Abração

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    1. Olá Anete!
      Um doce tem de ter carinho, personalidade, um cheiro de estórias antigas que na sua doçura, cheiro e sabor, os olhos fechados vejam passar vidas, afagos e beijos.
      Beijinho.

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  4. Para mim ... a marmelada da minha sogra era a melhor do mundo!
    Obrigada pela belíssima partilha e bj

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    1. Eu estou dividido entre dois amores, a da minha mãe e da minha sogra, ambas divinais, mas como diz a Paula que a da mãe é a melhor do mundo, talvez ela e a sua mãe tenham razão, sendo que mantenho a minha, porventura por um carinho mais especial.
      Se todas as discórdias fossem assim, o mundo era uma doçura...
      Beijinho,Gracinha.

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  5. Que linda e tão convidativa marmelada por aqui...Adorei! E também gostei de tua poesia por lá!Obrigdaão! abração praianos,chica

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    1. O doce vem da alma e a poesia, solta, do coração.
      beijinho, amiga.

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  6. Uma história "deliciosa" que gostei bastante de ler.
    Adoro marmelada.
    Um abraço e boa semana.

    Andarilhar
    Dedais de Francisco e Idalisa
    O prazer dos livros

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    1. Bem-haja, mas delícia, sim o seu olhar que fala sem palavras...
      Um abraço.

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  7. Que delícia. Vou estar atenta a ver se descubro as tais borboletas.
    Beijinhos

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  8. Basta olhar para o lado e algo de inesperado pode aparecer.
    Ainda hoje (juro que real), coloquei um pequeno vaso de rosas no parapeito da janela e veio uma borboleta branca cheirar...
    Se juntar o amor de mãe e a delicia...que mais podemos querer?
    Beijinho.

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  9. Chico seu texto é tão doce quanto a marmelada que sua mãe faz, senti essa doçura do começo ao fim, senti em forma de amor e de carinho, pela maneira que ia discorrendo a receita, minha imaginação foi tomando forma, e me pareceu ter vivido essa cena, de sua querida mãe preparando esse doce, acho que, seja devido a minha mãe também fazer o doce de banana em calda, o melhor do mundo, aí temos estorias parecidas, tanto de doces , como de afetos. Confesso que me emociono sempre quando recebo o carinho dos meus filhos, e também quando vejo o carinho de outros filhos por suas mães, como esse que você deixou transparecer no seu lindo texto, em cada frase, por sua mãe.
    Beijos.

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    1. "...discorrendo a receita...".
      Soltamos apenas a Alma, nao é Fátima?
      Aquando ela se abre, traz consigo memórias de tantas coisas, afetos, lágrimas e doçura.
      Para mim, o melhor doce do mundo, é sem dúvida o doce de mãe!
      Um beijinho doce.

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  10. Boa noite Xico,
    Adorei o diálogo com a sua mãe e como sempre apreciei o seu modo de escrever e até as palavras pronunciadas de um certo jeito que também conheço lá da minha aldeia;)! Muito genuína a senhora sua mãe.
    Eu que nada sei de doces, este ano (acho que foi a segunda vez) fiz marmelada baseada numa receita da net. Ficou razoável. Mas, pela descrição da sua mãe descobri o segredo para a confeção de uma boa marmelada. Primeiro o açúcar em ponto de estrada (isto sei o que é) e só depois a polpa dos marmelos.
    Agradeça por mim à sua querida mãe por ter desvendado este segredo e a si agradeço também por ter partilhado a receita!
    Um beijinho para si e outro para a Paula.
    Ailime

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    1. Boa noite, amiga Ailime.
      Sabe, a quase perfazer oito anos este blog, temos de continuar atentos àquilo a que nos propusemos, preservar a autenticidade de quem traz num livro aberto, os carreiros de uma vida.
      Querendo ser populista, diria de forma maneirinha que esta recita serve para apenas adoçar, mas não...
      São beijos dos antigos que á sua maneira velha tanto misturam, por nós!
      Beijinhos de mim e da Paula.

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