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domingo, 6 de outubro de 2019

Profissão:Cardador

No dizer de Aquilino, que vestiu de capucha o corpo fecundo de Brízida, a paciente esposa do Malhadinhas e de capucha se vestiu Joana, na Serra da Lapa, pastorita eleita para ver Nossa Senhora "a capucha de burel gerada provavelmente em longeva idade a partir do saio lusitano, permanece como vestimenta de generoso uso até ao fechar das portas do século XX. Ciranda com elas mulheres nas voltas do povo, nos caminhos da fonte ou do ribeiro onde vão lavar, na ida à feira quando o tempo se oferece, na rotina do serão(...) As raparigas essas levam a capucha para o monte quando à meia tarde partem com o gado(....) que por lá deixam a pastar. Os homens cobrem-na a desoras enquanto vigiam a vinha antes da vindima, o pinhal armado para a colha da resina ou as àguas de lima nos lameiros".

moça com capucha de burel a cardar lã

Antes que os mais novos pensem que isto são puras fantasias, posso dizer-vos que  tudo isto é verdade; da lã caseira das ovelhas tosquiadas, se fazia a capucha de burel para durar vidas e outra roupa de lã com que os habitantes das nossas aldeias se livravam do frio.
Churra, era lavada. 
Depois vinham as cardas num demorado pentear e, armada em velos, demorava um inverno inteiro a fiar. 
Urdida a teia, "bate-que-bate, luz da candeia, o sono esquecido ao cantar, iam crescendo as varas de pano no tear" (Aquilino Ribeiro).
Só depois vinha o pisão, engenho tosco e primitivo todo armado em madeira, movido pela força da água, em regra dentro de toscos casebres.
Era através deste instrumento que se sovavam os tecidos de lã para ganharem firmeza, pois, quando os panos de lã saem do tear apresentam-se frágeis, com pouca consistência, desfiando-se com facilidade. 
Depois deste tratamento do tecido é que se talhavam as mantas para uso domésticos e os búreis.
Sobre o rio desta terra o Cura de Forninhos, Baltazar Dias, em 1758, não respondeu se tinha moinhos, lagares de azeite, pizoens, noras, ou outro engenho, então fui ler outros documentos antigos, podia não haver pizões, mas podia haver alguém ligado à profissão, um pisoeiro, por exemplo. Quando falamos nestas profissões a nossa mente está mais a pensar no mundo masculino. «Nada»
Mas encontrei um documento que refere um cardador em 1794:
- José Esteves, filho de Inácio Esteves, de Forninhos, Penaverde
O documento não diz se era também pastor ou tosquiador sei que diz:
- profissão: cardador.
Serve portanto, este artigo para lhe prestar a minha  humilde, mas sincera homenagem.
Agora se comprava ou vendia a lã depois de desenriçada, antes de ir ao tear? Eu creio que sim. 
Mas também é possível que tivesse um tear (em algumas casas havia teares) saísse com a trouxa às costas...caminhos velhos...para proceder ao pisionamento e depois batesse à porta de algum alfaiate.
Ao mesmo tempo, também com o apelido "Esteves", entre  1790 e 1795, encontrei 2 (dois) alfaiates de Forninhos:
-António Joaquim Esteves e Luís Esteves.
Isto até podia ser um negócio de família(?)!!
Sendo assim, o cardador, José Esteves, podia muito bem ir até Dornelas, porque o Cura de Dornelas, José de Campos, sobre o rio respondeu como transcrevo: "Tem em si vários engenhos como são pizões, moinhos, lagares de azeite." 

12 comentários:

  1. lINDA HOMENAGEM E ESSA UMA PROFISSÃO QUE QUASE NÃO MAIS A VEMOS! GOSTEI DE LER! INTERESSANTE! bjs, chica, ótima semana!

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    1. E que existiu desde a Fundação do Reino de Portugal!
      Há documentos que referem que em 1145 os cardadores recebiam um morabitino (que foi uma moeda de ouro cunhada no Reino de Portugal) por cada 12 côvados de pano "cárdeo" que cardassem.
      Tanto quanto sei Forninhos nunca homenageou um cardador, mas por acaso (só por acaso) ainda é possível ver uma pedra com uma cavidade com as dimensões do côvado e por ela, com certeza, se aferiam as medidas que traziam os comerciantes e feirantes de panos, fitas e linhas.
      Poucos dão atenção a este legado.
      Bjs, boa semana.

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  2. Bem interessante sua partilha e muito bom saber um pouco mais!!! Bj

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  3. Houvera um sacrário sagrado para guardar memórias nossas, ouvidas quase esquecidas mas por aqui lembradas, daria tantas noites ao serão... hàbitos e modos de "cardar" a vida, nomes agora nomeados no morrinhar das cinzas invernias, numa calêndia de telhas a rugir e a lembrança das moças de capucha e...trabalhavam noite adentro naquilo que era proveito. Adorei o texto. A Paula sabe como poucos inserir nos seus estudos e pesquisas o mestre Aquilino. Parabéns!

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    1. Gosto de aqui o referenciar porque exprimiu nos seus livros a verdade e dureza regional, usando muitas vezes termos "nossos" e também pela sua luta contra a ditadura.
      Aquilino era um escritor daquela têmpera...

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  4. Boa tarde Paula,
    Uma bela citação de Aquilino a corroborar as suas palavras num excelente artigo sobre costumes de então.
    Muito se trabalhava naqueles tempos em que tudo era feito manualmente com engenho e paciência.
    Talvez por não serem tão frias as terras onde nasci não me recordo do uso das capuchas, que penso serem característica da vossa região.
    Um artigo muito bom, como referi no início, que me fez ir pesquisar sobre alguns termos.
    Sempre a aprender por aqui.
    Beijinhos,
    Ailime

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    1. Também costumo fazer uma "visita" ao Dicionário.
      Estou a reler(na diagonal) “Príncipes de Portugal, suas grandezas e misérias” e uma passagem já me fez pensar num novo post.
      Bom fim de semana.

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  5. Uma bela e interessante homenagem, aproveito para desejar um bom fim-de-semana.

    Andarilhar
    Dedais de Francisco e Idalisa
    O prazer dos livros

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    1. Obrigada, igualmente.
      A mim só me causa uma certa estranheza a profissão cardador não ser mencionada na "monografia de Forninhos". Vá-se lá saber porquê?
      Os entendidos na matéria que se debrucem sobre o assunto...
      Um abraço.

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  6. Muitíssimo interessante o artigo, aprendi com o que li através da sua bonita homenagem.
    “Cardador”, uma profissão admirável!
    Com carinho e um bj...

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    1. Em tempos idos havia muitas profissões e eu gosto de escrever sobre estas artes aldeãs.
      Bj, boa semana.

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