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quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Num dia de Reis, meio século passado...


"...E prostrando-se, adoraram-No; e abrindo os seus cofres ofereceram-lhe oiro, incenso e mirra" (Mateus 2,11).

"Quando tinha 19/20 anos, houve na nossa Terra, um dia de Reis Famoso.
À volta de uma viola e guitarra, junta-mo-nos uns sete ou oito: o Sr Pe Matos, eu, o infelizmente já falecido coronel Fernando, e, entre outros, penso que o Luis Carvalho e, numa noite fantástica de gelo e céu estrelado, iniciamos o nosso cantar dos Reis. Começamos na Matela, terra do Pe Matos. Percorremos a rua principal e toda a gente assomou a portas e janelas com uma satisfação e alegria só vistas na época natalícia daquele tempo. E deram-nos pão, queijo, chouriças, etc. Tinham gosto e prazer em ver, ouvir, participar e dar. Era ainda natal. 
Descendo Ademonte abaixo, por aquela estrada de terra e buracos, chegamos à Pontinha, onde preparamos instrumentos e gargantas para a entrada de surpresa em Forninhos.
Quando chegamos ao meio da rua principal, ao pé da famosa oliveirinha, iniciamos o toque e cantar dos Reis. Na velhinha e saudosa árvore dos editais e outros escritos populares, juntou-se-nos a rapaziada da nossa Terra: lembro-me do António Carau, do António Cavaca, do Adriano e do Alfredo, do Samuel e tantos outros que não consigo recordar. Que todos me desculpem se nesta escrita não sou capaz de os lembrar. 
Na Lameira, mais gente entra na trupe. Com aquela melodia suave e única de Boas Festas e letra adaptada a cada pessoa, tão própria deste dia de Reis, entramos em todas as tabernas e casas que, espontaneamente, se abriam naquela franqueza de dar e bem receber, tão tipicamente nossa, da nossa Beira Alta. 
Passava da meia noite, quando atravessamos o terreiro da Fonte e paramos no velhinho balcão de granito da nossa saudosa escola para ganhar fôlego e reafinar a viola e guitarra. A vara de chouriças e morcelas estava carregada... 
Entramos no Lugar, na taberna do Antoninho Bernardo. Grande cantoria cheia de calor e alegria. E copos...muitos copos...Mas com ordem e respeito, próprios de gente de bem e daquela época tão familiar e intimista, carregada do espírito de Natal. 
No auge da festa, entra, porta dentro, a GNR...apreendeu parte das chouriças, identificou vários de nós, intimidando-nos a comparecer no posto de Aguiar da Beira no dia seguinte...O dia seguinte era o início das aulas para alguns de nós... 
Bem como acabou a festa? 
Os enchidos que escaparam foram comidos noite dentro até às tantas da manhã e sempre com a alegria de festa bem regada. Os estudantes que faltaram à apresentação no posto da GNR, por não poderem faltar às aulas no seminário, pagaram a multa devida, e todos os que foram identificados, entre os quais eu, fomos julgados (mas absolvidos) no tribunal de Trancoso, acusados de desacato e perturbação da ordem pública!!...Até o sr Juiz achou graça e um exagero desapropriado na intervenção policial.!!
Quem teria chamado a GNR?...
Será que ainda há alguém que se lembre deste memorável dia de Reis?

Um Ano de 2016 muito bom para todos, com saúde e paz.
Ilidio Guerra Marques"

Tivemos, assim, o privilegio de receber do conterraneo amigo Dr. Ilidio as janeiras neste dia de Reis. Um belo texto sobre um dia de Reis famoso...

23 comentários:

  1. Um relato muito interessante.
    Um abraço e Feliz dia de Reis.

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    1. Relatos que ajudam a escrever historia.
      Um abraco Elvira e bom ano.

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  2. Uma experiência que jamais se esquece por isso alguém partilhará esse momento!
    É bom recordar!
    Bj amigo

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    1. Momentos que depois de narrados trazem consigo, tal como as cerejas, o abrir da janela da memoria e contributos tao genuinos por verdadeiros e vividos que temos de partilhar, mais nao seja pelo honrar as memorias e "fidalguia" dos nossos antepassados e deixar um testemunho para os mais novos.
      Beijinho.

