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sábado, 1 de novembro de 2014

O cão do Zé Vaz

Quem nao se lembra ainda hoje em Forninhos, do vociferar das mulheres para os seus homens:  "andaste na moina, andaste na borga, és pior que o cão do Zé Vaz".


Num modo de linguajar caseiro, eis a história simples destas palavras julgativas de menosprezo por comportamentos "vadios", embora de sã libertinagem.
O cão, porventura mais delgadito que o da foto e segundo me disse quem o recorda, tinha pelo amarelo escuro. O seu dono não vivia mal e muitos ainda dele se recordam. Feitor do homem com mais posses na aldeia, quatro filhos. Uma freira, um padre, um juiz e um marceneiro.
Mas, relato a estória ouvida. 
Havia uma mulher na vizinha aldeia da Quinta da Ponte que vendia sobretudo na Feira Nova, utensílios de madeira para utilizacão na vida doméstica do dia a dia, gamelas e banquitas, tendo por tal a alcunha de "Gamelas".  
Vinda a pé ou  montada na  burrita, subia em direccão à feira, tendo de passar por Forninhos e o "raio" do cão, esperto e curioso, começou a seguir os passos da feirante, nas quartas-feiras, de quinze em quinze dias. Dias de feira em que ele se "escapava", o malandro. Tal mistério foi descoberto, aquando os vendedores e compradores da feira que iam da terra  o notaram como companheiro por debaixo das mesas de madeira improvisadas,  a abocanhar os restos de ossos e marrã frita.
Um cão com dono, armado em vagabundo aventureiro, mas fino. Chegava a casa satisfeito, pudera!
E segundo consta, enquanto deu para tal, "lá navegava" atrás da tia Gamelas. Um senhor "feirante", sem nunca se perder e voltando sempre a casa!
Embora real, podia dar um bom filme de amor entre um cão e uma senhora que ganhava a vida nas feiras, mas vendo bem tal foi! Permanece na memória e por tal, quando ainda hoje os homens vão a esta feira  no argumento de comprar, na simples mira de petiscar e no regresso tardio, embora complacente, ouvem a ladainha do por onde andaste tanto tempo e a sentença habitual "Não tens vergonha nenhuma a cirandar por aí, és pior que o cão do Zé Vaz"!.

22 comentários:

  1. Superinteressante a história, Xico! Cheia de significados e curiosidades!! Gostei de conhecer...
    O cachorro do Zé Vaz, muito esperto!...
    Um abraço... Boa semana...

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    1. Escrevi de modo digamos, brejeiro em fim de semana.
      Mas o cao, real, traz vivencias do outrora em que ate eles eram livres de andar por montes e vales...

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  2. É verdade Xico, o cão do Zé Vaz entrou no adagiário da terra. "És como o cão do Zé Vaz" ‒ para mim, era um dito que se aplica(va) a todo aquele que tinha o hábito de ir a todas as feiras...das redondezas, claro está, pois em Forninhos não havia feiras!
    Só as havia na imaginação fértil de alguns, mas adiante...
    Ainda se usa em Forninhos, quando alguém, principalmente, mulher, quer recriminar o seu homem ou filho por "correr" todas as feiras e festas.
    Agora, deixa-me que te diga: o seu dono não vivia mal, dizem. Mas o certo é que quando a "Gamelas" da Quinta da Ponte passava por Forninhos, junto à casa do Sr. José Vaz (hoje, casa do Sr. Freitas), o cão ia tratar da vidinha, seguindo até à "Feira Nova", cirandando lá pelas "tascas" dos feirantes, farejando algum osso perdido, ou até côdea que fosse!
    Se a vida corria bem para o dono, para o cão se calhar não corria. Penso eu!

