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segunda-feira, 28 de novembro de 2016

PARTEIRAS DA NOSSA ALDEIA



Ainda pouco passou do meio século sobre o tempo em que as mulheres pariam em casa, entregues e confiantes nas mãos experientes de quem não sabia ler nem escrever, mas que "acanavam" os meninos na hora do parto.
Ainda hoje se diz que tinham um dom, eram jeitosas para salvar e trazer novas vidas ao mundo e sendo chamadas (curiosamente as pessoas mais idosas e vizinhas), céleres se deslocavam apeadas a casa da parturiente dando ordem de água quente na caldeira da lareira, panos lavados e uma tesoura para depois cortarem o cordão umbilical . 
Apenas isto...e a sabedoria, que ao que consta jamais deixaram perder no parto uma alma,não sendo a tia Luisa que morreu no parto, mas sem culpas, afinal médicos e hospitais, apenas ouviam falar numa terra sem estradas. Tudo ficava tão longe que a vida tinha de continuar nos seus modos ancestrais, afinal eram a prova cabal de sobrevivência e multiplicação.
Muitos dos partos eram feitos na cozinha  por terem as coisas ao dispôr e se o parto demorava, esfregavam uns pingos de azeite para apressar, mas o mais certo era esperar e depois ver se era menino ou menina pois as histórias da barriga para determinar o sexo, eram muito falíveis.  
O maior medo, era que a criança estivesse virada ao contrário, tal como aconteceu com a minha irmã mais velha que não trazia a cabeça bem direita e a vizinha chamada, a ajudar, a mulher do tio Luis Pego, ajudou a que tudo terminasse em bem.  
Houve muitas mulheres em Forninhos que tinham o "dom" e depois do bem sucedido parto, mais tarde a garotada exibia em defesa da sua parteira, o umbigo "bem curado" por ela.
O meu e das minhas irmãs, foi a minha avó Maria da Lameira, mas o meu irmão e com ela já falecida, foi a tia Maria Coelha, avó da Paula, Uma trabalheira, pois verificou-se que eram gémeos e a menina nasceu morta, sendo de louvar que salvou o outro. pela sua mestria e entrega.
Tinha eu dez anitos e recordo como se fosse hoje, chegar junto à porta da cozinha e ver toda aquela azáfama e muito fumo, afinal era Novembro e muito frio; lembro um petiz roxo a berrar, uma bacia e ele a ser enrolado em panos brancos...
Outras houve, tal como a tia Prazeres da Barbeira, mãe da tia Pincha, e a trisavó da Paula, a avó Dulce que segundo perdura nas coisas contadas, era a mestre de "acanar" os rebentos.
Também houve quem não tivesse parteira ao lado. 
A tia Correia que indo buscar o correio ao comboio de Fornos e tal trazia depois da Matança para Forninhos, lhe rebentaram as águas em plena serra, nas Lageiras e ali teve sozinha o rebento e ficou para contar...  

16 comentários:

  1. Antigamente quase toda a gente tinha os filhos em casa. Lembro da minha mãe dizer que ainda bem que não teve os filhos no hospital Se o tivesse feito, ficaria sempre a pensar que lhe tinham trocado o filho, já que meu irmão era muito diferente não só de nós seus irmãos como do pai e da mãe.
    Um abraço e uma boa semana

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    1. Tempos difíceis e contingências do destino.
      O litoral deste país, tinha bem ou mal, estradas e meios mais avançados de entre outros a saúde.
      Agora, os nossos...
      Morriam no "cú de Judas" e renasciam pelas mãos destas parteiras, defumados na nascença e fora inverno, pelo fumo da cozinha que provinha da fogueira de rama verde de pinheiro, das tosses, rezas e mezinhas.
      Hospitais?
      A médica era a parteira, a enfermeira a vizinha do lado, o apoio era de quem rezava já por costume, pois diziam que assim corria bem.
      Nasciamos ao "Deus dará", mas mesmo assim vingamos filhos do mesmo pai e da mesma mãe...até hoje e que me lembre, nunca houve trocas.
      Grande abraço, amiga Elvira.

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  2. ...
    Eis um lapso da minha história de vida : não sei o nome da parteira que me ajudou a nascer. Consta que chegou em cima do momento por culpa de meu pai,atrasou-se perante os sinais da mimha Mãe ! Da lado materno,fui o primeiro ! Enfim ,de pouco me valeu...
    Mais um fascinante momento deste blog !
    Parabéns Xico !

