Era mais um entre muitos, quase ainda nem meninos que, por ali, no largo, íamos cheretear as coisas dos mais velhos nas tardes de domingo. Airoso o Largo, que acomodava almas na sombra da varanda velha, algumas mais do que ela, colhendo porventura os últimos raios de sol das suas vidas, résteas...
Aguardavam o que restava de tempos de outrora. Os jogos domingueiros batidos nas malhas pelos homens, a panelinha, mais pelas mulheres...
Por detrás, na taberna eram batidas as cartas enquanto as mulheres faziam correr o tempo de conversa de regressar a casa e ter a ceia pronta.
E os gaiatos viam o catrapiscar de olhos para a filha de fulano quando pelas quatro horas se armava o bailarico ao toque do realejo e dia maior, da concertina. Um luxo!
Havia mancebos que iam para a tropa e meias envergonhadas, as moças, soltavam os seus suspiros cantigados...
" O Laurindinha, vem a janela, ver o teu amor, ai, ai que ele vai pra guerra...". Houve quem fosse e não voltasse.
Bastava mais um minuto e orelhas encostadas e estava firmado nas bocas do povo o namoro e casamento.
Havia mancebos que iam para a tropa e meias envergonhadas, as moças, soltavam os seus suspiros cantigados...
" O Laurindinha, vem a janela, ver o teu amor, ai, ai que ele vai pra guerra...". Houve quem fosse e não voltasse.
Bastava mais um minuto e orelhas encostadas e estava firmado nas bocas do povo o namoro e casamento.
Ainda hoje nestes bancos de pedra perdura nos mais velhos a saudade vivida ou contada. E contam estórias quando em tal bate a sombra de coisas antigas e actuais, ao ponto de na aldeia lhe chamarem o "tribunal". Gente honesta que aqui ainda vai falando do dia a dia, delas e dos outros. Perderam os locais de convívio, mesmo o mais soberano e enterrado, a Fonte da Lameira que numa pequena aldeia de outrora, triplicava a de hoje. Era uma terra de gentes que no dia santo ou ao domingo, nao aparelhavam o gado, muito menos para carrego, ou na grade ou no arado. Era Dia Santo. Dia de boa comida e pinga que depois da missa e camisa engomada, jantava o melhor que tinha e se ia mostrar na aldeia, na mesma vaidade que ela tinha, com vinte e cinco tostões no bolso, mesmo assim para poupar pois para beber, tal abundava na adega, mas dava para pagar uns quartilhos de vinho, jogados no jogo da malha, ali mesmo, no Largo da Lameira, mesmo em frente a esta taberna do Augusto Marques que alugava as malhas a troco do consumo...
Ou na taberna do Zé Matela, ao chincalhão ou sueca, ate mesmo a bisca dos nove.
As zaragatas por conta dos rebanhos que saltando os cancelos por descuido do pastor iam para as hortas e era um fartote de nabos e couves do vizinho.
Mas das estórias, todas por aqui vinham desembocar.
Mas havia aquelas caladas pelos xailes negros e lenço ao pescoço.
O marido, filho ou genro, tinha partido a "salto" para Franca e derramavam lágrimas num choro apagado que nem o arco da bicicleta que a gente tocava com um arame, acalmava.
Mais atroz na alma das gentes ficaria ao perceberem que tinham partido. E rezavam uns pelos outros..
As zaragatas por conta dos rebanhos que saltando os cancelos por descuido do pastor iam para as hortas e era um fartote de nabos e couves do vizinho.
Mas das estórias, todas por aqui vinham desembocar.
Mas havia aquelas caladas pelos xailes negros e lenço ao pescoço.
O marido, filho ou genro, tinha partido a "salto" para Franca e derramavam lágrimas num choro apagado que nem o arco da bicicleta que a gente tocava com um arame, acalmava.
Mais atroz na alma das gentes ficaria ao perceberem que tinham partido. E rezavam uns pelos outros..
De cima, dos Valagotes, por causa das neves e dos lobos que dizimavam os rebanhos, uma tragédia, os homens haviam partido, os ribeiros que vinham por ai abaixo e tudo inundando, mais do mesmo, a carrinha do doutor não podia passar depois da Matela.
Por tal "... se este largo fosse meu, eu mandava ladrilhar, com pedrinhas de brilhantes...".
Por tal "... se este largo fosse meu, eu mandava ladrilhar, com pedrinhas de brilhantes...".
Neste lugar, cada dia cria uma estória.
