Quem nunca andou aos míscaros no outono e encontrou uma castanha ou uma bolota que as gaias enterravam? Estes pássaros faziam provisões de castanhas e bolotas que enterravam e as que ninguém achava e as gaias lhes perdiam o sítio começavam a nascer árvores, castanheiros e carvalhos(as).
Então, aqui fica mais um excerto de Aquilino Ribeiro, do Livro a Casa grande de Romarigães, escrito em 1957, tinha o autor 72 anos, que retrata muito bem essa vivência nossa em Forninhos e é a continuidade do post O vento que é um pincha-no-crivo que escrevi na Primavera do ano passado.
"... Também ali perto, por uma tarde fosca de Outubro, chegou um gaio, voejando de chaparro em chaparro, a grasnar mal-humorado como é próprio da raça. No saiote desbotado, as duas pinceladas de azul, azul retinto, fulguravam para que se soubesse que um gaio também é gente dos ares. Trazia no bico uma bolota, um pouco menor que o bolo que o corvo costumava levar à cova de Daniel, mas para ele era mais importante. Dispunha-se a comer a merenda bem amargada, quando deu com os olhos no mariolado vizinho com quem bulhara uma Primavera inteira por causa da gaia, depois sua mulher. Já esse tal, rancoroso e mau, dava jeitos de querer investir, penas riças, garras desembainhadas, a asa possuída de frenesim. Que remédio senão preparar-se para o receber condignamente! E deixou cair a glande. Esta foi bater na face zenital dum velho toro, saltou de ricochete para o lado e aninhou-se muito aninhada num monte de folhas secas e argalhos. Ninguém a via, nem ela via a mais pequena nesga do mundo.
Os dois gaios, depois de trocarem muitos gritos de cólera e darem a sua bicada, mas sem que corresse sangue, despediram-se. O mais rela e pundonoroso pulou ao chão a procurar a sua rica bolota. Procurou, tornou a procurar pincharolando dum lado para o outro e introduzindo por toda a parte, taladas e covilhas, o olho finório e matuto, mas nada descobriu. Soltou duas ou três vezes a sua voz ralhada a conjurar os deuses daquele desaforo, perdeu a paciência. E saraivando, batendo a asa, ainda meio atrida da rixa, lá foi para o outro carvalhal onde havia que pilhar.
A bolota taluda ficara ali muito quieta, muito bem refastelada em virtude do próprio peso, enterrada que nem pelouro de batalha depois de passarem carros e carretas. Que fazer senão deitar-se a dormir? Dormiu uma hora, uma vida inteira, quem sabe?! Um laparoto veio lá de cascos de rolha, rapou a terra, fez um toural, aliviou-se, e ela ficou por baixo, sufocada sem poder respirar, em plena escuridão. Estava no fim do fim?
Um belisco, e do flanco saiu como uma flecha. Era de luz ou de vida? Era uma fonte ou antes um cântico de ave, de água corrente, de vagem a estalar com o sol, dum insecto na sua primeira manhã, música trilada da terra ou das esferas? Era tudo isto, encarnado no fogo incomburente que lhe lavrava no flanco, verbo que acabou por irradiar do próprio mistério do seu ser. (...)
Ora, certa manhã de Outono..."
Da semente se faz a árvore🍁
Que lindo texto esse e vamos valorizar cada semente...Dela se fazem as árvores...
ResponderEliminarLinda foto também!
beijos, tudo de bom,chica
Essa é grande lição deste enxerto!
EliminarA foto já é de 2013, mas todos os anos estas árvores (acho que são carvalhos americanos) nos brindam com cores belíssimas.
Bom domingo, bj.
Não é muito usual ver um Galo voejando de Chaparro em Chaparro, lol
ResponderEliminarGostei de ler
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Bom fim de semana … Cumprimentos poéticos.
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Pensamentos e Devaneios Poéticos
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Não é um galo, é um gaio!
EliminarBom fim de semana.
Peço imensa desculpa. Li mal. Pois claro que é um GAIO.
EliminarEsta minha visão já não é o que era. Mais uma vez deixo as minhas sentidas desculpas.
Belo texto sem dúvida alguma
A foto é lindíssima e o texto interessante demais. O Outono com as suas bênçãos; cuidemos com amor e zelo das nossas sementes... Assim, as árvores e frutos serão os melhores possíveis.
ResponderEliminarObrigada pelo carinho no meu aniversário. Bj
É um belo enxerto, quando o outono é o fim do ciclo natural, Aquilino faz-nos lembrar que tudo se renova.
EliminarAs sementes esquecidas pelos pássaros ou semeadas por nós cidadãos comuns acabam por brotar dando origem a um novo ser.
Beijinhos, parabéns, conte muitos.
Boa tarde de sábado, querida amiga Paula!
ResponderEliminarEstive ausente em tratamento de saúde.
Saudade de passar por aqui.
Hoje com um conto cheio de poemenores interessantes.
As árvores douradas da Europa, de um modo em geral, são verdadeiros cartões postais.
O vento é amigo das sementes, uma maravilha da natureza.
Muito obrigada por partilhar o comfi outonal belo e com mensagem propícia.
Tenha um final de semana abençoado!
Beijinhos com carinho fratermo
Hoje fazem o contrário do vento, para deixarem uma marca, começam pelo grandioso!