    Abr
    MG

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    1. Boa noite, António.
      Pessoalmente tive a sorte de ter por parteira a minha avó materna,a da foto e com quem dormi atá ela morrer, tinha eu sete anos.
      Mas fui ouvindo na meninice relatos.
      Fulana, pariu o primeiro, a outra teve gémeos, coitados deles, daquele dizem que o pai deve ser outro.
      Mas sempre lhes tiravam "as parecenças...". O nariz, os olhos e as orelhas e contavam os dedos para ver se estavam certinhos.
      Tal não fosse, por ali andava "marosca".
      Boa gente, as parteiras que tais jardineiras plantavam em pouco tempo os gritos felizes da garotada pelas ruas da aldeia,pardalitos à solta...
      Abraço.

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    2. Olá , Xico Almeida :

      Confesso que nunca percebi porque razâo a minha avó materna, Maria " Flôr" , que vivia na mesma casa,não se habilitou a tâo nobre tarefa ..
      Por medo ? Por respeito e responsabilidade...
      Por falta de sabedoria , não foi certamente...!!
      Os animais com a ajuda da lua e dela nasciam noite dentro para nosso delírio. Que belos momentos !!

      De modo que, eu, as minhas duas irmâs e duas primas de "sessenta" tivemos como parteira uma senhora, cujo nome não sei !? Também não sei se foi sempre a mesma parteira ? Anos setenta e oitenta quem veio ao Mundo já não nasceu em casa.
      Perguntas que nunca mais posso responder. As Marias
      já partiram , por um lado , meu pai quase com 80 com incapacidade irreversível,por outro, e os tios estão longe e velhotes, os que viveram nesse turbilhão de nascimentos , um rapaz e quatro raparigas...a vida !!
      Minhas primas nâo se devem interessar por detalhes e questões, passados(as) há 50 anos, digo eu ..

      Andando para trás no tempo o máximo de que me lembro foram as obras . Meu pai meteu "mâos a obra"e partiu tudo .Ficaram as paredes exteriores.Um pedreiro amigo
      para a vida arquitectou.Aí a geração de 60 já comia e
      bebia por seus próprios meios ...Foi uma bagunça ir dormir uns tempos para casa de uma tia...

      Gritos e nascimentos não me recordo de nada ...
      Mais uma vez, parabéns Xico , por esta temática ..

      Abr
      MG

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    3. .....
      .....
      Nada tem a ver com parteiras, avós, tios.
      Mas não resito a esta data : Faz hoje 100 anos, o
      porto da minha cidade foi massacrado por um submarino alemão .Fez mortos entre muita frieza e crueldade .
      A 1 Guerra Mundial decorria , perante a fragilidade no " meu " povo, esquecido pelo poder de Lisboa .
      Desculpem. Mas aqui faz-se HISTÓRIA, por isso, acho, serei desculpado.

      Abr
      MG

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  3. A minha parteira foi a minha avó Coelha, mas sei que durante muitos anos a parteira de Forninhos era a minha trisavó Dulce e depois a minha bisavó Emília.
    Pelas suas mãos experimentes, de muito saber, de experiência passaram muitas crianças nascidas ao longo de várias décadas. À minha avó Dulce as crianças que "acanou" quando a viam, pediam-lhe a bênção!
    Naquele tempo não havia médicos, nem maternidades como há hoje, nem tão pouco havia estradas por onde pudessem ser transportadas as parturientes de então, pelo que o nascimento das crianças tinha de ser resolvido na aldeia e felizmente, sempre com êxito graças a mulheres como as minhas avós.

    Nota minha:
    A minha avó Coelha, Maria de Andrade Coelho, era filha de Emília de Andrade (minha bisavó) e neta de Dulce do Carmo (minha trisavó).
    À minha bisavó Emilia as pessoas também recorriam com os seus filhos doentes para serem "desembaçados".

    Pelo bem que aos forninhenses fizeram, bem-haja às minhas avós por ajudarem, nos momentos difíceis, a quem delas precisou. Bem-haja Xico também por lembrares aqui as parteiras, por mais um artigo que é história da nossa terra!

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    1. Estamos no mesmo patamar no que respeita a bisavó e trisavó, não fossemos primos em 3.º grau. Assisti à nossa bisavó Emília a desembaçar o meu irmão António, de pernas para o ar e barriga untada com banha de porco (unto). Ambas tiveram uma vida longa, julgo que a bisavó Emília, com 96 anos mas a trisavó Dulce, segundo me disseram, ultrapassou os cem anos.
      Memória às parteiras de Forninhos, mais uma estrela para este Blog, parabéns ao autor.

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    2. Não fossem os vossos relatos reais, quem não conhecesse um pouco do profundo viver a seu modo das nossas gentes, pensaria que estes cruzamentos familiares fariam porventura parte de um guião telenovelesco, dramático e de pormenores hilariantes ou burlescos...
      Enganem-se, era mesmo assim, afinal fomos e continuamos todos a ser "primos" na aldeia.
      Mas e tomando de modo sério o papel das parteiras no nosso mundo rural, estas eram a seguir às mães, a continuidade da vida, das mãos delas, calejadas mas macias de amor para a nova vida que "acanavam", o primeiro grito de vida do rebento, era o mesmo rebentar de lágrimas de alegria para elas.
      Vem perfeitinho, o benza Deus!
      Por tal os nomes referidos merecem o respeito de todos, mas muitos outros houve, parece que em cada rua escura, havia sempre um anjo da guarda.
      A parteira!


