Naquele Entrudo, como era de lei, a rapaziada andou a casar as donzelas pelas portas das quintãs e dos serões e encruzilhadas das ruas.
Há uns quatro anos, falei aqui por alto dos casamentos satíricos alinhavados nas "Quintas-Feiras das Comadres e dos Compadres", tradição peculiar da nossa cultura que, entretanto, não sobreviveu no tempo e no espaço devido à falta de mocidade.
A geração a que pertenço sabe do que falo, mas os mais jovens já nem sabem que isto alguma vez foi assim, mas é bom que o saibam...
Aquilino Ribeiro,Terras do Demo.
funil |
Há uns quatro anos, falei aqui por alto dos casamentos satíricos alinhavados nas "Quintas-Feiras das Comadres e dos Compadres", tradição peculiar da nossa cultura que, entretanto, não sobreviveu no tempo e no espaço devido à falta de mocidade.
A geração a que pertenço sabe do que falo, mas os mais jovens já nem sabem que isto alguma vez foi assim, mas é bom que o saibam...
Primeiro, era o dia das comadres que era a quinta-feira antes do Domingo Magro e havia o hábito em Forninhos de oferecer fritas, também conhecidas por rabanadas, especialmente às comadres. Depois, vinha o dia dos compadres, que era a Quinta-Feira antes do Domingo Gordo e os compadres comiam uma choiriça.
Os casamentos satíricos do Entrudo, esses, realizavam-se ao Sábado (Sábado Magro e Sábado Gordo) por rapazes que assumiam o papel de sacerdotes e de acólitos e serviam mais como pretexto para se poder dar livre curso à crítica, do que como uma forma de aproximar os "proclamados noivos".
Os casamentos satíricos do Entrudo, esses, realizavam-se ao Sábado (Sábado Magro e Sábado Gordo) por rapazes que assumiam o papel de sacerdotes e de acólitos e serviam mais como pretexto para se poder dar livre curso à crítica, do que como uma forma de aproximar os "proclamados noivos".
Mas sabem como em Forninhos eram feitos os casamentos das comadres e comprades?
Os rapazes juntavam-se no Forno Grande, aproveitando com certeza o quentinho que ali se sentia nas noites de Inverno, para fazer os papelinhos (tipo sorteio) com o nome dos rapazes disponíveis e, noutro, papelinhos com os nomes das raparigas nas mesmas condições, que colocavam em boinas; tiravam à vez esses 'bilhetes', um da boina dos rapazes e outro da das raparigas e assim acasalados resultavam os casamentos e as comadres e compadres! Realizado o sorteio afixavam um papel (tipo edital) na desaparecida árvore da Fonte Lameira, pois ali se dirigiam todos os habitantes que sabiam ler e procuravam "os avisos". De manhã, bem cedo, todos os que por ali passavam tinham conhecimento de quem casava com quem, embora o edital desaparecesse rapidamente.
Os casamentos do Entrudo esses eram feitos por rapazes no Sábado (magro e gordo) à noite. Munidos com um funil, para distorcer a voz, e um em cada ponto mais elevado da aldeia para serem claramente ouvidos e, ao mesmo tempo, encobertos pela escuridão da noite para não serem identificados, procediam ao ritual que, resumidamente, descrevo:
Os casamentos do Entrudo esses eram feitos por rapazes no Sábado (magro e gordo) à noite. Munidos com um funil, para distorcer a voz, e um em cada ponto mais elevado da aldeia para serem claramente ouvidos e, ao mesmo tempo, encobertos pela escuridão da noite para não serem identificados, procediam ao ritual que, resumidamente, descrevo:
- Ó camarada!
- Olá companheiro!
- Há aqui uma rapariga boa para se casar...
- Quem é que lhe havemos de dar?
- Damos-lhe fulano...
- E que prenda lhe havemos dar?
- Damos-lhe uma toalha de estopa!
Ah! Havia sempre no sorteio um burro para uma rapariga, assim como uma burra para um rapaz!
A esse propósito, um desses rapazes, o Tónio Lopes, contou há 4 anos a história que hoje lhe trago. Um episódio que ocorreu nos fins dos anos 70:
«É verdade Paula nesta quadra carnavalesca fiz muitas vezes os casamentos; é uma das brincadeiras de que me fazem muitas saudades da minha juventude, ainda quase todos os anos vou ao meu terraço com o funil matar saudades.
Mas voltando ao passado, nos fins dos anos 70, eu e o meu irmão Zé Carlos e vários colegas (mais de 10) fomos casar as raparigas. Como tu referiste e muito bem, fazíamos o sorteio com os papelinhos. O burro tinha de calhar a uma rapariga, assim como a burra a algum rapaz, mas tive a infeliz sorte de ser eu a fazer o casamento duma rapariga com o burro; o pai dela não gostou e veio à rua com umas correias na mão para nos assapar. O pessoal toca todo a fugir e só fiquei eu e o meu irmão.
