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sábado, 16 de janeiro de 2016

O marrano

" Em Janeiro, um porco ao sol, outro no fumeiro"



Quando alguém precisava emprenhar uma das suas porcas parideiras, pedia a alguém da aldeia que tivesse um porco adulto não capado para alugar. Era um ciclo anual vindo de tantas gerações em que por vezes se fazia mais que meia légua a pé, conduzindo por caminhos escombrosos a porca que estava aluada a partir dos cinco meses e que por sinais da "serventia" inchada tal como as tetas, "pedia que a chegassem" ao marrano. Por vezes, mais que uma ou duas tentativas, pois meio século atrás, em Forninhos poucos tinham porcos de cobrição, tirando e quando tinham, os Matelas e o tio Bartolomeu; tinham de recorrer a aldeias vizinhas como Dornelas, Matela e o lugar do Pontão Vermelho, entre outras...
Depois de emprenhada, o tempo era curto como reza o ditado: "três meses, três semanas, três dias e três horas porcos fora, pois se bem souber contar quatro meses vai achar".
Nascida a ninhada que poderia chegar a dezena, havia que rezar para não vir a moléstia e dar cabo deles, coisa não rara e seria uma desgraça nenhum escapar, pois passadas as quatro semanas havia que os capar.
Muita vez acontecia sem saberem o nome da doença e tal combater; resignada a mulher do lavrador dizia que tinha sido a moléstia, que havia que se fazer. Dava-lhes o mal, ficavam com manchas vermelhas por altura de Abril e por vezes em Setembro, tal como a ninhada, a progenitora também ia para a um valado e coberta de terra, por vezes para gáudio dos ciganos que por ali passavam. Uma desgraça, mesmo, lá se ia a Feira Nova e o rendimento...
Restava remediar o mal e olhar em frente e comprar para criação entre os vizinhos mais chegados ou ao tio Aníbal de Valverde que por ali aparecia na sua camioneta com porcos de boa raça, mas caros.  
O mestre capador da aldeia era o saudoso tio Armando Castanheira, sendo que de vez em quando aparecia um senhor gordo, das bandas de Lamas que se fazia apresentar pelo toque da sua gaita.
A coisa tinha de ser bem feita, pois se o porco ficasse mal capado, a carne aquando abatido, ficava amarga e era uma vergonha ouvir dizer que o animal era roncalho e ninguém lhe pegava. Nem os donos...
Muitas das vezes corriam perigos, tal como um capador que no acto, mal se deu conta de a porca arrombar a porta do cortelho ao ouvir o ganir do filho e de boca aberta e dentes à mostra o correu mais de uma centena de metros. 
Coisas passadas, agora pouco resta de um ou outro cortelho, quanto mais de porcas parideiras e marranos! 
Sobrevive um ou outro roncalho.

Muito já se escreveu n' O Forninhenses sobre a tradicional matação do porco e desmancha, por isso convido os leitores a clicar AQUI, AQUI e AQUI

28 comentários:

  1. É verdade, a seguir à matação logo começavam a tratar do próximo. Daí o ditado "um porco ao sol, outro no fumeiro" e há quem acrescente: "...e a dormir no cortelho para cevar o ano inteiro", pois o porco de ceva era tratado durante todo o ano, sendo a sua alimentação à base dos produtos da terra: legumes e cereais cozinhados em grandes panelas de ferro.
    Mas será que foi no nascimento dos porcos que nasceu o ditado "E Janeiro fora, mais uma hora, e hora e meia há-de achar quem bem souber contar"?
    Para já, sublinho "Dava-lhes o mal, ficavam com manchas vermelhas...por vezes em Setembro...". Agora percebo melhor o porquê de numa população rural onde o porco era fundamental para a alimentação das famílias antes que surgisse alguma doença que levasse à morte do bácoro antes da matação, as pessoas prometessem ao Santíssimo que lhe ofereciam uma chouriça ou uma peça do porco (cabeça, chispes, etc.) se ele não adoecesse.
    Do tio Armando Castanheira lembro-me bem, mas giro, giro, devia ser esse outro capador que também vinha de vez em quando à aldeia capar porcos e tocava a sua gaita. Coitados dos porcos, se calhar tal como as pessoas também já conheciam o som da tortura deles!
    Tenho pena de não recordar o som da gaita do capador e também do cheiro dos torresmos dos ciganos que vinham/passavam por Forninhos ;-)

