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domingo, 2 de julho de 2017

Educar à antiga

Dantes no seio da família havia poucos afagos à vista, passar as mãos pela cara das pessoas queridas para acariciar ficava mal...havia amor, mas era um amor seco. O afecto era reflectido no facto dos pais garantirem aos seus filhos, condições de vida melhores ao já herdado dos seus pais (e para isso quantos suores e privações!), estudos...e respeito.
Vale a pena citar Aquilino Ribeiro:

minha família paterna

Eu sou de família em que as donas se assentavam em esteiras. 

Muito amor e poucos afagos. 
Nunca conheci as blandícias e a variadíssima bichinha-gata da ternura civilizada. 
Na aldeia, para acariciar, não passeiam as mãos pela cara das pessoas queridas. 
Semelhante ordem de meiguices são prerrogativas da gente urbanizada.
Para o camponês o rosto é sagrado; tabu; não se lhe toca.
Sempre assim foi, de resto, através das idades...

AQUILINO RIBEIRO (1948)
Cinco Reis de Gente, um livro sobre a memória dos primeiros anos de vida do autor até ao seminário, quando em pequeno, lhe prometeram o lugar como sacristão nas igrejas de Lisboa "...que, por modos eram cargos muito rendosos, pacíficos de todos...sem a mais pequena quebradeira de cabeça...".
Como sabem, o caminho para o seminário foi para muitos pequenos o fim da meninice, o fim da liberdade nas tardes dos dias grandes passadas pelos caminhos à lei da natureza. 
Os padres e a família achavam que podiam traçar um caminho diferente com a ida para o seminário. Se fizermos uma sondagem, quase todos, senão todos, os que foram para o seminário, recordarão que seguiam esse caminho por influência de um padre amigo da família. O meu pai, por exemplo, foi seminarista nesses moldes.

17 comentários:

  1. Era assim noutros tempos.
    Um abraço e bom domingo

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    1. Pelo menos até às últimas três/quatro décadas!
      Abraço, boa semana

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  2. Era bem diferente mesmo! Bom ver as transformações! bjs, chica

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    1. Também não me vou pronunciar se para melhor ou pior, é o que foi e é o que é.
      Beijos.

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  3. Há publicações em que sentimos o tal "nó na garganta" e ficamos parados no tempo à espera que as palavras apareçam sozinhas num simples comentário, como que fugindo ao passado. Olho a foto e dos sete, sobram quatro, quanto ainda baste para dar continuidade a uma família nobre e honrada e que tenho o orgulho de ter por familiares.
    Também fui educado um pouco nos moldes descritos, mas não me queixo, pelo contrário, talvez por afortunado.
    Ralhar sim, muitas vezes tal me fizeram e se calhar mais mereceria, bater nunca (não sendo umas bordoadas por espancar um pequeno rebanho e foram merecidas) nem a mim nem aos meus irmãos.
    Claro que não havia aquelas meladices de beijocar a menina ou o menino por qualquer coisinha, mas havia pormenores que exultavam de afectos; o encobrir uma pequena malandrice, um punhado de castanhas assadas que por magia surgiam do bolso do avental antes de navegar para a moina e como prémio de qualquer coisa dado às escondidas, o primeiro cigarro às escondidas em que fui apanhado pelo meu pai e o modo paternal e cúmplice como reagiu...
    Mas vi muito; modos austeros a roçar e por vezes ultrapassar a dignidade humana que agora percebo, passados tantos anos por terem sido "herdados" na árdua tarefa da labuta diária em que havia acima de tudo que darem o corpo ao manifesto no campo, pois as letras não punham comida na mesa e atrapalhavam quem não sabia ler, a coisa mais comum.
    Tal como Aquilino, tive a "sorte" de ir parar a um seminário, bem caro por sinal e sem tal ter pedido.
    Feita a quarta classe, tinha o destino traçado, o de ir estudar e se de mim viesse um padre seria orgulho para a família e a terra.
    Até hoje sinto que os meus pais fizeram a seu modo o meu destino, por eles no melhor dos propósitos, mas eu, com uma quase dúzia de anos?
    Lá fui a choramingar, olhando para trás os castanheiros com os ouriços a abrir, os amigos a acenar, subindo a estrada com o cheiro da resina dos pinheiros...
    As regras do seminário, para mim habituado à liberdade, levaram a que dias depois tentasse a fuga, mas fui apanhado e aos poucos me fosse acostumando aos desígnios traçados, mais por dever que convicção de modo a que meia dúzia de anos de clausura o reitor me pergunta se já tinha decidido a minha vocação, se queria ser padre e respondi que não ao que ele retorquiu que se tivesse dito o contrário mentia.
    Vim embora!
    Jamais terei palavras para agradecer aos meus pais pela prova que me deram, dura, é certo, mas acho que choraram mais na minha ausência do que eu chorei.
    Um amor molhado!

