"Manhã cedo, mal o sol, bravio que nem enxame de abelhas alvoriçado, pulava detrás dos montes, goela forte bradava do alto pináculo da meda: à eira-aaa-aa-a!
Aquilo ouvia-se em grande raio pelo povo e suas abas, como sinos de Toledo.
E logo de cada canto rompiam os malhadores, lépidos e pontuais como quem acode a um toque de guerra.
Calça branca de estopa, para gargantilha um lenço de mulher, esfraldado sobre os ombros por mor de paraganas, sol e moscas, irmãos danados a ferrar, a grenha das pomas a espirrar dos bofes da camisa, uns após outros, enchiam os caminhos dormentes que levam às eiras.
Todos descalços - que nem carne de Ferrabrás aturava pés descalços de sol a sol, na trabuzana - apenas se ouviam suas vozes marulhar àsperas na corrente remansosa da madrugada.
(...)
De chapelão de grande sombra, saiote vermelho e colete de atacadores, mulheres ajeitavam as cuanhas e estendiam mantas a toda a roda para caçar o grão respingueiro.
Outras preparavam a eirada com desatar os molhos e espalhar em carreiras, tendo o cuidado de deixar as espigas bem ao léu, para que se embebedassem de sol - o sol que as criara e agora ajudava os manguais a enxotar o grão para fora dos seus casulos.
E tão breve a palha aquecia, se punham em fila os malhadores.
Era um buzinado de guerra.
À porfia, de olhos no chão moventes em que o sol, já alto, se espojava num delíquio de luz e de fogo, apertavam uns com os outros.
Com luzinhas presas a cada aresta de palha, a eira breve se tornava um caldeirão de cobre a ferver.
Por isso mesmo a manobra requeria olho fino e mão lesta.
Já os olhos, em sua fixidez para a mobilidade, desvairavam.
Mas os braços obedeciam pela ordenança mesmo do vaivém.
E sempre avante!...
O grão lá ia largando, era ver as zagalotadas que acompanhavam o erguer dos pirtigos na palha delida.
Conho, tinha que saltar, para ir ao crivo das cirandeiras, às arcas, à azenha, e volver do forno o pãozinho que, com tanto apego, se pede ao Senhor no padre-nosso."
Que legal! Belo descrição se Aquilino Ribeiro. Adorei e as fotos mostram as mudanças que sempre, fatalmente chegam! beijos, tudo de bom,chica
ResponderEliminarSempre! Nesta altura até já havia duas versões da malha: manual e mecânica.
EliminarBjs, bom fds.
Gosto muito da escrita do Aquilino, retrata muito bem as nossas gentes e tradições.
ResponderEliminarUm abraço e tenha um bom fim-de-semana.
Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
Livros-Autografados
Porque nasceu na nossa região, para mim, é o melhor interpretador do significado da vida rural das gentes da sua geração.
EliminarBom fim de semana com calor.
Em mais jovem cheguei a malhar trigo conforme as fotos mostram. Saudades da minha terra,
ResponderEliminar.
Feliz fim de semana. Cumprimentos.
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Pensamentos e Devaneios Poéticos
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Pois, ainda não foi assim há tanto tempo como parece!
EliminarEu tenho saudades das pessoas das fotos (já quase todas nos deixaram).
Bom fim de semana.
Boa noite de sábado, querida amiga Paula!
ResponderEliminarGosto muito da zona rural, do campo.
O interior nos traz saudades dos familiares que estarão sempre presentes afetivamente em nosso 💙.
Tenha um final de semana abençoado!
Beijinhos
É isso que temos de fazer. As saudades servem para os recordarmos e ainda bem que as sentimos, é porque valeu a pena viver com eles as situações que recordamos.
EliminarBeijinhos e um bom fim de semana.
Não conhecia o provérbio!!!
ResponderEliminarObrigado pela partilha e adoro os olhares!
Bj
É que no dizer do povo "o primeiro dia de Agosto é o primeiro dia de Inverno".