EliminarArrancam uma árvore sem se lembrarem que os 30, 50, 70...100 anos que levou a crescer não voltam para trás.
Beijinhos e as suas melhoras.
Bom domingo.
Um belo texto e como eu gosto de ver a natureza "pintada" com as cores douradas do Outono.
ResponderEliminarUm abraço e bom fim-de-semana.
Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
Livros-Autografados
O colorido das folhas é lindo, hoje vemos uma cor e amanhã já vemos outra, qual delas a mais curiosa.
EliminarBom domingo e um abraço.
Que delícia de texto!!!
ResponderEliminarBom OUTONO e um santo domingo 🙏
E tão atual passados 65 anos!
EliminarHoje nas nossas serras domina o pinheiro-bravo, mas tivesse Salazar mandado ocupar esses solos rurais com árvores autóctones hoje, por certo, a questão dos fogos florestais seria outra.
Um bom outono e santo domingo também.
Bj
Que texto interessante. Linda imagem. Das sementes brotam belas árvores. Vamos nós TB semear e apreciar a vida consequente da semeadura. Abraços
ResponderEliminarTem texto novo no
https://kantinhodaedite.blogspot.com
Aquilino tem aqui das mais belas páginas da literatura portuguesa e o outono faz a alegria dos fotografos e pintores.
EliminarAbraços.
Eu adoro castanhas. Já do outono e inverno não gosto nada.
ResponderEliminarIsabel Sá
Brilhos da Moda
Já anda no ar o fumo dos assadores das castanhas porque elas já apetecem.
EliminarO que gosto menos no outono é da mudança de hora (-1 hora).
Bom outono.
Boa tarde Paula,
ResponderEliminarUm texto riquíssimo como só Aquilino escreveu, mas também tem sentido de humor. A dada altura não pude deixar de sorrir.
E da semente asfixiada se fez decerto uma bela árvore!
Obrigada, Paula, por esta pérola de Aquilino.
A foto é lindíssima!
Beijinhos e uma boa semana.
Ailime
Com o conteúdo de "o vento que é um pincha-no-crivo" melhor nos sabe! Nem sempre Aquilino é duro.
EliminarBeijinhos.
Maravilhoso mais este texto do Mestre Aquilino.
ResponderEliminarUm misto de conto ou fábula que nos retém no seu modo beirão, de nos trazer àqueles tempos de outrora em que abundava a passarada, não apenas os gaios, mas os corvos e milhafres, qual deles o mais pimpão, ufanos de ser quem eram, donos da floresta.
Em miúdo, recordo mais as castanhas enterradas, quase a deitarem o grelo fora, isto aquando se ia arrebanhar a caruma para fazer a cama do gado, ou por esta altura dos míscaros, tempos em que as matas estavam religiosamente limpas, se confundir um montinho de terra gretado e no frenesim do agarra, era bolota ou castanha.
Talvez um dia a natureza se volte a compor e venham mais memórias.
Lindo texto!
Este excerto faz-nos mesmo lembrar como nós crianças vivíamos em harmonia com a natureza e com a passarada. Também tive a sorte de encontrar algumas castanhas enterradas pelas gaias ou gaios. Bolotas eram uma raridade por estas bandas. Embora tenha ficado na nossa toponímia o "bocadito do carvalho" (sempre ouvi ao meu pai que houve ali um grande carvalho), acho que não haveria muitos carvalhos na nossa aldeia; meus pais hoje têm 2 carvalhas de grande porte (uma em Cabreira e outra no Lagar da Ribeira) e outra menor na Vigaira, aí costumava ver bolotas. Por isso custou-me ler na monografia, que produtores e tanoeiros escolhiam as melhores tábuas de carvalho para proteger o néctar dos deuses...
EliminarTanoeiros? Pipos de carvalho? Várias gerações viram carpinteiros a fazer muitos, mas de castanho. Carvalhos para fazer leivas e batoques aonde os havia?
Responda quem souber.
P.S- Também temos na nossa toponímia o "Carvalho da Cruz".
EliminarBoa Noite
ResponderEliminarVeio o Outono ...
Caem as folhas...
Ao entardecer ..
Chegou fresquinho ..
Chuva a brotar ...
Rio a subir...
Noite a chegar ...
O Outono a olhar...
Horizontes mais escuros ...
Praia sozinha a chorar ...
Pássaros escondidos ...
Sem - abrigo a chorar ...
Fome e Guerra a espreitar ...
Outono a chegar ...
Serra lá longe a nevar ...
Sintra no horizonte ...
Ilhas a agonizar ...
No Caminho da Beira ..
Fartura e suor para pensar...
Deste Outono não pode passar...
Aquele Amor eternizar...
As lágrimas de minha Mãe .
Continuam a me guiar...
Outono a chegar ...
Boa semana
Abraço
Antônio Miguel Gouveia
Palmas!
EliminarSente-se que tudo está a ficar mais triste, os pássaros vão e as folhas caem, vem o frio, mas os aldeões ficam com a "salgadeira cheia, arcas a abarrotar de mantimento e o pipito atestado", como dizia um Senhor Abade que eu ainda conheci. Mas para os citadinos vêm aí tempos muito, muito, complicados..."Fome e Guerra a espreitar...".
Um abraço.