Que lindo ler essas belas lembranças e a criançada sempre aprontou e hoje ainda o faz! Legal! abração,chica
ResponderEliminarTempos diferentes Chica, mas muito mais ricos na alegria da vida, pouco bastava, ate mesmo o sacrificio para ser feliz.
EliminarTal se via na alegria sadia da garotada desse tempo...
Abraco.
Xico, parabéns pelo excelente relato -ou deverei dizer, excelente filme?
ResponderEliminarMuito bom! Cheio de cor, de sons, e até de cheiros. Gostei imenso.
Beijo
Obrigado, Nina.
EliminarPor vezes sabe muito bem recuar e recordar os tempos idos.
Uns passamos, outros ouvimos e juntos tentamos transmitir e registar.
O registo do cheiro, marca a profundeza da sua historia, penso eu.
Por tal aqui vamos deixando esses odores e ecos, dos nossos, para todos.
Beijo.
Que interessante!!!
ResponderEliminarBom demais!
bjs
Excelente final de semana
Ritinha
Feliz por ter gostado.
EliminarNa sua modestia, Forninhos foi valente.
Teceu como se fosse linho dos ribeiros, o caracter das suas gentes que devemos honrar, na sua finura humilde, nos seus contos de tenebrosos a airosos.
Boa demais as nossas gentes...
Abraco.
Memórias que relatas com mestria e me encantam.
ResponderEliminarParabéns.
Beijinhos.
Bem haja, Elisa.
EliminarDesta cantinela de saudades deve ter muitas a minha amiga, por vividas ou contadas nos seus tempos de ensino.
As redacoes que escritas no tampo da mesa da escola, cada qual a seu modo, sem fugir ao tema, traziam numa sacoila de memorias precoces, um lapis e uma borracha de apagar.
Fica por aqui a borracha de lado e o lapis que nao parta o bico, pois queremos continuar.
Beijinho grande.
Boas lembranças e relatos altamente reais.
ResponderEliminarAbraços e ótimo fim de semana.
Sempre por aqui, Anete!
EliminarCoisas passadas mas presentes, dos nossos entes que ainda resistem apesar da idade.
Gostam de tal reviver e contar, tal como nos por aqui.
Abraco.
.......
ResponderEliminarPovo que lavras no Rio
Que talhas com o teu machado
As tábuas do meu caixão
Pode haver quem te defenda
Quem compre o teu chão sagrado
Mas a tua Vida não
............
Fui ter á mesa redonda
Beber em malga que esconda
O beijo de mão em mão
Era o Vinho que deste
Água pura , fruto agreste
Mas a tua Vida não
...........
Aromas de urze e de lama
Dormi com eles na cama
Tive a mesma condição
Povo , Povo, EU TE PERTENÇO
Deste-me alturas de incenso
Mas a tua Vida não
..........
A minha vénia a este post !!
Abraço
MG
Letra do grande Pedro Homem de Melo.
EliminarBem haja pela venia que retribuo pelos seus escritos
DINHEIRO
Quem quiser ter filhos que doire primeiro
A jarra onde, inteira, caiba alguma flor!
Ai dos que têm filhos, mas não têm herdeiro!
— Dinheiro! Dinheiro!
Ó canção de Amor!
As noivas sorriem, talvez, aos vinte anos.
Os amantes sonham... Sonho passageiro!
Música de estrelas: Ética de enganos;
Ilusões, perdidas depois dos vinte anos..
E logo outras nascem: Dinheiro! Dinheiro!
Teus pais, teus irmãos e tua mulher
Cercarão teu leito de herói derradeiro
(Ai de quem, ouvindo-os, nada lhes trouxer!)
E hão-de ali pedir-te o que o mundo quer:
— Dinheiro! Dinheiro!
Deixa-lhes os versos que um dia fizeste,
Amarrado ao lodo, porém verdadeiro.
E eles te dirão: — Pássaro celeste,
Morreste? Morrendo, que bem que fizeste!
Ó canção de amor!
Dinheiro! Dinheiro!
Pedro Homem de Mello, in "Os Amigos Infelizes"
Um abraco.
......
EliminarE á volta de "... lágrimas de um choro apagado.."
........
De Fernando Pessoa
"Ó Mar salgado , quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal !
Por te cruzarem, quantas Mães choraram
Quantos filhos em vão rezaram !!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso , ó Mar !
...........
Valeu a pena ? Tudo vale a pena.
Se a Alma não é pequena.
Quem quer passar para além do Bojador
Tem que passar para além da dor
Deus ao Mar o perigo e o abismo deu
Mas nele é que espelhou o Céu .
........
........