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    1. Sem menosprezo para com as tuas palavras que louvo e comungo, deixa que realce a importancia do marrano, como era conhecido na nossa terra. Tinha de facto o seu grande valor da procriacao e por tal procurado por aldeoes que levavam junto a ele as leitoas "aluadas", as mesmas que quando paridas e a sorte corresse, lhes dariam muito sustento depois de vendidas, tal como o vinho, batata, milho e algum azeite.
      O vender de uma parelha de porcos numa feira, tinha muito que dizer, pois muitos anos atras, eram tocados pelos montes ao som do "reco, reco..." para nao ficarem pelo caminho e chegarem "aprontados".
      Se um negociante achasse que o porco nao fora capado ou mal capado, o seu valor baixava e nao compravam a parelha.
      A minha mae contou que certa vez levou duas parelhas para a Feira Nova, mesmo com os porcos por capar, pois o tio Armando Castanheira estava doente. Subiram a serra apeados por horas e esperancados num bom negocio.
      Por debaixo da taberna que estava no alto das lages, era o local da venda do "vivo", o poiso dos negociantes de gado que batiam todas as feiras das redondezas.
      Houve dois destes homens que me disseram ser da serra que gostaram do ganau, mas era pena que nao estivessem capados pois nao vinham a procura de marranos pois sendo a venda feita por parelha e embora as leitoas com bons lombos, nao se fazia o negocio.
      Aceitou a minha mae e lancou o desafio.
      " Na falta do capador, sou eu que os vou capar em vez de os dar...".
      Certo que melhorou o tio Castanheira e ainda os castrou a tempo de tais serem apresentados quinze dias depois na feira em parelha.
      E valeram bom dinheiro, se bem que os negociantes justificaram que o marrano era para reproducao das porcas das porcas e se fosse para criacao, tal nao valia a pena.
      Manter um marrano, dava muita despesa e pouco lucro, alem de que os lavradores que os possuiam, eram incomodados a qualquer hora da noite ou dia, a troco de algum dinheiro ou mantimentos.
      Talvez e por tal, os capadores fossem aparecendo por aqui ou acola, ao toque de gaita!

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  2. Um texto muito interessante. Meu pai comprava os porquinhos pequeninos, e graças a Deus nunca morreu nenhum. Ele comprava sempre dois. Também me lembro de quando ia o capador, e de ouvir dizer isso de que se fosse mal capado a carne não se podia comer.
    Quando atingiam o tamanho. meu pai matava-os, depois de nos mandar sempre para casa dum tio, porque nós ficávamos com pena dos bichos, e o meu pai, dizia que por causa da nossa pena os animais levavam muito mais tempo a morrer. Um ficava para nós. Parte era salgado, faziam-se rojões que se conservavam em banha, chouriços que se punham no fumeiro. O outro meu pai vendia aos vizinhos para conseguir algum dinheiro para coisas que precisávamos.
    Um abraço e bom domingo

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    1. Recordo, rondaria os cinco anitos os gritos de desespero da minha mae na loja de baixo. Uma para os porcos, outra para as vacas e a outra adega e arcas de cereais.
      Ela, lavradora, estava habituada a isto do parir dos animais, fossem eles de pequeno ou grande porte.
      E passava noites de candeeiro acesso para os separar. Diz que era mais facil tratar de vaca parida do que dos porquinhos, pois vinham muitos e havia que os apartar e encaminhar para as tetas da mae, ou pior, que esta nao os esmagasse.
      Um dia houve uma porca que porventura incomodada num repente se levantou e a afrontou de boca escancarada e dentes ameacadores...
      Um ou outro ia morrendo, nao por falta de cuidados, mas...
      Em Dezembro, por norma no dia 26 como era a tradicao, havia a festa que vinha anunciar uma salgadeira bem composta de presuntos e afins.
      E por sobre a lareira, aquelas infindas varas carregadas dos melhores enchidos no fumeiro.
      Sabe Elvira, fui criado neste ritual e por tal nao fico incomodado. Desde pequenito que pegava na corda ou no rabo do porco para "ajudar" e participar.
      Fazia parte da vida do campo.
      Abraco grande.

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  3. ......
    Lá para os meus lados , por volta de 75/76 , devia eu ter 10/12 anos , uma moléstia nos porcos deixou marcas .
    Lembro-me de meu pai chorar.Tivemos de abrir uma vala para enterrar os bichos.
    Aconteceu num ano diferente com os coelhos aos quais de dedicava mais a minha mãe.As doenças dos " bichos" rebentavam com a economia familar .Criavámos para subsistência do lar . Execpto os frangos de aviário que alimentavámos aos duzentos para vender. Das galinhas vendia-se os ovos !!