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    1. Sem dúvida, o amor, afectos, na maioria das casas, eram demonstrados através de gestos como os referidos no 4.º parágrafo. No seio da minha família era exactamente assim.
      Quanto ao seminário, é sabido que os pais orgulhavam-se dos filhos estudantes por virem a ser futuros padres e terem conhecimentos superiores aos da maioria da população.
      Aprecia(va)m muito as grandezas!
      Mas ir para o seminário acabou assim que acabou a organização social tradicional da aldeia, ou seja, quando o padre deixou de ser residente.
      Até pedir ao padre a bênção!
      E quem hoje quer o cargo de sacristão?
      Se nas igrejas de Lisboa "... por modos eram cargos muito rendosos, pacíficos de todos...sem a mais pequena quebradeira de cabeça..." nos dias que correm, em Forninhos, é uma dor de cabeça!
      São tantas as mudanças...

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    2. Convenhamos que em determinada altura, aí pelos meados da década de sessenta e tendo por auge o surto migratório e as remessas financeiras, abrandou a assiduidade escolar, antes e no tempo, conciliadas com as necessidades rurais em primazia. Abrandou a necessidade...
      Os primeiros emigrantes, pouco ou nada ligavam ao gastar de dinheiros mais que suados para orientar os filhos retidos na terra para aquilo que não sabiam nem nunca haviam tido e por tal irem estudar se não fazia "falta"...
      Outros houve que ficaram, porventura por mais afortunados.
      Para estes, muitos dos que haviam partido a "salto" para terras de França, eram a sua mão-de-obra, ao dia ou à geira e tudo se alterou.
      Mandar estudar os filhos com os escassos rendimentos, era quase insuportável, restando para tanto o seminário, mais barato e austero o que poderia permitir a continuidade, não digo da "mania das grandezas", mas de um certo estatuto social.
      Recomendo uma das obras primas de Vergílio Ferreira, "A Manhã Submersa" e nela me revejo num ou outro apontamento, sendo que o "meu" seminário pouco ou nada se comparou por mais evoluído.
      O certo e para finalizar, os lugares de culto ficam cada vez mais vazios, os padres passaram a ter (presumo que em comunhão) os ordenados por pouco abundarem no exercício da "fé", os fiéis pouco aparecem para verem mais do mesmo e sendo assim, vai restando uma ou outra missa paga pelos mais idosos em memória dos que partiram.
      Daqueles que educaram os nossos e a gente foi perdendo ao longo dos anos, não por austera educação, mas por negligência.

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    3. E "Uma luz ao longe" de Aquilino Ribeiro? Também fala de um garoto serrano, que queria seguir a vida eclesiástica, por isso, foi para o Colégio da Lapa, mas passados alguns meses fugiu, porque essa vida não era para ele; e como ele tantos fugiram, tantos desistiram...
      Mas no livro "Cinco Reis de Gente", o autor narra também o trabalho da professora na escola dos fins do século XIX, que considera ser boa para os ricos porque para os pobres só serve para atrasar e roubar tempo.
      E, é óbvio, que quando digo que o padre deixou de ser residente foi porque a população da aldeia diminuiu e obviamente foi a emigração que levou para bem longe muitos paroquianos e quiçá futuros padres.
      E como só estamos a falar do sexo masculino, presumo que foi só para o seminário que "abrandou a necessidade".
      Nas aldeias o ensino estava muito ligado à Igreja, lê-se
      em documentos antigos "que nas freguesias rurais era imposta, aos reitores das igrejas, a obrigação de abrir escolas, começando por ensinar a ler os jovens que lhes ajudavam à missa".
      Sublinho: "os jovens que lhes ajudavam à missa".

