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domingo, 18 de junho de 2017

Predicados

Na vida social de uma aldeia como Forninhos havia há 50 anos palavras e expressões com um significado que ainda hoje têm o mesmo valor. Exemplo, as palavras "doutor" e "professor". 
Mesmo que não tivessem concluído uma qualquer licenciatura os "doutores e professores" eram boas pessoas, boa gente e isso valia-lhes o respeito da população. Já diz o povo "mais vale cair em graça do que ser engraçada"
Sei que me entendem.
O exemplo do contrário, era judeu ou guinário. De cada vez que se queria dizer que fulano e sicrano era mau, bastava dizer:
- Aquilo é um Judeu!
E estava tudo dito. Pessoa que assim fosse rotulada estava marcada.
Mas para dizer que uma pessoa era mesmo muito má para a mulher e filhos, em geral as grandes vítimas, dizia-se:
- Aquilo é um Rei Herodes!
Se queriam ofender:
- Guinário.
Virá certamente de "sanguinário" e era uma palavra muito usada na minha meninice em Forninhos para designar pessoa que tinha mau íntimo. 


Rei Herodes - Rei da Judeia

Outras palavras muito usadas eram candaugua e corrécio.
A palavra candaugua é formada pelos sons do que devia ser "cão de água" e significa(va) vadio, um corrécio, que gosta muito de vadiar e pouco de trabalhar.
Quando um rapaz vinha tarde para casa ouvia logo essa do candaugua.
- Ah, candaugua, isto é que são horas?
- Seu corrécio!
Mas o que é que este cão algarvio, que segundo se lê na wikipédia até foi muito trabalhador tem a ver com vadiagem?
Não sei. Não encontro a lógica.
Outra:
- Aquilo é que é um valdevino!
Quer dizer também que a pessoa é um vadio, um estroina, que frequentava tabernas...
A palavra monarca também se ouvia como ofensa. Era alguém rude e armado que gostava de mandar, dominar. No feminino significava mulher muito gorda.
Depois vieram os vocábulos introduzidos pela mistura emigrante.
Quem não se lembra daquela célebre mãe a gritar "Michel, tu vas tomber" (Miguel, vais cair) e como o filho caiu: "Ai o filho da p*** que caiu mesmo".
O calão emigrante ouvia-se (e ainda se ouve) nas casas dos primeiros emigrantes regressados. 
Logo chegados de férias, falavam sem cessar das folhas de peia (feuille de paie), que significava o recibo relativo ao salário; dos papiês (papiers), os documentos de legalização como emigrantes; das pubelas (poubelles), os caixotes do lixo. Além dos vocábulos, demos connosco também a saber de cor os departamentos através das matrículas dos carros. O 75 era Paris, 92 ou 94 era dos arredores, 68 Colmar....
Apesar de serem cá apelidados depreciativamente de "avecs", é preciso não esquecer que naquela triste e apagada época dos "senhores doutores" em que, se tanto havia um ou dois em cada aldeia, a emigração trouxe dinheiro e conforto e construiu-se com a vinda dos avecs um linguajar diferente e mais colorido.
Longe vão os tempos em que se inventaram palavras como "guinários".

21 comentários:

  1. Interessante ver e lembrar de tais apelidos e se fosse hoje, tantos problemas teriam com alguns,não é? Valeu! beijos,chica

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    1. É, muitas expressões eram por influência religiosa, hoje ninguém diz "És um Rei Herodes" mesmo que ache que é muito má pessoa, porque se chamar pode ter de responder em Tribunal.
      Beijos.

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  2. Expressões que não conhecia mas farão parte da história da povoação!
    Obrigada pela partilha...bj

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    1. As coisas mudaram e os mais jovens também não sabem que isto alguma vez foi assim.
      Bjo.

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  3. Predicados não passam de meras palavras que na altura definiam o carácter das pessoas, tal como as alcunhas.
    Falo por mim na primeira pessoa do singular e sem ser professor ou doutor.
    Em miúdo, os meus pais, avós e tias, nas minhas diabruras, chamavam-me de negro por andar com o resto da canalha no rio Dão e voltar a casa mais preto que os negros.
    Mais tarde, rapazola, ouvia das boas da minha mãe, aquando chegava já noite dentro, quase madrugada:
    " Andaste até às tantas, seu valdevino, seu estroina, corrécio do camando e por aí a fora...".
    Pessoas haviam que despeitadas, por os seus andarem nas bulhas, chamavam aos outro de guináriose acertas mulheres um nome familiar que me coíbo de dizer.
    Os falsos sempre foram Herodes, tal como a minha saudosa tia Augusta dizia quando se falava desta estirpe: "Conho, mira"!
    E ficava arrenegada.
    Mas o nosso linguajar vai perdendo a nossa autenticidade das mais lindas do mundo, por estrangeirismos baratos e sem sentido.
    Inté!

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    1. As falas mais bonitas do povo não são o francês, mas que alguns vocábulos são engraçados, lá isso são!
      É como "candaugua" também acho a palavra engraçada e é uma pena não haver o feminino da palavra. As raparigas estavam sempre tramadas, neste contexto a ofensa menor até seria "guinária".
      Gostei do "corrécio do camando". Eras pior que o cão do Zé Vaz!

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  4. É verdade, os tempos mudam e com ele, os costumes, os ditados, tem palavras que os meus filhos nunca ouviram falar, e que na minha época eram muito usados, hoje tem coisas que eles falam que parece em grego, rsss.
    Beijos.