    Chegavam de Lisboa ,pintainhos do dia ,no voo da manhã,e ,com luz e aquecedores eram colocados num galinheiro , já moderno com aparas no chão água e ração para juntamente com coves darem uns belos exemplares , muito procurados pelos clientes habituais.
    Não me lembro do porco de cobrição , mas sim da cabra ir visitar o "bode" lá do sitio . Serviço pago ao dono do animal.
    Bem queria espreitar " a cena" mas minha avó Maria Flôr de tal " natureza" me impedia. Vi-a sim ser parteira dos
    " cabritinhos" , uma festa prevista com a chegada da lua cheia....

    Na Páscoa era assunto de gastronomia famosa .
    Nisto da vida dos animais , e na minha infância , os gatos
    nascidos ás ninhadas , alguns vindos de outras partes , tinha
    sorte diferente.
    Mortos á nascença para impedir um crescimento descontrolado
    e doenças .Eram deitados dentro da fossa.Com dias de vida.
    A fossa quando cheia era aberta pela noite para da horta, fertilizando o feijão , as abóboras , batatas e ínhame ,assim o cheiro nauseabundo espalhava-se com a aragem da noite.

    Que falta me fez esta "energia" no meu primeiro ano de Lx.
    Ainda hoje estou convencido que quem nasce " no meio da m.."
    dá mais valor á Vida ! Nascer na Maternidade voltada para
    a Avenida e ir aos dois anos, pela mão da mãe , ao super comprar a cenoura ralada e o frango assado...sem o amor e sacrificio dos que cuidaram os rebanhos em noites de trovoada
    é coisa bem menos sentida !!

    Falta dizer que por volta de 79/80 meu pai arranjou
    um veternário e os animais começaram a ter controle da nascença á matança !

    Abraço á Paula e ao Xico e a todos os que participam
    neste blog.Muito frio frio em Lisboa mas o sol espreita.

    Bom Domingo
    MG

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  4. " veterinário" digo .

    As minhas desculpas por alguns erros mas escrevo de improviso
    e não sou escritor profissional. Passaram 25 anos depois dos
    90 valores na PGA ,no " Filipa de Lencastre " , no Arco do Cego, em Lisboa ...escrever faz-me adoçicar os sonhos e as
    vivências de outros tempos !! De que orgulho e com os quais
    me indentificarei até morrer !!

    Abr
    MG

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    1. Memorias, amigo Antonio.
      Quem porventura pense que reviver o passado tem um cheiro depreciativo, que se engane.
      Por aqui nao residem fantasias, antes pelo contario factos reais que se procuram e antes de publicados, certificados pelas palavras de honra de quem tais testemunhos presta. Bem haja a eles!
      A matacao do porco, para quem podia, seria porventura a festa maxima a segui ao Natal.
      Recordo muito bem como a coisa era feita por nela participar. O ajuntamento pela manha dos mais proximos, familiares e amigos.
      Mas para mim neste post, pretendo relevar a origem das origens ate aqui se chegar...o porco da cobricao e o que passavam os lavradores ate verem fecundadas as suas esperancas de um bom aprovisionamento e alguma misera riqueza.
      Os meus avos e meus pais, depois da matacao, num prato punham um bocado de carne e uma morcela e mandavam que fosse levar aqui ou acola. Ia, claro. Entrei em casas de terra batida e recebia um grande louvor sob a forma de castanhas piladas.
      A partilha!
      Abraco.

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  5. Cada animal tinha uma função própria, uma utilidade e um destino traçados previamente. Mas aqueles cuja função era garantir a alimentação à família durante todo o ano, o seu destino desde o dia em que nasciam ou eram comprados (ainda leitões) aos vendedores, adoecendo era um enorme prejuízo para a economia caseira!
    O Xico tem razão, sorte tinham os ciganos! Apareciam em Forninhos, como que adivinhos, quando tinham morrido com a doença alguns porcos. Então, desenterravam-nos, lavavam-nos muito bem lavados e aproveitavam as partes da carne que lhes convinha para cozinhar.
    Se morriam por altura de Abril era uma desgraça mesmo, mas se morria em Setembro é que era uma desgraceira!
    Para criar um já não iam a tempo, portanto, das duas uma, ou compravam-no já criado ou já não havia matação naquele ano!
    Eram tempos complicados, esses, porque nem sempre (nem em todas as casas) havia porco para matar!