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    1. "Isto" vem muito detras...
      Foi quase numa brincadeira, mas vendo o nome, aceitei o "teu" desafio.
      Se a qualquer momento ainda hoje sai, desabrido da boca o "cao do Ze Vaz", em boa hora podemos aqui deixar este registo, emoldurado por pequenas coisas reais de vivencias da nossa terra, Forninhos.
      Apenas uma nota que hoje mesmo recolhi.
      Este cao acabando a feira, melhor, o repasto, "navegava" para casa seguindo o rasto dos feirantes apeados, mas se alguns paravam em alguma "venda" de comes e bebes, era o ultimo a partir e o primeiro a chegar. A casa do dono.
      Com instinto e sem maroscas, pois ele, "feirante", jamais seria enganado por quem dizia que havia feiras em Forninhos.
      Fosse hoje vivo e com os pergaminhos de quem era seu dono, talvez abocanhasse os calcanhares daqueles visionarios que lhe deram a entender que no Largo da Lameira, haveria ossos...
      Coitado dele!

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    2. Ah, por isso o "és pior que o cão do Zé Vaz!" é pelo regresso tardio!
      Esse cão que com toda a sem-cerimónia entrava pelas "vendas", era bem mais esperto que aqueles que entravam nas casas e iam enfiar o focinho no caldeiro da vianda dos porcos - "com sua licença" - da ceva.
      Um dia ainda tens de escrever sobre aquele outro dito - "és como o Feno" ‒ que se aplica(va) a quem é gastador ou que não pode ter "nada", como forma de não cair na pátia do esquecimento/ou/progresso, mas dado o desinteresse dos forninhenses, deixa lá...não ligues ao que eu digo.

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  3. Aaah "és pior que o cão do Zé Vaz!"...Uma simples história a demonstrar de como um cão com dono e aventureiro pode ficar na história quotidiana de uma aldeia, através das recriminações que as mulheres fazem aos filhos ou maridos.
    O cão porventura até tivesse algumas razões para ausentar-se, quanto aos homens, uns poderiam ter razões, outros não...:-) Bom, o meu marido tem a mania de ausentar-se e não dizer onde vai, hoje quando voltar vou utilizar exactamente essa expressão como recepção de boas vindas! :-)
    Gostei de ler!
    xx

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    1. Tantas vezes por aqui rejeitados pelas gentes de ca, da nossa terra (alguns dos residentes) que pensam que o "Botas" ainda se vai levantar da cadeira, enfim, esta seita ainda existe...tal como o cao do Ze Vaz que corre ao encontro do osso, basta para tal cheirar a carne, que abunda e certo que ao chegar a casa tudo fica perdoado.
      A mulher nao ralha, ele ja vem "comido"...
      A senhora percebe. Na abundancia de incontigentes mentais, um conforto de lucidez ajuda...
      A gente tenta, Laura e eu pessoalmente estou a chegar ao limite de provocar oficialmente pessoas da minha terra.
      Se quiserem, que me levem preso, mas...fico a rir do lado de fora!
      Talvez e mais serenamente, o cao tivesse razao para se ausentar

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    2. O que vale é que ainda não prendem ninguém por gostar tanto da terra onde nasceu, mas que pode ser um grande "estorvo" lá isso pode...

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  4. Toda a expressão tem a sua história mais ou menos perdida no tempo.

    Beijinhos

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    1. Encontrar essa historia...Upa!
      Imagine simplesmente que lhe falam de uma avo que nao conheceu.
      Coisa mais ou menos, duvido...

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  5. Que danado esse cão! E sempre as mulheres sabem bem aproveitar os termos,rs

    Gostei! Tri legal essa história e sempre bom saber mais daí! bjs, chica

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    1. Inverto a historia.
      Salazar, ditador. Falar mal dava prisao.
      Por tal muitas mulheres aproveitavam e provocavam, como algumas ainda...
      Digamos que se fosse real, diria "que danada essa cadela".

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  6. Há sempre um "fundo" verídico nos ditos populares.

    Adorei a história..

    Obrigada pela partilha.

    Beijinhos.

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    1. Bem Haja!
      A Senhora percebeu o "desabafo".
      Coisas de criancas, realidades actuais, claro que com vestimetas a preceito.
      Quanto ao "fundo", a gente vai tentando que venha acima...