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  3. Muito bonito este relato de um dia de reis, que como já disse anteriormente só um milagre conseguia instalar novamente a tradição com o espírito de antigamente!
    Mas como é que a GNR ali chegou e consegue levar tal a tribunal?
    Alguém de Forninhos fez o acuso, só pode!
    Fico a pensar que há coisas que de facto nunca mudam em Forninhos...presentemente ainda há gente capaz de tal, por isso, foi com a frase "Há quem diga que para compreender o presente é preciso primeiro conhecer o passado" que nos apresentamos no dia 9 de Novembro de 2009!
    Sei que nos finais dos anos 70, por altura dos casamentos do Entrudo também uns rapazes da nossa terra foram acusados de andar a fazer os casamentos e tiveram de ir ao Posto de Aguiar da Beira prestar declarações porque não eram padres para andarem a fazer casamentos!
    Em épocas remotas nas nossas terras era a Igreja que condenava certas práticas, como as Janeiras e o Cepo de Natal. No livro do Sr. Pe, chamado Luís Ferreira de Lemos, a respeito das "Visitas Pastorais de 1720 a 1825", lê-se:
    "O Pároco faça por extirpar os abusos dos serões e cepo do Natal e os que os cometerem sejam mandados para a tôrre de Viseu e os que derem casa e ajuda condenados em 500 réis que serão pagos na cadeia.".
    Portanto...
    Hoje não tenho oportunidade, mas amanhã vou tentar saber mais sobre esse dia de Reis, junto do meu pai e minhas tias, Margarida e Natália Cavaca.

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    1. E que venham "novas" por a boca ter outra liberdade felizmente, apesar do permanecer em muitos aquele olhar esgazeado de outrora, mentalidades moribundas...
      Dos "Reis" escravagistas que por dentro das suas quatro paredes, faziam a seus modos os cantares saudosos de quando eram adorados por dever, nao por devocao.
      Ja por esse tempo, alguns recebiam o quinhao do dever pela Patria e por tal, nada que melhor que a defesa do estatuto concedido de vigilantes do reino, sem saberem o regime. Bastava receber algo em troca, por felizmente poucos, pois honrados era a sua grande maioria e o que mesmo ladrao, roubava em ambos os lados. Nuns pela ganacia, noutros por ser um ser reles, que ate os pobres usurpava.
      Gentes que abusavam do povo e da sua palavra de honra qu no dever das contas fiadas nas vendas, pediam se tal caso fosse, dinheiro aos vizinhos para nao passar vergonhas.
      Tal situacao era vivida por quem tinha o seu negocio e tal sustentar, fazia judiarias para afundar o concorrente.
      Deste episodio, o que corre passado estes tempos de memorias, foi mais do mesmo.
      A intriga de quem se entregava por interesse ao poder usando os sem poder.
      Os nomes, a aldeia de Forninhos conhece por no tempo condicionarem uma epoca de Natal, de que adiantam panaceias?
      Mortos e enterrados e se algum permanece, moribundo, tem medo da terra fria do cemiterio e ainda bem, Deus perdoe estas palavras pois cortaram tantas alegrias de juventudes pobres mas na medida do possivel felizes em que na sua tacanhez para a cova levam dez reis de mel coado.
      E nas Janeiras?
      " Venha-nos dar as janeiras,
      Ou as queira cá mandar,
      O caminho é bem longo,
      Temos muito para andar".

      Agora no inverno, tomba sobre a vossa campa a trmbeta dos infernos.
      Tiveram tempo!

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    2. As acções ficarão sempre com quem as pratica!
      Hoje já não há a PIDE, mas se ainda houvesse havia gente de Forninhos pronta para o papel,tal como houve há meio século passado!
      Ainda bem que o Tribunal ridicularizou a Guarda Republicana. Fez o inverso daquele interrogatório dos beirões na defesa dos terrenos baldios num posto da GNR e audiência num Tribunal, in "Quando os Lobos Uivam", Aquilino Ribeiro.