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    1. Havia gentes que os metia a ceva e os soltava na rua sob pena, acreditem de serem multados, mas para tal mostrar o volume do lombo nutrido! havia que valorizar o porco ou a porca. Tambem por orgulho pelo que diziam nas conversas.
      Se volta nao volta trago a minha mae, por sua proventa e respeitosa idade, ainda das poucas pessoas de idade trazer testemunhos vividos de uma vida trabalhosa mas sem fomes. Mas tal como os meus pais "arremediados", tinham as suas tragedias, entre tantas, como morrer a porca da matacao pouco antes . Comprou uma a tia Raquel e um mes depois e ainda bem que o tempo ia frio, rendeu bem...
      Mas lembro bem dos ciganos e sou suspeito por tal, pois escrevi sobre eles e gosto.
      Gente com pe ligeiro, que nos desafiam na liberdade deles e a gente tem inveja.
      Um abraco para esse povo cuja nacao se prende onde se tem o pe.

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  6. Eu sei que na aldeia que vivo e que me viu nascer...também era tradição a matança e toda a fllia a ela inerente...mas sinceramente ainda bem que se perdeu pois eu apenas recordo a gritaria do animal!
    Boa semana amiga

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    1. Compreendo, com as minhas manas era igual. Subiam a ladeira e ficavam encafuadas por elas proprias, em casa dos nossos avos, ate e muito depois do ultimo suspiro do sacrificado. Eu, o "homem" mais velho, embora sem idade escolar, agarrava o rabo , pois nestas coisas do rabo ate ao focinho, tem categorias...
      Mas nao me leve a mal a minha amiga, a porventura folia, mais nao tinha que a alegria de ter chegado a bom porto a ansiedade de quem ansiava por um ano de carne na salgadeira bem administrado nas lides.
      Mas respeito, claro.
      Beijo.

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  7. Já vi essas matanças e lembro dos gritos.Ui! Coitado! Sempr3e legal te ler! Obrigadão pelos carinhos! bjs, chica

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    1. Ola Chica.
      Comemos carne, peixe e esquecemos que todo o material organico, pela simples palavra tem vida.
      O ai que horror, comove, claro, mas assim nao sendo por onde andaria a vida humana.
      Penso eu que nascemos uns para os outros, apesar deste meu post ser um bocado cru!
      Mas pergunto aquando vao ao hiper. Levam animais vivos?
      E depois como calam os gritos...
      Feliz por a ter de regresso, Chica.
      Beijo.

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  8. Um belo texto, uma vez assisti à matança do porco e jurei para nunca mais fiquei demasiado impressionado.
    Um abraço e boa semana.

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    1. Ola Francisco.
      Por altura do final de dezembro, por norma no dia seguinte ao natal, acordava com o barulho de tachos e panelas em alvoroco na cozinha.
      Eram os ultimos preparativos da matacao.
      Cedo aprendi que nascemos para a missao de cada um...tal como a do porco que ajudaria a adiar no nosso sustento, destino igual. A morte e iguais.
      Confesso que por vezes me sentia incomodado aquando sangravam o animal, mas aos poucos e pelo que os mais velhos diziam, aprendi que era a lei da vida, da sobrevivencia e algum peculio para a instrucao dos filhos, caso nao fora, que os animais se tratassem a si proprios...
      Um abraco.

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  9. Xico, gostei de ler "O Marrano"! A matança sempre é acompanhada de gritos fortíssimos! Dói o coração!!
    Gostei da frase: "Restava remediar o mal e olhar em frente..."

    Abraço aos dois, Xico e Paula!
    Boa semana.

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    1. Pois...
      Que dizer Anete?
      Sinto parecer o texto um pouco "rude" mas nao se pode esconder a realidade das coisas. Era assim, acontecia dentro dos pergaminhos ancestrais, aqueles que garantiam alguma seguranca do sustento, sendo que o animal abatido era vangloriado pelo seu contributo.
      Tal como o marrano pela sua dedicada funcao reprodutiva e depois menosprezado aquando velho, mais valia a sua espinha do que carne que a ela se agarrava.
      Deixe e se tal permite que lhe diga uma coisa.
      Jamais na minha aldeia, houve mulher alguma que nao ficasse sentida quando um animal de criacao era abatido.
      Porventura por elas criadas de modo afavel e sabendo de antemao que os seus filhos iriam medrar para a vida.
      Abraco grande!