Toca-me a mim particularmente esse , pequeno/grande
herói, João de Gouveia , que partiu na imensidão do
Atlântico, junto de centenas de compatriotas, rumo
ao Curaçao , para servir os holandeses nas minas de
gás. Decorria o ano de 1949 . Ganhou um fortuna enviou-a para minha avó e morreu . Os pulmões não
resistiram !! Daí e de lá a minha singela homenagem
aos que quiseram mudar o destino e a Vida !!
Abraço
MG
Podemos dizer que o lugar da Lameira é ”o Rossio de Forninhos”!
ResponderEliminarEra na Lameira, e acho que ainda é, que tudo acontecia. Este lugar foi e será sempre o palco de todas as estórias!
Não sei se esta foto foi tirada no Entrudo, Páscoa ou domingo qualquer...mas já que estamos quase no Carnaval vou falar desta época. Em Forninhos, o Carnaval ou Entrudo como era mais conhecido, vivia-se de forma simples. Havia os Entrudos, mas o que melhor recordo da época carnavalesca é da manhã de Terça-Feira quando os rapazes de Forninhos metiam na Lameira os carros-de-bois de muitos forninhenses que já partiram...
Recordo também as danças à roda, do rancho folclórico da nossa Associação, na altura presidida pelo também já falecido Sr. Zé Teodósio e pelo Sr. Fernando Rocha. Íamos na camioneta do Sr. Teodósio cantar e dançar às aldeias mais próximas, mas o grande final, tarde, já noitinha, de Terça-Feira, terminava no palco da Lameira.
Era no Largo da Lameira que se "enterrava" o Santo Entrudo, um boneco de palha, que era incendiado à meia-noite pelo tio Zé Coelho.
As nossas memórias, estão nesta gente, nos que nos antecederam e nos vivos e é nossa obrigação contar as sua historias, defeitos e virtudes e o autor do post fá-lo muitíssimo bem. Parabéns, XicoAlmeida!
Perfeito: Foto&Texto.
Tanto quanto me recordo, as cores da irmandade continuam iguais, o branco e o vermelho.
Eliminartanto quanto me recordo, sempre imperou acima do orgulho, a camaradagem.
Tanto quanto tanto me recordo, neste Largo publico, se falava, bailava e convivia.
E gozavam uns dos outros no Entrudo, na mesma finura de quando ali passavam as irmandades festivas. As pessoas sabiam ate onde podiam ir e riam... mesmo nas tropelias.
Tens razao, a Lameira era o Palco Centenario em que os jovens eram enchutados para nao perturbar as tabernas com clientela e as vacas que que se iam desaparelhar do carro, carregadas de moscas...
Os maiores "barulhos" por ali passaram sob a forma de ossos partidos, tal como coracoes e tantos maldizeres.
Impressionnte, segundo recordo, o olhar felino das avos para as netas. "Aquele nao valia a ponta de um corno, o seu pai tinha feito isto e isto, da mae, que Deus nos valha...".
E se o tempo foi mudando, de pouco usufrui o Largo da Lameira que continua a andar, andar, na sua solidao.
Um excelente texto, que nos reporta a outros tempos, outras vivências.
ResponderEliminarGostei de ler.
Um abraço e bom fim de semana
E acredite Elvira que gostei de o escrever pois quando dei por mim, estava feito.
EliminarSabe...daquelas coisas que por vezes apetece partilhar quando menos se espera de modo grosseiro e pouco rebuscado.
Ainda bem que gostou e fiquei ao tal reler com saudades felizes desses tempos.
Um abraco.
Já o disse no post anterior, mas vale a pena repeti-lo, o Xico é realmente extraordinário na sua maneira de descrever as nossas coisas. Só quem nasceu em Forninhos, brincou na Lameira e viveu estas coisas consegue atingir a grandiosidade da sua escrita. Ele consegue transportar-nos à infância e às vivências de então.
ResponderEliminarParabéns outra vez.
Fica a promessa de tudo fazer para quando for possivel, tornar a Lameira a nossa Torre do Tombo e ali recolher dentro do possivel um pouco dos pergaminhos da nossa identidade, contados e vividos pelos idosos que restam desses tempos ou por eles ouvidos.
EliminarEste Largo encerra em si tanto misterio desconhecio e estorias mal contadaas ou escondidas por motivos varios.
Porventura e tal, como as mascaras do Entrudo...
Belos tempos
ResponderEliminarUm abraço. Lurdes
Belos tempos Lurdes, tens carradas de razao!
EliminarE boas gentes, mil vezes melhor que agora que ligam pouco a este "lugar sagrado" que era alma da aldeia.
