O monte lembrava um lençol esburacado.
Se a neve derretera aqui, conservava-se emaçarocada além, à volta de sargaços e tojeiras e onde quer que houvesse farfalha.
O sol, às vezes, vinha uma nuvem e cobria-se.
Mas ele voltava a correr alegre e ruivo pelo mundo, mais bonito que o novilho duma vaca ratinha, ainda mamão, a pinchar o prado.
As águas desciam dos altos tagarelas como nunca, e pelas eiras os passarinhos debicavam, muito grulhas, as espigas esbanjadas pelos palheiros.
Havia nuvens e mais nuvens no céu, brancas, rebolonas, em bandos.
Tocava-as um ventinho repontão, e davam ideia de belros de ovelha, carmeados, antes de enfardar.
O mundo era como Lázaro ao atirar com a mortalha aos quintos.
Por toda a parte, caminhos, matos e árvores, a neve derretia.
Pinheiros e carvalhos, se do lado poente continuavam cabisbaixos e oprimidos pelo seu peso, à outra banda erguiam já ramos desembaraçados.
A morte branca rodara por esta vez.
AQUILINO RIBEIRO
O Malhadinhas
(1958)
Bem sabemos que a primavera já chegou e que o verão está aí mesmo à porta, mas como este ano ainda há neve na Serra da Estrela, o sol ainda está timido, escondido e com medo de dar o ar da sua graça, lembrei-me desta passagem, já que tudo indica que finalmente na próxima semana o céu já vai ficar pouco nublado, o sol vai aparecer e as temperaturas vão começar a subir, para o meio da semana já vamos sentir calor.
A morte branca rodara por esta vez, assim escreve Aquilino nessa obra-prima que é O Malhadinhas.
Lindo texto e linda foto com a neve e esses "buracos do lençol branco"!...Gostei! Lindo fds! bjs, chica
ResponderEliminarNeste mundo consumista um lençol esburacado nada vale, apenas os que conhecem a natureza profunda das coisas o admiram.
Eliminar"Um lençol de admirar" podia também ser o título do post.
Beijos.
Bom sábado, Paula!
ResponderEliminarBonito e poético post... Uma foto bem correspondente ao texto reflexivo...
Que venha o calor para vocês! O clima anda muito diferente em toda parte...
O meu abraço e as gratas lembranças dos nossos encontros aí... 🌷🌸🌺🌻🌹
Mesmo com a primavera fria, o mundo não pára, pois as pessoas(mesmo as das aldeias) não são condicionadas pelo tempo, começa o verão começa a roda viva de acontecimentos, festas e festins...novidades sobre projectos futuros...
EliminarUma minha tia é que costuma dizer que quando Salazar foi para o Governo é que nem as cenouras cresciam!
Um abraço.
Comecei a ler este texto e disse cá para mim isto é parecido com a escrita do Aquilino e surpresa minha no final lá estaca assinado Aquilino Ribeiro.
ResponderEliminarUm abraço e bom fim-de-semana.
Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
Livros-Autografados
O seu vocabulário é único! Por vezes custa a compreender, mas Aquilino descreveu a aldeia e o aldeão dos seus tempos melhor do que ninguém. A sua escrita é inconfundível.
EliminarUm abraço e um bom dia de Portugal.
Digo simplesmente que adorei o excerto do Malhadinhas, porque o mestre Aquilino, que hà muitos anos "persigo", lendo e relendo porventura quase todas as obras dele publicadas, é trazido aqui de forma acertiva ao clima fora de tempo e por outro lado, nos faz recuar nesse mesmo tempo, aos de outrora em que a sua prosa sublime nos fazia comungar quase em êxtase pelo seu linguajar tao próximo que ao ler ou ouvir, pareciamos estar a ouvir contos à lareira nas palavras dos nossos pais ou avós, tal a cumplicidade, sendo certo que a nossa trra também não fica distante das Terras do Demo, nem as nossas costelas que se encostavam aos penedos pelas serranias guardando os rebanhos ou mais abaixo num lenteiro, desmamando um bezerrito acabado de parir.
ResponderEliminarPouco tarde que o lençol se tape de verde e se prepare para o amarelo do verao...e a morte branca se afogue na natureza.
Parabéns!
Ler os livros de Aquilino Ribeiro é viver a nossa língua antes da camioneta da carreira e de tudo o que se lhe seguiu...
EliminarMas, Xico, convenhamos que daquele Malhadinhas de Barrelas, de língua afiada, como a faca que trazia à cinta, todos temos dentro de nós (beirões) um pouco. O sentido de justiça dele é que anda há muito tempo a navegar pelas águas calmas do esquecimento!
À parte o amarelo do verão, a neve, o chuvasco, o frio, o vento, que é "um pincha-no-crivo devasso e curioso" - como escreveu numa outra obra - tudo faz parte do clima que vivemos neste momento. Daí este excerto.
Adorei este excerto de um bom momento de leitura!bj
ResponderEliminarAs suas obras são um primor!
EliminarO Malhadinhas tornou-se uma das mais conhecidas, mas o livro que eu mais gostei de ler, por o saber proibido, foi o "Quando os Lobos Uivam".
Quando Forninhos começou a vender ao desbarato os seus baldios tive de voltar a lê-lo.
E quem agora lê este livro, não pode evitar também pensar nas normas e prazos da lei de limpeza das matas, na forma como Lisboa está de novo a tratar os que vivem nas serranias do interior!
Bj.
Não conhecia, mas gostei de ler.
ResponderEliminarBom domingo!
Isabel Sá
Brilhos da Moda
Não conhecia? Estará Aquilino esquecido? Não creio.
EliminarBom dia de Portugal.
Boa tarde Paula,
ResponderEliminarUm excerto magnífico dessa obra de Aquilino que ainda não li:((! Eu lia mais Eça...
Imperdoável!
Vamos esperar que o tempo mude e que para a semana já possamos ter uns dias mais quentinhos. Já chega de frio.
Beijinhos e continuação de bom domingo.
Ailime
Eu de Eça apenas li e reli "Os Maias".
EliminarQuanto a temperaturas, neste Junho, tenho-me lembrado daquele velho ditado:
"Uma velha em Abril
Queimou um carro e um carril
Uma camba que lhe sobrou
Para Maio a guardou
E um bocado que lhe sobrou como um punho
Ainda o guardou para Junho".
Espantosa meteorologia popular!
Beijinhos e boa semana.
É uma passagem muito bonita de um dos nossos grandes escritores.
ResponderEliminarEstamos à porta do Verão, mas o tempo por aqui parece estar a caminhar para o Natal.
Um abraço e uma boa semana
É verdade, a poucos dias do início do verão andamos entiritados.
EliminarAbraço.
A próposito , ou , talvez não :
Eliminar" Já dei Tanto de mim nestas crónicas e quase tudo
foi apenas solidão . Escrever continua a ser o ato
mais solitário que conheço antes da morte, e sempre
que escrevo pesa-me na alma e nos dedos toda a
solidão do mundo, pois sem ela não compreendo o que
me rodeia,não sou capaz de avaliar ou medir a dor e
a alegria que por ai vai e muito menos os dias
da minha existência....
Eu preciso da solidão para apresentar-me em palco...
........." Duarte Caires "Jornal da Madeira "hoje.
A propósito desta solidão que representa a escrita..
de alguém que não conheço mas admiro !!
De Aquilino Ribeiro . A minha grande lacuna. Não li.
Obrigados pelo " Serviço Público " que prestam.
MG