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  4. Tenho estado prendido ao seu relato, Ilidio, como que a ventania e chuva que neste momento fustiga as janelas me trazem os rostos e momentos que aqui descreve. Ate o cheiro da enlameada estrada vomitada pelas lamas nesses primeiros dias de inverno rigoroso.
    Deveria eu andar pela meia duzia de anos e recordar vagamente, mas confesso que pouco recordo do acontecimento a nao ser o troar de cantorias pela noite adentro e as risadas na adega do meu saudoso pai de alegria, tal como iria continuar nas outras na farra pela noite adiante. Coisas de gentes simples, honestas e camaradas que ao mesmo tempo que se vestiam de visitados se transformavam em visitantes. Todos iguais naquele tempo.
    Ou nao fora bem assim, pois um rebanho tem por norma uma ranhosa...
    Mas confirmo o que o Ilidio descreve sem suspeitas da verdade e por me ter sido descrito tal feito e outros que possivelmente virao um dia. Temos lutado para que a alma de um povo trago de novo o sentimento ao encontro dos seus e quantos mais, maior o conhecimento da sua historia que devemos honrar!
    Ao chegarem junto da Pontinha, o luar batia na geada dos lameiros que apenas os vossos bafos da descida da Matela, toldavam. Um frio de rachar que apenas se acalmou na primeira taberna enquanto as cordas da viola e da guitarra descongelavam e animados foram subindo com o fito na arvore da Lameira (nao na oliveirinha)pois o ajuntamento da terra ia aguardando a troupe bem animada.
    Tanto quando apurei e apesar de pouco, foi uma animacao nos cantares nas portas de muitas familias, a vara com enchidos pendurados e o saco carregadinho de torresmos da nossa bela cozinha e ...
    Siga a danca!
    E seguiu por toda a aldeia ate a festa ser travada. Salazar havia determinado que duas pessoas era um ajuntamento e um perigo para o estado novo. Por tal e sem certezas por haver partido quem por este mundo passou e que aprouve em benesses estes interesses depois da guerra, se tenha aproveitado de agradar a gregos e troianos e passar pelo cidadao exermplar...
    Ate por porventura haver outros negocios.
    Acho que perceberam, ou porventura mais sobrios, depois do Tribunal de Trancoso e sentenca ditada.
    Fosse como fosse, foram momentos impares que jamais e por tal a importancia do registo, se irao repetir numa aldeia dividida, sem alma.
    Bem haja, Ilidio.

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  5. .......
    Notável o pormenor do Juíz achar que tudo aquilo era Natal ! Notável o detalhe da festa não ter terminado mesmo depois da GNR ter ido embora !! Parabéns ao autor ...

    Fala de Luís Carvalho , não sei se é o mesmo que conheci
    por ser amigo do meu ex sogro e visita de minha casa durante muitos anos . Se for, para ele , e ,para todos os outros intervenientes vivos deste momomento delicioso, votos de BOM ANO 2016 !!

    Agarrem numa viola e toca a cantar , a Ditadura acabou ! Pelas minhas contas estamos a falar do final dos anos 60 ?
    Nessa altura , e por esse tempo , tinha medo do medo de
    minha mãe quando meu pai se ponha a ouvir a rádio Argel aos Domingos á noite, com Manuel Alegre !!

    Haveria informadores da " pide" por todo o lado , e ninguém sabia quem eram....podia vir de longe ou estar por perto ?

    Hoje vive-se numa imensa tolerância , por exemplo, quem
    diria que indianos , ou " gente" daquela zona do Mundo ,
    ocupassem uma rua de Lisboa , no fim de ano, com música em
    agudos altos, altissímos , sem transtornos ou violência !!

    "Nós" que em 60 " comemos" o arroz que os indianos deitavam ás galinhas , por teimosia de Salazar , que, por outro
    lado ,impedia a rapaziada de cantar os Reis !!

    Mais um grande momento de História da " Forninhos" do " Dão" ......digo, aldeia do Dão !!!

    Abr
    MG

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    1. De modo simples, permita Antonio, votos de Bom Ano.
      Quase de certeza que a pessoa que presume ser amiga do seu ex sogroa, seja mesmo esta. pessoa culta e educada a quem nao colocaria jamais quaisqueres reparos.
      Tambem ouvi dizer na boca de ex combatentes do ultramar que comiam o arroz do trinca, presumo que a este se refere nesses hediondos anos, tal como na metropole.
      Mas mais hediondo que tudo, o aproveitamento numa pequena aldeia das suas gentes trabalhadoras, privadas no limite de se poderem divertir, conviver, muito menos namorar...
      Tudo pagava taxa, tudo pagava o regime, tudo pagava, como vi em Forninhos, comezainas de coelhos e lebres num cafe e numa taberna pela calada da noite com os agentes da guarda. Peixes do rio fritos levados pelo guarda rios...
      Ainda bem que houve um dia em que a plenos pulmoes se cantaram as Janeiras (relato um pouco romanceado mas bonito) num dia de Reis, no modo antigo e quer queiramos ou nao, deu brado por aquelas serranias efica para a historia.
      Abraco.