No dia seguinte tínhamos a G.N.R. à porta para irmos ao Posto de Aguiar da Beira prestar declarações (isto só eu e o meu irmão). No Posto, os Guardas disseram que não éramos nenhuns padres para andarmos a fazer casamentos e queriam que pagássemos setecentos e coroa (700 Escudos + 50 Centavos). Mas como nessa altura não era fácil vergar-nos, dissemos aos Guardas que não tínhamos dinheiro, que não pagávamos e viemos embora.
Passados dois meses fomos a Tribunal pagar, cada um, 3.500 Escudos (cinco vezes mais que a multa). Andou o nosso pai a trabalhar meio mês para nos dar o dinheiro, por causa de um Sr. que não se lembrou que na sua juventude também casou muitas vezes as raparigas, tal como nós.
Não foi por causa disto que a tradição acabou, continuou-se sempre com os casamentos pelo Carnaval, pelo menos, até ao princípio dos anos 90.».
Esta é uma história dos finais dos anos 70. Haverá muitas outras e até mais engraçadas.
Esta é uma história dos finais dos anos 70. Haverá muitas outras e até mais engraçadas.
Se o Entrudo na nossa terra era à semelhança de outras feito de “partidas”, os “casamentos” eram os pioneiros e mais apaixonantes, por serem brejeiros.
ResponderEliminarPor isso pego no “se” de antigamente e nada melhor que recorrer à minha “velhota”. Vamos lá!
- Vamos falar um bocadinho? Pergunto.
- Diz lá o que queres, não vens por boa…
- Tenha paciência, é quase carnaval e lembra-se, havia aquilo dos “casamentos”, como era no seu tempo ou ainda antes, suplico quase choramingando. Conte um bocadinho!
- E sei eu? também por lá andaste muitas vezes e não te lembras de uma rapariguita meia embeiçada por ti e a quem nomeavas sempre o burro do tio Melias? Vocês lá sabiam…
Mas já que queres e não te habitues, lá vai…
Já no meu tempo, punham-se uns rapazotes no Picão e outros no alto da Estrecada, estás a ver, junto á casa da tua prima Iracema e começava a lenga-lenga.
“Temos uma rapariguinha para casar, quem é que lhe devemos dar…um rapazinho bom que ela é boa rapariga…e para a boda?”.
Uns respondiam coisas boas de casa ou da arca salgadeira, enfeitavam na conveniência o que poderia ser do agrado das moças. Os mais safados, coisas asneiradas , percebes?
- Percebo, digo eu, mas no tempo ainda mais antigo?
- Tás levado do diabo, sacripanta, mas pronto, cá vai:
No tempo de minha mãe, andavam os casamenteiros no lugar do Oiteiro e rua das Lagens a soltar os pregões.
Houve um rapaz de Forninhos que gostava de uma moça ; tanto que por não ser correspondido como queria, até metia dó. Queria à viva força ser seu namorado e qual Romeu no seu amor tentou dar a “volta” aos rapazes pregoeiros do funil para que nomeassem o seu “casamento” com ela. Melhor o pensou, melhor o fez!
Um garrafão de vinho de cinco litros para os seus nomes serem nomeados.
E por lá ficou à coca, esperando que o seu nome calha-se com o da sua amada, por sinal bonita e prendada, a tal ponto que o magano do funil ao anunciar o nome para a rapariga, soltou o seu próprio e ainda gozou com o desafortunado gritando para o pessoal:
“este é que foi gentil
Nem sequer pagamos nada
Ficou com o do funil
E agora é minha amada.
LINDO!!!
EliminarMais uma vez fiquei maravilhada e claro que não calei a gargalhada dentro de mim!
São estas histórias que vamos descobrindo ou simplesmente recordando, que contam o passado do nosso povo.
Esse Forninhos é aquele que eu gosto!
Gosto muito de ler essas tradições e hoje aqui, bem divertidos esses casamentos ou vontade deles...
ResponderEliminarA história do Tônio, legal de ler! Muito bom e acabou essa tradição, mas ficou aqui registrada e na memória de tantos!
beijos, lindo fim de semana,chica
As memórias de cada um é o que de mais importante temos, só que infelizmente muitos não sabem valorizar isso.
EliminarÀs vezes uma foto antiga lá desperta algum sentimento...o que já é muito bom!
Bom fim de semana chica.
Paula, tantos detalhes interessantes! O funil, casamentos, multas; sim, uma história bem empolgante...
ResponderEliminarO meu abraço p vc e o Xico...
Haverá muitas outras, quem sabe, além do Tónio e do Xico, outros nos contem aqui aquela que têm guardada no fundo do baú das memórias.
EliminarAbraço meu.
Olá Paula!
EliminarLindas palavras deixaste no Vida & Plenitude... Obrigada, confesso que elas me inspiram e trazem realizações ao meu coração!...
Muita paz por aí... Com grande afeto... Abçs
Olá Paula,
ResponderEliminarBonita historia de carnavais passados em Forninhos, que não voltam mais. Mas o final deixou-me um tanto confuso. Como é possível que a GNR tenha levado isso a tribunal? Há coisas que dão que pensar!...
