A inquisição foi estabelecida em Portugal, em 23 de Maio de 1536, a pedido do Rei D. João III, em principio destinada a combater a heresia no seio da Igreja Católica.
Com este artigo pretendo melhor conhecer a História e o papel desempenhado pelo Santo Ofício e a mentalidade social da época, bem assim a problemática das divisões então existentes entre cristãos-novos e cristãos-velhos.
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Capa do Processo da Inquisição de Lisboa do Sol. Manuel Nunes |
Pelos Tribunais do Santo Ofício passou um membro do Clero, Paulo Pais, Padre-Cura da Igreja de Santa Marinha de Forninhos, natural de Fornos de Algodres, mas morador em Santa Marinha de Forninhos, o qual foi acusado, em 16 de Abril de 1617, da prática de concubinato, de que se livrou com castigo não averbado no processo em Dezembro do mesmo ano e um soldado, natural do lugar de Forninhos, freguesia da Villa de Penaverde, bispado de Viseu, mas morador na cidade de Lisboa, de seu nome Manuel Nunes, acusado de ter contactos forçados com herejes quando foi feito prisioneiro pelos holandeses e de cujo processo consta apenas a confissão de suas culpas e informações com especial interesse para a sua carreira militar.
Nos processos de inquisição a denúncia era a prova de culpabilidade, cabendo ao acusado a prova da sua inocência. O acusado era mantido incomunicável, ninguém tinha permissão de falar com ele, a não ser os agentes da inquisição; nenhum parente o podia visitar.
Então...
Manuel Nunes era cristão velho, solteiro, sabia ler e escrever e era filho de Pedro Gonçalves, lavrador, e de sua mulher Maria Nunes, naturais e moradores em Forninhos. No processo, constituído por 32 folhas, não menciona os nomes dos avós paternos, por os desconhecer, embora diga que eram lavradores, naturais e moradores em Forninhos. Quanto aos avós maternos, também lavradores, refere que só sabe o nome do avô materno, António Nunes, natural das Antas, concelho de Penalva, bispado de Viseu.
O soldado Manuel Nunes tinha 26 anos de idade a 10.10.1658, quando se apresentou voluntariamente na Inquisição de Lisboa, perante o Inquisidor Rodrigo de Miranda Henriques, para confessar as suas culpas. Da sua confissão constam as seguintes informações com especial interesse para a sua carreira militar: treze anos atrás (1645), embarcara em Lisboa com destino ao Estado da Índia. Chegando à cidade de Goa, quatro meses depois mandaram-no para a ilha de Ceilão para servir como soldado, onde permaneceu cerca de doze anos. Nessa altura, os holandeses acabaram de tomar o que faltava por conquistar da dita ilha e acharam a ele réu na fortaleza de Caleturé (?), aonde foi cativo e levado à cidade de Jacataria (?) aonde residiu onze meses, e por o meterem logo em prisão apertada enquanto não havia embarcações para o passarem à Holanda, foi obrigado dos trabalhos em que se via para melhor ter liberdade a assentar praça de soldado dos ditos holandeses, como com efeito assentou, e recebeu seu soldo nos ditos onze meses acudindo as sentinelas e às mais obrigações como os mais soldados holandeses. Manuel Nunes declarou também “que por alguns meses no dito tempo fez saídas ao campo a pelejar com os mouros, porém nunca pelejou com católicos, nem o determinava fazer, porque logo quando assentou a dita praça declarou que era com condição de não ser obrigado a pelejar com católicos cristãos.”.
Declarou ainda que sendo forçado a conviver diariamente com os soldados holandeses no baluarte da cidade onde viviam, assistia todas as noites às “suas rezas e orações”, embora não as entendesse nem participasse delas. Disse também que nesse tempo “comeu carne nos dias proibidos, porque não tinha outra coisa para comer”, etc...
Finalmente, informou que antes de regressar à cidade de Lisboa esteve na Holanda, onde conviveu com todo o tipo de pessoas. Ao longo da sua confissão, refere que nesses anos teve como companheiros outros 11 militares portugueses, igualmente presos pelos holandeses e a quem também serviram como soldados, os quais eram naturais de outras terras portuguesas.
Declarou ser católico praticante, baptizado na igreja de Santa Marinha, do lugar de Forninhos, pelo Padre António Nunes, Cura do dito lugar e já defunto, sendo seu padrinho Jácome de Almeida, do lugar das Antas. Disse mais que foi crismado na igreja de Santa Justa, em Lisboa, pelo Arcebispo de Lisboa.
Considerando que a confissão foi voluntária, estava arrependido e pedia perdão. Limitou-se a sentença de 12.10.1658 a adverti-lo a não reincidir nas culpas confessadas e a manter-se um fiel católico, cabendo-lhe pagar as custas do processo.
(?) Caleture, Fortaleza onde ele este preso antes de ir para Jakarta na Indonésia actual.
Sobe a Guerra Luso-Holandesa (por vezes também referida como Guerra Luso-Neerlandesa):
https://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_Luso-Holandesa
Temos aqui um caso invulgar e rico, de um forninhense que teria ido naquele tempo combater para o Império.
Qual seria o motivo do regresso?
Um homem solteiro como ele poderia ter escolhido ficar na Indonésia ou na Índia já que lá estava ou poderia ter ficado na Holanda onde haveria mais possibilidades de riqueza. No entanto, voltou voluntaria e arriscadamente para Portugal.
2 dias de processo?
Os inquisidores, acho, não tinham como ir a Forninhos averiguar o que fosse em dois dias, quer do seu estado civil (não havia B.I. naquele tempo) quer sobre outros factos da sua vida, mas ele deu-lhes informações suficientes para que fosse meramente advertido e julgado em dois dias.
O padrinho de baptismo, Jacomé de Almeida, das Antas, foi a sua garantia de como era baptizado.
A cristandade sempre usou nomes bíblicos, até hoje, e Jacomé de "Jacobus" é um apelido bíblico.
O Cura que o baptizou, menciona, que já era defunto. Já o sabia quando foi para as Indias ou soube quando regressou?
Mas com isto demonstrou que estava ligado às coisas da Igreja e penso que a sua declaração foi sincera e verdadeira.
Embarcou para as Indias com 13 anos?
Será que recebeu instrução militar para tal?
Desconheço as condições de alistamento na Marinha, ainda mais naquele tempo, mas certo é que Portugal precisava de homens para pelejar nos quatro cantos do mundo e isso era um apelo à aventura sem garantia de regresso.
Nas décadas de 50 e 60 do século passado na nossa terra era normal enviar os filhos para servir nas cidades, como seria no século XVII?
Refere que foi crismado na Igreja de Santa Justa em Lisboa pelo Arcebispo de Lisboa. Haverá aqui alguma relação com o Mosteiro de São Domingos, onde poderia ter recebido instrucção?
Ou teria alguém em Lisboa que o acolhia e protegia da sua vida longe de Forninhos, onde os seus pais ainda moravam?
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Custas Finais do Processo |
À excepção destes dois processos que decorreram na Inquisição de Lisboa e de Coimbra, não passou pelo Santo Ofício nenhum forninhense acusado da prática de judaísmo, mas aproveito para lembrar que a comunidade judaica também teve assinalável presença em Forninhos, pois já vi algures escrito que a freguesia de Forninhos possui marcas cruciformes em ombreiras de portas, só que creio que foram destruídas aquando de alguma reconstrução, pois já percorri Forninhos e não encontrei quaisquer gravações. Mas não digo que não haja, digo que acredito que já não há.
Fonte: Torre do Tombo.