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    2. Ola Xico Almeida , Bom Ano 2016

      A rendiçao e a derrota na India começou em Dezembro
      de 1961...e contou - me quem lá esteve , que a comida era do pior arroz ..que os indianos tinham ...

      O massacre e a humilhação deixou marcas até aos dias de hoje....o poderio Indiano perante a pacatez e teimosia de Salazar !! Acabaram aí 500 anos da n/ História !! Estiveram lá forninhenses ....

      Por esse tempo os mais novos , descritos neste post de forma brilhante , eram levados a Tribunal porque cantavam as Janeiras ..aos intervenientes, tiro-lhes o chapéu ! A minha admiraçao...

      Luis Carvalho, dignissimo , já falei dele aqui , nunca me desiludiu !! É o forninhense que melhor me
      conheceu , fora do contexto familiar ....

      Da minha memória , do Fascismo , retenho o tal aspecto da rádio Argel, ao Domingo...o pânico de minha mâe para não termos problemas ...
      ..e claro , todas as histórias do(s) meu(s) avô/s sobre a Revolta da Farinha , a resistência ao Regime , os "pides" , a miséria e o Dominio Inglês que ainda
      hoje se nota em alguns sectores na minha " Ilha" !

      O sr Padre Matos , muito querido entre vocês , desempenhou o seu prelado antes de 89...não tive o prazer de o conhecer ..!?
      Quando ia á missa a Forninhos , não percebia o que dizia o paróco...foram as missas mais rápidas da minha vida..diziam-me, na época, que tinha 4 paróquias a seu cargo ?

      Belo post...e o tempo que já passou...
      Outros problemas ..menos Janeiras , mais insegurança
      menos sabor a cultura e talento !!

      O Portugal que se vai perdendo....mas que vocês vão
      requalificando com uma profundeza inigualável...uma
      simplicidade contagiante , uma ALMA , quente , mesmo
      na escuridão e frieza dos caminhos que levam ao vosso
      " lar profundo lar " . Força !



      Abraço
      MG

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  6. Anónimo1/07/2016

    Bom dia Paula

    Mais uma vez ao fim de tanto tempo estou a dar notícias...
    Quase todos os dias visito o Blog dos Forninhenses por achar que é um blog interessante e cultural, para além de relembrar os tempos em que eu vivia na Matela e frequentava muito Forninhos.
    Hoje ao abrir o blog deparei-me, como se tivesse recuado no tempo...Num dia de Reis, meio século passado…
    … tantos anos passados e lembro-me perfeitamente desse episódio, que ficou marcado nas memórias da minha infância.

    Estando reunidos ao serão, no ambiente quente da lareira em casa do meu padrinho Daniel na Matela, ouvimos no silêncio da noite fria o entoar de cânticos dos “reis”. Terminados os cânticos o meu padrinho abre a porta e surpresa nossa, deparamo-nos com um cenário digno de uma obra de arte: três Reis Magos devidamente caracterizados como tal ( o Belchior o Gaspar e Baltazar), não reconhecemos logo os figurantes que traziam “ouro, incenso e mirra” e boa disposição. Foram mandados entrar e à luz da sala reconhecemos as figuras do Padre Matos ( meu padrinho do crisma); o Dr. Ílidio ( que tenho por amigo) e outro rapaz que não me lembro quem era. Foram recebidos com muito respeito e alegria, habitual daquela casa e presenteados com uma mesa cheia de iguarias. Agradeceram a hospitalidade e entoando cânticos partiram no escuro da noite, percorrendo as ruas da aldeia. Desconhecia a parte final deste dia memorável, mas infelizmente ainda hoje existem esse caciques que nada fazem nem deixam fazer.

    Obrigado ao Dr. Ílidio por nos avivar as memórias, na falta de reis é a tradição que conta e este episódio foi um bom “cântico” de Reis.

    Acho muito bem que a Paula, faça uma pesquisa em Forninhos sobre este dia, é importante estudar a história de uma festa pela necessidade de uma melhor compreensão dessas manifestações e as suas relações com a sociedade em que vivemos

    Votos de um Bom Ano Novo e muito sucesso para o Blog dos Forninhenses.