Agora calcetado e morto, sem respeito, ate o jogo da malha morreu.
Ha que trazer o tempo de volta...
Abraco.
Pois é Chico, Essa boa gente já não existe, tudo mudou
ResponderEliminarUm abraço
Boa tarde Xico,
ResponderEliminarOutra pérola sobre o passado de Forninhos.
Como num filme vi passarem detalhes praticamente iguais aos da aldeia onde nasci.
Tempos outros de saudáveis partilhas, de brincadeiras, namoros e o tal respeito pelo Dia Santo, entre outras situações que tão bem ao seu jeito refere. De sofrimento, também. Um acontecimento triste era vivido por toda a aldeia com a mesma intensidade.
Tudo se passava com muita calma, sem o stress dos dias de hoje.
Antes de conhecer o vosso Blogue, tantas vezes pensei em como os meus avós foram tão felizes por viverem naqueles tempos. Não tinham muito, mas na aldeia havia um pouco de tudo e o são convívio era privilegiado, coisas que nos grandes centros não acontece ou melhor acontece mas de uma forma que não me agrada.
O tempo naquela época não “voava”, como agora.
Beijinhos para si e Paula.
Boa semana.
Ailime
Amiga Ailime,
EliminarQuem sabe se um dia nao vou ladrilhar com pedrinhas este cantinho de memorias do meu coracao...
Airoso e menos bonito do que foi.
Pesado por carregar tanto peso de memorias.
Choroso por se sentir magoado e menos honrado.
Ansioso por nao ter divertimentos renovados.
E envergonhado...
Coisa que porventura mais doi.
Como diz a Ailime, o tempo nao voa!
Coisa que incomoda quem pretende que isto ou aquilo feneca nos tempos, mas o sangue fica para a eternidade, tal como tantas coisas aqui contadas.
Por tal espero e ainda acredito, ver no minimo considerado o nivel de embelezamento deste lugar.
E que os detalhes que refere das nossas vivencias voltem a renascer de forma acarinhada.
Sei que estas coisas lhe tocam de forma especial, tal como os seus escritos quando os leio.
Estas coisas nossas "vendidas" para os outros com um aperto de alma, doem...
Beijinho nosso.
Boa tarde
ResponderEliminarÉ com enorme prazer que revivo este lugar “ O largo da Lameira” ao qual me identifico, pois foram alguns anos que por estes lados me deambulei, com amigos e conhecidos.
Este é o largo que em muitas alturas, me foi dado prazer de conviver e afagar com amigos as patranhas que se iam passando no dia a dia, coisas de miúdos.
É na Lameira que tudo acontece. Este lugar será sempre o palco de todos os nossos entretenimento.
Em Forninhos, o Carnaval ou Entrudo, vivia-se de forma bastante alegre, cá na minha forma de ver e sentir, enquanto ali vivi.
Deixemo-nos de” letras” e postar o que é recordar e viver FORNINHOS
Boa noite, Serip!
EliminarNeste lugar, ainda por altura do Natal ali jogamos a malha por cerca de duas horas. Poucos mas bons e que na moda antiga os castigados encostaram a barriga na taverna.
Ja na Pascoa do ano passado, quase os mesmos, demos a volta pela aldeia e partimos uma quantas panelas de barro.
Sem Letras, pois essas, estao escritas nas memorias dos nossos!
O reviver tem a necessidade de ser a realidade, com letras ou sem elas.
O Sentir.
Abraco.
E esse sentir ninguém nos o pode tirar!
EliminarOs letrados é que achavam que podiam, mas enganaram-se porque quem tem sentimentos pela sua terra natal nunca vai usar palavras cirurgicamente trabalhadas, não vai dizer que vai aquecer-se no madeiro abrasado, vai sempre dizer que vai até à Lameira, ao Cepo!
Um texto extraordinário sobre os hábitos, costumes e diabruras de outros tempos.
ResponderEliminar"Se este largo fosse meu" também traria comigo, certamente, muitas memórias e muita saudade.
xx
Nem imagina o alivio, Laura...
ResponderEliminarVolta nao volta, rumava ao "escrito no vento" e ele nada trazia.
De si!
Ainda bem que esta de volta ao seu largo com pedrinhas de brilhantes...
Um beijo, minha amiga.
Nem imagina o alivio, Laura...
ResponderEliminarVolta nao volta, rumava ao "escrito no vento" e ele nada trazia.
De si!
Ainda bem que esta de volta ao seu largo com pedrinhas de brilhantes...
Um beijo, minha amiga.