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  4. Interessante o relato as parteiras, Xico, na minha família os primeiros filhos experimentaram a presença carinhosa delas... Aliás, eu e meu marido tivemos a ajuda da mesma parteira no nascimento, muita coincidência!
    Abração p vcs... Boa 4ª feira...

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    1. Tentei de modo simples prestar uma singela homenagem a quem nos ajudou a trazer ao mundo, que contráriamente ao que se pode pensar, agora vistos na distância eram ruíns, mas não eram, eram felizes e ricos de sabedoria.
      Há quem diga que o destino estava traçado...
      Isso apenas Deus sabe!
      Mas que as parteiras fizeram milagres, fizeram...
      Abraços.

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  5. Boa noite Xico,
    Trouxe um tema que me é muito caro uma vez que também vi a luz do mundo com a ajuda de Parteira e só tenho que agradecer e regozijar-me com a abnegação com que essa e outras grandes mulheres se dedicavam a tão nobre causa.
    No meu caso, com o cordão umbilical enrolado no pescoço ainda tive a graça de um médico chamado à pressa ter vindo da margem esquerda do Tejo completar o trabalho mergulhando-me, pendurada pelos pés, em água quente e fria alternadamente, uma vez que já estava roxa, como me contou a minha mãe.
    Também me recordo de ouvir histórias de tantas mulheres que tinham os seus filhos a caminho das terras de lavoura...
    Outros tempos…
    Beijinhos,
    Ailime

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    1. Boa noite, cara amiga.
      Os seus relatos têm uma intensidade tão real que por um lado comovem e a seguir inebriam. A Ailime fala com alma que solta e abre aquando abre as janelas da sua infância olhando as margens do Tejo. Uma carinhosa confidenteque temos o grato privilégio de conhecer pessoalmente.
      O acima descrito acerca do seu caso, fez-me pensar na sina com que nasci; poucos dias e ser dado como morto, batizado de madrugada e funeral marcado para o dia seguinte. Eram aquelas maleitas e o sr.padre "como eu ia para debaixo da terra" deu-me de acordo com os presente e sua homenagem, o nome dos meus avós... Francisco e António, que ainda hoje carrego!
      Deixe que lhe conte algo.
      Aos dez anos de idade e como conto na "peça", nas ceu o meu irmão mais novo que cheguei a ver naquela cozinha fumarenta, própria do tempo, os tais tempos, com velhotas em corropio, as parteiras, mais que o habitual pois havia uma menina morta, minha irmã.
      Passaram os anos e já em Lisboa nasce a minha filha, numa clinica particular e tudo correu a preceito, não foram doze horas de espera. Se calhar aquele azeite na barriga tinha dado jeito.
      Mais de uma dúzia de anos depois o meu filho.
      Desde a entrada da mãe no hospital até nascer, mais ou menos o mesmo tempo, horas e horas.
      Tinha decidido assistir ao parto e por ali andei autorizado de bata verde vestida com a médica a acalmar-me na simpatia de que se o parto demorasse tinha de lhe pagar o bilhete do concerto do Joe Cocker no Coliseu.
      Fui o primeiro a ver a ver o meu filho a nascer e depois empurrado por todos para dar espaço.
      O pesar na balança, os testes e aquelas coisas todas...
      Tudo asseado, cirúrgico, formal.
      Mas os gritos de alegria das nossas parteiras, senti falta deles depois...
      Beijinho, Ailime.

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  6. Um relato excepcional.
    Mulheres corajosas, pois nunca se sabia o que poderia acontecer.
    Eu e a minha irmã mais velha nascemos com parteiras da aldeia. Eu em Cortegaça e a minha irmã em Ovar. Os outros já nasceram em hospital. 2 em Macau e a mais nova no Andulo, com um médico parteiro.

    A vida era outra, mas bem mais interessante.

    Beijinhos.

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  7. Vivencias, Elisa.
    Coisas marcantes para o resto da vida, mas saborosas.
    Nelas revemos quem nos trouxe e ajudou a vir ao mundo e aquele que vieram antes e depois de nós do mesmo modo por mãos milagrosas destas senhoras abençoadas.
    Tempos bonitos.
    Beijinhos.

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  8. Vivencias, Elisa.
    Coisas marcantes para o resto da vida, mas saborosas.
    Nelas revemos quem nos trouxe e ajudou a vir ao mundo e aquele que vieram antes e depois de nós do mesmo modo por mãos milagrosas destas senhoras abençoadas.
    Tempos bonitos.
    Beijinhos.

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