    José Alexandre

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    1. Obrigada Alexandre por comentar e também pelos votos de um ano bom e sucesso para o nosso Blog.
      A talhe de foice, devo dizer-lhe que gosto de saber que este post que o XicoAlmeida aqui deixou o fez reviver boas lembranças e, melhor ainda, como acho que todos lêem os comentários, quem sabe mais alguém tem algo a acrescentar...
      Sobre...acabei de falar com o meu pai (Samuel) que era, parece, o mais novo da trupe. E, se o Alexandre desconhecia a parte final deste dia memorável, todo o grupo também desconhecia que quando a Guarda entrou pela taberna do Antoninho Bernardo, já antes tinha passado pela Venda do Augusto Marques (pai do Ilídio) por estar aberta fora de horas. Naquela época o infractor, que era o taberneiro, pagava 300$00 de multa e o delinquente, que era o cliente, pagava 150$00!
      Devo acrescentar que todos foram absolvidos e a GNR não ficou bem na fotografia ao ponto de ser ridicularizada pelo Mmo. Juiz. Mas, pasme-se!, à vinda e logo à saída de Trancoso a GNR manda parar a camioneta do Antoninho Bernardo por trazer gente a mais!!! A caça à multa era o pão nosso de cada dia tal como hoje...!
      O dia-a-dia das nossas gentes era condicionado, mas era assim a vida local nas nossas aldeias, como todas as da nossa zona…

      Cumprimentos e um excelente 2016 para si, familiares e amigos.

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  7. Deu bem para imaginar as pessoas a assomar a portas e janelas, em todas essas freguesias, num cantar de Reis, não apenas com voz mas também com guitarra e viola!
    Imaginei o bom pão, as chouriças e o queijo, e o são convívio nessa taberna de Antoninho Bernardo, onde a GNR teria de aparecer para estragar a festa!... Desde quando o cumprimento da partilha e da alegria pode ser considerado desacato e perturbação da ordem pública?!
    Realmente, alguém teve de ter chamado a Guarda! :-(
    Um bonito texto do Dr. Ilídio sobre um Dia de Reis que ficou na memória de quem o viveu.
    xx

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    1. Dia de Reis, um misto de alegria e nostalgia em que reinava porta a porta o mesmo grito gaiato: "Reizinhos, Reizinhos".
      Sempre com o meu canito, termo que adoptei no "meu" alentejo. Tangerinas, doces, figos secos e o amaldicoar de casas que tinham as portas aferrolhadas para os catraios, "corricão, corricão, Deus queira que esta casa caia ao chão". Sem maldade, fazia parte da tradição.
      Mais tarde e crescendo, vim a saber que as casas da aldeia tinham particularidades distintas e recebiam os cantadores de janeiras de forma diferenciada, dependia do estatuto social, como se todos nao tivessemos aquele cheirinho a bosta dos animais. Era a verdade pura, mas filho de pai lavrador, no meu caso e embora estudante sabe Deus com que sacrificio, era olhado de soslaio e eu ralado.
      A minha tribo eram os meus iguais, os pilha galinhas malandros de aventuras que teria de fechar no armario ate as proximas ferias, o resto, era dos grandes, destes que aqui contam coisas de menor grandeza do que aquelas que a gente fazia.
      Mas por vezes ficava rendido nas cordas da guitarra do meu avo Francisco e nas cantinelas oradas a deus Baco do meu pai e amigos por norma na adega e antes que o frio os mutilasse, na cozinha em volta de uma bela fogueira perfumada com um bom enchido na brasa, mesmo que a noite fosse alongada.
      E fui, claro, ouvindo coisas da vida enrolado no quarto contiguo a cozinha, separado por tabuas de pinho.
      Ali nao iria entrar mais do que aqueles que estavam e havendo desordem, seria deles e entre eles, coisa que jamais aconteceu.
      Mas ouvi comentar ali, altas horas, casos de arrepiar, surreais, medos medonhos sobre a vacina dos animais, licenca do carro das vacas, motores de rega e o purgatorio do dia seguinte de as galinhas andassem na rua...
      mesmo assim conviviam fora das quentes muralhas dos seus castelos, num desafio inaudito aos "bufos" da terra, a quem porventura iriam baixar a cabeca poucos dias depois para comprar o petroleo, o bacalhau e farinha. Uma dor!
      Sem ser Dia de Reis!
      Hoje tenho um gozo tremendo em os olhar nos olhos que eles baixam por vencidos. Submissos, sei do que falo.
      Beijinho Laura e bom ano para a minha amiga e quem mais queira.

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  8. Conheço o inédito episódio que tantos anos passados agora veio reavivar a memória, portanto aqui vai um versinho para concluir a história:

    Em tempo em Forninhos
    Aconteceu um coisa sem igual
    Os cantadores das janeiras
    Foram parar ao tribunal.

    Um Ano Bom para todos.