EliminarBj
Que bela narrativa, tem até um que de poesia! Adoro essas histórias acontecidas no campo.
ResponderEliminarBeijos e um bom fds
A leitura nem sempre é fácil devido aos regionalismos ligados ao mundo rural do século passado, mas pelo que viveu (e não viveu) o povo de outrora, vale o esforço.
EliminarNo meu caso, foi um voltar à infância passada em Forninhos e foi-me impossível não pensar nos que já partiram, mas é como se lê num dos parágrafos finais:
"Como há um ano, há vinte, há séculos, a aldeia bárbara saía a campo, morria uns, nasciam outros, o fado de viver passava nela insensivelmente; o homem cumpria a sua missão de filho da terra".
As pessoas passam, a aldeia fica.
Beijos e bom domingo.
Obrigada por partilhar essas historias!
ResponderEliminarIsabel Sá
Brilhos da Moda
Sou eu que digo:
Eliminar- Obrigada Aquilino Ribeiro pelo legado que nos deixou.
Olá, Paula. É muito bom saber das malhas feitas em Forninhos. As mudanças vêm, mas as lindas memórias ficam pra recordar e compartilhar. As fotos estão ótimas no contexto tão bem escrito.
ResponderEliminarO meu abraço neste início de semana...
Obrigada.
EliminarHoje gostaríamos de ter as coisas que foram desaparecendo e às quais só hoje damos valor, quanto mais não seja pelas boas recordações que nos trazem.
Beijinhos.
Escritos do mestre Aquilino que tão bem aqui fazes dele alma.
ResponderEliminarEra garoto e ainda me lembro destes chamamentos para a malha do meu pai descendo lestos e madrugadores, o Ti Carau, o Branco, o Guerrilha, o Ti Esmael, eram tantos de mangual ao ombro para o desafio. Apertavam o lenço ao pescoço, diziam umas palavras, as mulheres nas bordas dos toldos e começava a verdadeira guerra.
Lembro-me de nós catraios irmos atrás das espigas que tinham escapado, no caso do milho, pois sendo centeio ou trigo, não se podia com as malditas praganas, Conho!
Temos de continua a lembrar o que vivemos e divulgar, senão qualquer dia apenas resta às futuras gerações de forninhenses ler os livros de escritores que se inspiraram nestas vivências, como Aquilino Ribeiro.
EliminarBoa tarde Paula
ResponderEliminarNão há dúvida que Aquilino é um Mestre na descrição das fainas da sua terra.
Dá gosto lê-lo, apesar dos regionalismos empregues, o que enriquece ainda mais a sua escrita.
Gostei imenso das fotos que me remeteram à infância, tempo em que as máquinas foram começando a alterar estes belos cenários.
Beijinhos e continuação de boa semana.
Ailime
Acho que estas fotos proporcionam a quem aqui passa uma bonita viagem no tempo e no que ele deixa para trás...
EliminarPor falar em deixar...
Aquilino deixou-nos muitos termos "nossos" que nem os dicionários nem a net às vezes nos esclarecem, acho que terá inventado alguns, num criativismo ímpar.
Beijinhos.
Boa Noite
ResponderEliminarVocês são poetas ..
Escrevem as vossas memórias
Cantam de Alegria
Soltam novas gargalhadas ..
Vocês fazem História
Contam as Vossas Estórias
São Poetas e Escritores
Da Beira Alta soltam sorrisos
Fazem com prazer.
Fazem História .
Abraço
Boa Semana
Antônio Miguel Gouveia
Uau!
EliminarHaja Alegria!
Já dizia Aquilino: O beirão canta sempre, canta na alegria contida do amor e na tristeza recolhida da saudade. O lavrador que é, lavra a terra a cantar, é a cantar que à terra lança a semente, a cantar a recolhe, é a cantar que na eira a desprende para que o grão seja nova semente na terra, no celeiro abundância do rico, na mão a doce esmola do pobre, e no altar o próprio corpo de Deus.
Abraço
Bom fim de semana