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    1. Fátima, mais leitores devem achar o mesmo.
      Os jovens hoje empregam outras palavras, professor é "stôr" por exemplo."Candaugua"pronunciam "cão de água" e esta nova sonorização já muda a forma de falar do povo da mesma aldeia - se é que me faço entender.
      Beijos e boa semana.

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  5. Gostei muito do seu post, Paula. Os predicados e expressões são interessantes demais. Tipo: "mão de vaca", "espírito de porco" e "fulano é maquiavélico"... Gostei dos que citou aqui... As explicações são divertidas e reflexivas... Acho também superlegal os dizeres das regiões brasileiras. No meu NE, por exemplo, diz: "cicrano é abiscoitado" ou " beltrano mangou de mim"... Em outras palavras: abiscoitado=bobo e mangou=riu, ridicularizou...

    Sim, os jovens hoje falam muito por gírias... Realmente, o vocabulário tem "evoluído" bastante...

    Um abraço e boa semana...


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    1. * Superlegais...
      C carinho

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    2. Havia um vizinho meu na minha infância a quem chamavam o " chiloncas".....Nunca percebi porquê...
      Falava alto e sózinho sempre com a mania do jogo da lotaria, que dizia sempre falhar por um numero...
      Tinha medo dele .Mas não fazia mal a uma mosca...
      Parabéns mais um belo post.
      Novo grafismo , light e moderno .Parabéns !!

      Faz esta semana dois anos que vos conheci...
      Obrigado, pela oportunidade.

      De tantas e enormes qualidades deste blog destaco o
      facto de não existir lápis vermelho como no tempo da pide. Em muitos lugares por onde passo existe ainda
      sensura, não se pode dizer o que se pensa, existe a
      tentação de anular quem se revela inconveniente ,quem
      tem poder critico, quem se revela anti-sistema, quem
      procura a transparência, quem não se conforma , quem
      quer debater , tocar nas " feridas" ..
      Quem vive sem a mama dos lobyes e das cunhas...
      Para esses existe muitos predicados .
      E dos muitos predicados que se usa é chamar essas
      pessoas de doentes.Assim ,dessa forma,se tenta anular
      o seu discurso.
      Para cinco pessoas , no minimo, dez, no máximo, eu sou doente e não imaginam o gozo que isso me tem dado
      talvez porque acima de tudo tenho estado do lado dos
      que têm mais razões do que eu de protestar com a Vida.
      Enfim...

      O tempo passa depressa. Pela formula actual falta-me oito anos para a reforma.
      Óbvio que vão alterar A alternância assim o exigirá ?
      Acho que nunca vou parar...só no dia da minha morte.
      Penso muito no desperdício de tempo que nos rouba anos
      de tantas coisas boas que a Vida tem.
      Ás vezes temos de saber escolher e procurar...

      Abr
      MG

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    3. Anete, é fascinante observarmos como até é fácil encontrar, ainda, este património, pois algumas expressões vão perdurando no tempo.
      Abraço.

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    4. António, à classe pobre cabia-lhe toda a desgraça, até a desgraça de serem "chiloncas" e os doentes são sempre de origem e condição pobre, e nunca de condição oposta.

      Obrigada pelo contributo e continue a desfrutar deste espaço que não tem os comentários moderados, para que responsabilidade passe para quem escreve e não fique com quem publica.

      Abraço.

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    5. Obrigado, Paula
      Vou retirar - me por algumas semanas...

      Que Deus Proteja o nosso Portugal de mais incêndios..
      Estou defraudado pelos acontecimentos.
      Estes , sim , são problemas , reais , de um país que
      tarda em reagir ás alteraçõs climáticas.

      Abraço sincero
      MG

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    6. Abraço e boas férias, se fôr o caso.

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  6. Adorei recordar alguns destes predicados e aprendi outros que desconhecia.

    Obrigada pela partilha.

    Beijinhos.

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    1. De nada. É só mais uma viagem pelas entranhas linguísticas do nosso povo.
      Beijinhos.

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  7. Boa tarde Paula,
    Um artigo muito bom e bem interessante.
    Também na minha aldeia se empregavam alguns desses vocábulos!
    Rei Herodes não me recordo de ter ouvido falar!
    Sobre as palavras trazidas pelos emigrantes, na época apercebia-me até pela televisão.
    Uma excelente partilha.
    Beijinhos e bom fim de semana.
    Ailime!

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    1. Pois, na TV passava música francesa e demos connosco também a saber o que eram os bidonvilles, os bairros clandestinos dos arredores de Paris.
      Beijinhos/bom fs.

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  8. Olá Paula.. Na minha infância, nunca ouvi meus pais mencionarem " candaugua"porém,quando alguém não prestava, era chamado de "cão" e se fosse uma mulher era "cadela do brejo",(o que sugere que que no masculino pudesse ser "caundaugua") Eu perguntava pq do brejo? Eles diziam que era abaixo de " cadela".Aqui no Brasil se ouvia dizer,quando o pessoa sofre por qualquer motivo que tem " vida de cachorro ".Hoje em dia já não se pode dizer isso pq os cães são tratados como membro da família, com todas as mordomias.

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    1. Pode ser,"cadeladauga" não soa bem, talvez por isso só os rapazes é que tinham direito ao tratamento por "candauga". Mas o sentido deve ser o mesmo, vadio ou vadia.
      Existem muitas expressões ligadas aos cães, outra: "está cheio de cão" quer dizer empestado, a cheirar mal. Mas isso também era dantes, antes de serem tratados com todas as mordomias.
      Um abraço forninhense.

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