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    1. E a coisa acabou
      No meio duma emboscada.
      Saidos do tribunal
      Numa camioneta de carga,
      Passando por Carapito
      A do Toninho Bernardo
      Que carregava os arguidos,
      Sendo ela de aluguer
      Para gentes e animais
      E muito mais...
      A Guarda estava ferida
      Por sentenca do juiz
      Que deles escarneceu
      Mas de forma educada
      A eles que valiam nada
      Por tal cantorias de alegria
      No regresso que parou
      Se nao erro
      Perto da Quinta do Ferro
      A mando de quem podia.
      Mas ria quem tinha a Coutada
      Camioneta para fretar
      Aqueles mais coitadinhos
      Dizem que o Toninho Bernardo
      Meio dono de Forninhos
      Os havia enganado
      Por entre papas e bolos
      E jarros de alguns vinhos
      Diziam que sem igual
      Os levou ao tribunal
      E um dia lhes chamou tolos.
      Nunca ficava a perder...

      Beijinho, Margarida.

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  9. Boa noite amigos de Forninhos, estiva a ler o texto pensando que era do Xico e no final vi que foi um presente de Reis. Bem merecido.
    Gostei muito dos detalhes sobre a forma como decorreu o dia de Reis de há anos atrás que ficou memorável. Tempos outros.
    Agora e salvo honrosas excepções nada acontece pelo menos nestas terras de cimento armado e poluição.
    Bjs e bom fim de semana.
    Ailime

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  10. Amiga Ailime, noutros tempos.
    Estas narrativas das nossas gentes, alimentam os "nossos" propositos, dar continuidade a pegar em bocados soltos e construir em conjunto com todos os que a tal se propuserem, um belo quadro da nossa aldeia.
    Cada qual a seu modo, de postura ou escrita, partindo ainda por cima de um nativo que jamais sera esquecido na nossa aldeia por ali ter sido ordenado padre e mais tarde deixou a pedido a sua continuidade no exercicio de tal.
    Sei que tem carinho por nos e nos seus propositos em favor dos forninhenses nos vai acompanhar. Uns acreditam, outros nao, mas eu acredito. Tal como ficamos extasiados com os milhares de paginas escritas sobre a sua e nossa terra que nos mostrou...
    Minha querida amiga Ailime, um ano cheio de tudo.
    principalmente do Bom!
    Beijo.

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  11. Xico e Paula, um texto com bonitas lembranças e afirmações! Celebrações devem ser bem cativadas com entusiasmos sinceros!!
    Bom e feliz ano novo!!!
    Beijos

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    1. Bom ano amiga Anete, para si e os e lhe sao mais queridos.
      Para Nos, correu bem. Aguentamos os escarnios e maldizer, levamos mais longe o nome da nossa terra construida sob memorias de gentes de bem. Sobrevivemos.
      Fomos aprendendo que se pode contornar sem sermos fulminados, atacar o inimigo e conquistar amigos novos.
      E por tal aqui estamos prontos e mais preparados para a segunda meia duzia de anos.
      Vontade nao falta!
      Beijos.

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  12. Depois de 50 anos recordar um dia em que um grupo de novos, velhos, e o parco da freguesia Sr. Padre Matos cantavam as janeiras em diversas casas. Foram multados pela a Guarda Republicana numa taberna que não devia estar aberta naquela hora. Foi um alarme naquele povo. Quem chamou as autoridades? Foi quem tinha telefone! Porque naquele tempo só havia 2 o 3 na terra. Foi maldade de alguém que quis levar o Sr. Padre ao tribunal de Trancoso. Naquele tempo só alguns podiam fazer o que queriam.

    VIVA LIBERDADE COM RESPEITO!!!

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    1. E quem tinha telefone, madrinha?
      Duas, máximo, três pessoas!
      Alguém quis humilhar o Pe. Matos, levando-o a Tribunal, é verdade. As pessoas eram e são más. Anonimamente são capazes das piores maldades. Nas costas dos outros dizem tudo e mais alguma coisa. Porque é o meu padrinho de baptismo um dia até me disse, via email, que era bastante criticado por se dar com certas pessoas da terra de Forninhos, por tal se calhar hoje dá-se com outras (que mal conhece, diga-se!) e que a mim sempre me disseram mal dele (também por email), daquilo que conheciam dele de Viseu (não de Forninhos). O tempo é o melhor professor da vida, mas o meu padrinho quando os conhecer vai ser tarde!
      E mais não digo...
      Um grande beijinho, madrinha.

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