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  10. Boa noite Xico,
    Fiquei a sorrir. O seu jeito de contar as histórias de Forninhos é muito peculiar e interessante.
    Lá na minha aldeia apareciam varas de porquinhos que eram comprados para engorda e posterior matança. Já era o Dr. Veterinário;)) como dizia o meu saudoso avô que ia capar os porcos.
    A melhor parte para mim era quando o meu avô na chamusca do porco com carqueja seca cortava o rabo e o limpava, dava-lhe uns golpes e dizia para a avó o assar (antes temperado com umas pedrinhas de sal) nas brasas para as três netinhas,)), agora todas bem entradotas!
    A matança era uma festa. Toda a família chegada era convidada e eram três dias de trabalho, bom convívio e as comidas características do evento.
    Ler os vossos artigos traz-me tantas memórias...!
    Obrigada, amigos!
    Beijinhos para si e Paula.
    Continuação de boa semana.
    Ailime

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    1. Amiga Ailime, por Forninhos raro era vir alguem vender porcos para cevar. Eles viriam das feiras, as mesmas aonde as lavradeiras os levavam escorreitos por necessidade, mas nao sendo os mesmos desconfiavam...
      Desconfiar sempre foi apanagio desta gente serrana por coisas vividas, do que ouviam dizer destas negociatas e por tal, recorriam aos amigos e familiares quando depois da maleita, precisavam de comprar um porco para matar.
      Era da terra!
      Valia mais um porco comprado a tia Raquel, que o mais vistoso da Feira Nova.
      Trazia a marca do marrano conhecido do tio Castanheira, sinal de qualidade.
      Um bom marrano e uma genuina porca, iria salvar o ano abundante de vianda, restos e farelos. E claro, a economia familiar.
      O rabo de porco depois do abate, por aqui guardado para domingo magro, era cozido com feijao, mas o mais adorado, a carne da chourica em vinha de alhos...
      Dias e dias, contrariamente as morcelas que eram feitas no dia. E farinheiras e chouricas dos boches, e...
      Tanta coisa que aos poucos se vai perdendo.
      Beijinho, Ailime.

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    2. Eu não gostei do comentário da Ailime, ADOREI! Não é só uma boa achega, é também uma lição para aqueles que deviam ter a responsabilidade de escrever bem a história e memória de Forninhos, uma terra inserida numa parte da Beira Alta onde, que eu saiba, não existe carqueja.
      Na minha meninice os porcos eram chamuscados com palha de centeio e mais tarde era com maçaricos! Quem escreve o contrário, falta à verdade!

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  11. o porco é uma benção para muitas coisas
    abraços

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    1. Muito bem vindo.
      Podemos ver sob ou sobre varios angulos a teoria do porco.
      Por mim e por vivencia, um amigo sacrificado em prol das necessidades.
      Para outros, uma barbarie gritada enquaqnto degustam um naco de presunto.
      Para os meus mais velhos, a saudade de uma irmandade, ritual familiar em que se dava um bocadito aos mais necessitados...

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  12. Xico:

    E acresento o prisma da sopa de entulho ,em que mergulhavámos
    a colher na panela á procura de sustento , do grosso, do alimento, a carne de porco , aquele " adocicado salgado" que
    me alimentava a jornada na " fazenda" , com meu tio Sabino,
    o meu mestre de alinhar os regos, nos poios , para adubar
    e colocar de pé em pé uma semente , um " grelho" de semilha
    enrolado num pouco de "guane" ...adubo de laboratório ?!!

    Só um prato de carne porco sustentava tudo isto , ou outra,
    com feijão e pomada, em copitos doseados de hora a hora...
    A inclinação dos poios obrigava a colocar terra em cima depois de todo cavado..e só depois abrir-se os regos , eu
    á frente , meu tio atrás a acertar os detalhes..
    Um ciência , para a água correr, e a semente adubada , crescer e dar alimento .A 600 metros de altitude ,dava tudo
    um pouco de tudo, tudo o resistisse ao nevoeiro e ao orvalho
    hoje muito falado por causa dos adiamentos dos jogos de futebol, no Campo da Choupana , do Nacional da Madeira.
    O clube dos doutores que foi construir o Estádio junto ao
    lugar onde " a meio dos pinheiros" com as mãos com que escrevo espalhei o estrume de cabra para fortificar a produção.