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    4. Até digo mais: se não fosse para os filhos terem condições de vida melhores achas que os deixavam ir para o seminário?
      Há um provérbio que diz "o trabalho de menino é pouco, mas quem o despreza é louco". Por isso é que muitos pais nem queriam deixar os filhos ir para a escola primária, pois no fundo estavam a retirar-lhes uma parte da mão de obra que era utilizada para a subsistência de toda a família, mas claro que com o decorrer do tempo os pais mudaram a forma de pensar e até já os deixavam ir para o seminário!
      E, outros se não tivessem tido uns pais que emigraram certamente teriam ido para o seminário também ou a sua vida teria sido outra.
      Na nossa aldeia não havia muitas alternativas!

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  4. Um relacionamento que era mais rígido, sem tantas demonstrações de afetos. As coisas mudaram, muitas pra melhor, outras perderam o rumo... Digo, no sentido de respeito e também de valores, que hoje em dia estão muito largados... Infelizmente! As pessoas são mais egoístas, insensíveis e desrespeitosas. Não sei se me fiz entender...
    Um abraço

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    1. Perfeitamente.
      Reza o velho ditado: "Filho és/Pai serás/Como fizeres/Assim acharás".
      Abraço, boa semana.

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  5. Sim os tempos mudaram, eu tive uma criação muito reprimida, minha mãe era muita rígida, meu pai, já era mais moderno e carinhoso, e pra compensar, criei meus filhos com muito carinho e liberdade. Mas acho que o certo seria o meio termo. mas como se diz, não existe uma cartilha de modelo de criação, então vamos errando e acertando.
    Esse tema Paula tem muito pano pra mangas, e deve sim ser comentado, e afinal faz parte da evolução das nossas vidas.
    Beijos.

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    1. Também acho, mas às vezes hesito em publicar estas matérias (mais pessoais) porque parece que afugento as pessoas.
      Beijos e tudo de bom.

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  6. Boa tarde Paula,
    Sim, é bem verdade que antigamente os afectos eram "calados" e parcos.
    Nos anos sessenta já era um pouco diferente, mas foi coisa que foi amadurecendo aos poucos;))!
    Gostei muito de ver o retrato da sua família paterna.
    Sobre a ida para os seminários, se bem que a entrada dos jovens para lá lhes tirava a liberdade, mas na maioria dos casos era uma forma de poderem estudar uma vez que as famílias não podiam custear-lhes os estudos e hoje são (ou eram) pessoas com uma sólida cultura.
    Um beijinho e continuação de boa semana.
    Ailime

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    1. É um retrato muito bonito de uma família muito sociável que partilhei por ser minha e, assim, não haver incómodos para ninguém. Já se sabe que quando se fala de família...afectos...sentimentos...
      Mas era mesmo assim Ailime, era assim para os pais dos nossos pais e já não foi tanto assim para os nossos pais e menos ainda para nós, os filhos dos nossos pais. E, não foi certamente assim, e ainda bem, para os netos dos nossos pais. Foi aos poucos e poucos....
      E quanto a estudos. Na maior parte das aldeias, não existiam muitos pais com possibilidade de porem os filhos a estudar na Guarda, em Viseu, em Coimbra...por tal os seminários foram sempre uma oportunidade para os habitantes desta região.
      Os seminários são responsáveis pela educação e formação de muitos dos bons quadros do nosso país, porque o seminário era uma escola muito completa e com muitas valências educativas: uma boa formação escolar, muita disciplina, muito convívio com o grupo de colegas, os passeios, a organização desportiva, a piscina e tantas outras valências que nem hoje as escolas públicas têm!
      Beijinhos e bom fim de semana.

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  7. Também fui educada à "antiga" mas agora estamos no outro extremo da educação ... e os conflitos destroem famílias!
    Com peso e medida ... é perfeito!
    Bj

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    1. Nisto como em muitas outras coisas mudámos e já parece que tudo isto aconteceu na "pré-história"!
      Bj/boa noite.

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