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  7. Boa tarde Xico, uma historia assim nunca tinha ouvido contar!
    Esse cão era bem esperto;))! O que ele queria era petisco da feira!
    Não é por acaso que os cães tem cerca de 25 vezes mais receptores olfactivos do que os seres humanos (acabei de ler na Net);))!
    E por isso gosto de aqui vir, porque aprendo sempre mais!
    Obrigada!
    Beijinhos para si e Paula.
    Boa semana.
    Ailime

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    1. Sei que estou devedor por uma ligeira ausencia, mas foi uma semana complicada.
      Permita uma coisa, amiga Ailime. Estes pormenores que aparentam algum brejeirismo, serao porventura o expoente do que nos caracteriza. Um filho ou neto perguntar "porque te chamam o cao do Ze Vaz", fica a saber algo de bonito, saudoso no que parecendo distante e olhando para um cao, podem tal apreciar e respeitar de outro modo.
      Um beijinho grande, Ailime

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  8. Xicamigo

    Foi o Grande Herculano que escreveu Quanto mais conheço o homem mais gosto dos animais... Neste caso bem podia ter grafado mais gosto do cão (do Zé Vaz)

    Adoro cães e só não tenho cá em casa um por dois motivos:

    1) A Raquel não gosta de cães, porque quando era catraia, em Goa, viu um primo dela morrer com raiva apanhada de um cão vadio, e

    2) Porque moro num andar onde temos tanta coisa de mobiliário e bugigangas (algumas bastante boas e valiosas) que um animal poderia partir algumas delas sobretudo as que têm valor estimativo ou as que são recordações do Mundo que percorremos.

    Mas disso não haja dúvidas: a primeira é incontornável...

    Como vão a crise e a autoridade ou seja a austeridade por Forninhos?

    Abç

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  9. Caro amigo, o primeiro cao que me foi oferecido, teria cinco anitos, foi comido pelos lobos numa Sexta Feira Santa. Apenas voltei a ter outro que devolvi para a liberdade para quem tinha uma quinta.
    No que concerne a Forninhos, a "Coisa" vai de encontro ao ditado, esta cheio de cao...

    CÃO

    Cão passageiro, cão estrito,
    cão rasteiro cor de luva amarela,
    apara-lápis, fraldiqueiro,
    cão liquefeito, cão estafado,
    cão de gravata pendente,
    cão de orelhas engomadas,
    de remexido rabo ausente,
    cão ululante, cão coruscante,
    cão magro, tétrico, maldito,
    a desfazer-se num ganido,
    a refazer-se num latido,
    cão disparado: cão aqui,
    cão além, e sempre cão.
    Cão marrado, preso a um fio de cheiro,
    cão a esburgar o osso
    essencial do dia a dia,
    cão estouvado de alegria,
    cão formal da poesia,
    cão-soneto de ão-ão bem martelado,
    cão moído de pancada
    e condoído do dono,
    cão: esfera do sono,
    cão de pura invenção, cão pré-fabricado,
    cão-espelho, cão-cinzeiro, cão-botija,
    cão de olhos que afligem,
    cão-problema...

    Sai depressa, ó cão, deste poema!


    Alexandre O'Neill
    Poesias Completas. 1951-1986
    Lisboa, INCM, 1990 (3ª ed.)

    Abraco.

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  10. Bom dia, o Cão do Zé Vaz fez historia, serve de comparação, a duvida é saber se os maridos, são tão inteligentes como o cão do Zé Vaz.
    AG

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    1. Boa noite.
      Se o cao do Ze Vaz fez historia, nao sei. A mim, deixou recordacoes impares na lembranca de quem ia a tais feiras, quase romanceadas, de gentes "libertinas", mas transparentes.
      Mas deixe que diga, caro senhor. Eu e alguns poucos, fomos estudar, mandados e pagos por esses senhores nossos pais, inteligentes e abnegados. Que nos ensinadaram que "quem nao se sente, nao e filho de boa gente...".
      A sua matilha nao conheco. Passe bem...

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  11. Xico, a comparação é quase elogiosa, porque,
    "quanto mais conheço os homens ...". O episódio tem piada!
    Obrigada pelo comentário!

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    1. Olha Nina, tenho saudades daqueles teus apontamentos da vida real, passeios, novos mundos, sei la...
      Nao leves a mal. bijos.

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