    Mais tarde a " geração de ouro" passou a ter duas arcas com
    hamburgueres, com mãos limpas , já sobrava tempo para desvaneios..estudos e cinismos !!
    No" meu lugar" , de povoamento disperso , mais pequeno que Forninhos...cinco familias viviam á volta do porco ,que fortificava a labuta da vida !! Melhor que o tempo de meu pai
    pior que a geração " CR7 ",que também os á na minha familia.

    O Porco em dois tempos , era pensado para o Natal.
    O Cabrito num só tempo para a Pascoa.
    Ou seja, num ano alimentava -se duas " pesilgas" de porcos..

    Foi este espirito que me incutiram , foi o heroísmo dos meus
    avós, que me fizeram vencer todos os " assaltos " da vida !
    Semear sempre é o meu lema ..porque a morte é certa , porquê
    esperar por ela olhando para o asfalto...mais vale ter um
    " poio" e semear alfaces, no minimo !!

    Estão a perceber porque gostei de Forninhos , onde nada é igual , pelo terreno , pelo povoamento, pela economia , pela
    água e distribuição geográfica .
    Eu nasci no " campo" voltado para a cidade e para o mar...

    Abraço
    MG

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    1. Amdiro e agradeco asua prosa, Antonio.
      Apenas quem tem um sentimento profundo por uma vida corrida, pode de facto expressar deste modo o que lhe vai na alma.
      Marcas que nao sendo tocantes, feneciam...
      Por vezes basta apenas um resquicio do linguar de outrora para qual Fenix, fazer os nossos antigos renascer das cinzas.
      Um abraco.

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  13. Quando eu leio textos em que o nosso linguajar é protagonista, como é o caso da “matação”; “marrano”; “cortelho”; “roncalho”, "etc." é quando noto mais o desprezo de alguns senhores, intitulados de "Doutos" e "Catedráticos"em relação ao nosso linguajar!
    Vou acrescentar mais um: na nossa terra dizia-se “bácro” em vez de bácoro. Não sei se noutras terras ou regiões a palavra bácoro se pronunciava assim, mas era esta a forma de falar dos nossos avós!
    O Xico é realmente extraordinário na sua maneira de descrever as nossas tradições. Só quem nasceu em Forninhos e viveu estas coisas consegue atingir a grandiosidade da sua escrita e muitos dos termos que emprega. Ele consegue transportar-nos à infância e às vivências de então. Já outros..."Minha Nossa Senhora", para "esses": matação é matança; bincelhos são vancilhos; cepo é madeiro; escanadas são desfolhadas, enxergas são enxergões, etc... etc...
    Somos mesmo um povo pacífico, em relação à nossa terra, aos nossos avós, aceita-se as maiores calúnias, são só aguerridos para os conterrâneos, para os da mesma terra. Pena, pois!

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    1. Paula, agradeco o elogio nao obstante desmesurado.
      Talvez tenha um modo proprio de extrapolar na escrita sentimentos de coisas, vivencias, contos, alegrias e desgracas, mas o nativo de Forninhos, o verdadeiro, daqueles que ainda veneram os seus bisavos e a quem estes mesmos rezavam pelos seus, guardam em si o culto como coisa privada e por tal tanto fica por contar.
      Por vezes pergunto quem era fulano, mas o "pode parecer mal falar..." tolhe a fala mas nao os olhos humedecidos pela saudade e num repente, toda uma vida lhes passa pela frente. E guardam e adormecem uma ou outra palavra aqui escrita que os mais novos lhes comunicam por lerem e com medos de participar pois "parece mal".
      Ou terao porventura vergonha do vocabulario que usavam, o deles, corriqueiro, sem ninguem lhes dizer, o relogio era o sol, o boletim meteorologico as barras de nuvens e o vento, que o tempo contado para saberem quando os animais pariam tinha a ver com a lua...
      Poucos sabiam ler ou escrever, mas fizeram historia honrada em Forninhos.

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  14. Curioso que por aí dizer-se "matação", e por aqui "matança" ou "morte de porco". Assisti a algumas em criança, e acho que a última vez foi por volta dos meus quinze anos, altura em que passou para mim a ser um acto muito difícil de aguentar, com todo aquele chinfrim lancinante do porco. Ajudei a encher muitas chouriças e morcelas, e ainda hoje adoro torresmos e carne de porco, de uma forma geral. E recordou-me que havia também esse hábito de se partilhar um pouco do porco com os vizinhos, que geralmente também ajudavam.
    Nunca tinha ouvido falar de maneira tão pormenorizada acerca do marrano e das suas características.
    Para além dos textos, é também um prazer ler os comentários neste blog !
    xx

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