O meu abraço,
Manuel Tomaz
Esta história é dos finais dos anos 70, eu era criança e não tenho dúvidas que aconteceu, mas não sei como ali chegou a GNR.
EliminarNesse tempo, como sabe, havia pouco "trânsito" e os Guardas (GNR) tinham de ocupar o tempo, daí que apareciam volta e meia nas aldeias para multar, por exemplo, os proprietários das galinhas e dos cães que andavam na rua. No caso, talvez fossem chamados para aplicar uma multa por fazerem ruído à noite...não sei...mas dá que pensar mesmo...!
Como é possível levarem um caso destes, uma brincadeira de Carnaval, a Tribunal?
Como saí de Forninhos muito nova nunca me calhou ninguém nos casamentos do Entrudo, lembro-me que no dia dos casamentos à noite está-vos em casa com muita atenção para ouvir quem casava com quem, de certeza que as minhas irmãs mais velhas também lhes calhou algum pretendente nestes casamentos, talvez a alguma delas lhes tenha calhado o burro alguma vez, mas não me lembro de levar por a mal porque era tudo uma brincadeira muito bonita, tanto os casamentos como o entrudo em si em Forninhos, que com o passar do tempo tudo acabou o que é uma pena.
ResponderEliminarEntrudo como antigamente já não há, este ano ainda não vi ninguém ensaiado, nem novos nem velhos.
A realidade é mesmo esta: com o passar do tempo tudo acabou e é uma pena!
EliminarMesmo cá as pessoas também já estão a mudar nos seus comportamentos, mais velhos e mais novos já não se ensaiam como dantes. Ontem, só vi algumas crianças das escolas com pinturas.
Uma tradição de casamentos satíricos dos quais nunca tinha ouvido falar., e acho graça que afixavam edital e tudo...e o rol de prendas também devia ser por vezes um pouco brejeiro; nada melhor que uma toalha de estopa para a noite de casamento...:-)
ResponderEliminarIncrível como uma brincadeira na altura tão arreigada nos hábitos da aldeia acabasse por dar direito a multa...
Histórias com funil, raparigas, rapazes, burra e burro, que pelos vistos nunca mais se repetirão...:-(
xx
É verdade Laura, quando fazemos uma viagem no tempo é que reparamos que há situações que nunca mais se repetirão:-(
EliminarPor falta de mocidade e de burros que creio que já não há nenhum em Forninhos acabou-se a brincadeira dos casamentos.
Forninhos que era terra de gente alegre e de muita mocidade mudou e as pessoas também mudaram e mesmo que todas as gerações que deram vida a Forninhos hoje se encontrem já nada é igual, porque afinal todos mudamos!
Olá!
ResponderEliminarAdoro as histórias que são contadas aqui!
Boa folia de Carnaval!
Ainda bem que lhe agradam!
EliminarFoi para recordar e dar valor ao passado deste povo que foi criado o novo blog dos forninhenses.
Obrigada pela visita e boa folia também!
São festas tradicionais onde "todo mundo bebe, mas ninguém passa do ponto". Bom carnaval para vocês. Um abraço, Yayá.
ResponderEliminarNa verdade assim é a "Turma do Funil".
EliminarUm abraço tb e bom carnaval .•*´¨`*•.¸¸.•*´¨`*•.¸¸.•*´¨`*•.¸¸.•*´¨`*.*...*...*
Com ou sem casamento, bom carnaval, Paula.
ResponderEliminarBeijo
BOM CARNAVAL!!!
Eliminar1 Beijo.
Engraçada a história cujos costumes não fazem parte o meu torrão.
ResponderEliminarMas tribunal por causa de casamentos de faz de conta "não havia necessidade"....
quanto ao põ de ló, Paula, pode fazer e deixar cozer mais. Só que esse tipo de creme é que lhe dá outro toque. Caso contrário há o de Margaride...
Beijinho!
Bom Carnaval
Não havia, pois! Até porque o burro (animal de 4 patas) cumpre direitinho a sua função, faz o trabalho correctamente e quando bem treinado dificilmente faz alguma coisa errada e chatearem-se por causa de um burro fictício é burrice!
EliminarNa altura também era costume dar um burro "aos noivos" para irem passear de lua de mel e, acho eu, ninguém se chateou!
Existiam tantas histórias e brincadeiras ligadas ao burro, que se fossem levadas a sério os pais iam chatear-se muitas vezes!
Um exemplo, quando alguma criança cortava o cabelo logo ouvia: “foste à tosquia como os burros”. Não tenho a certeza, mas acho que este tipo de brincadeira respeitava a quem cortava o cabelo no mês de Março, pois dizem que é o mês da tosquia dos burros (de 4 patas).
Beijinho e Bom Carnaval.
Temos muitos jovens hoje que só querem
ResponderEliminartecnologia então as tradições se perdem.
bjs
http://eueminhasplantinhas.blogspot.com.br/
Tem razão, Simone. As novas tecnologias estão a ofuscar o passado recente e há muitos jovens que não têm ligação à terra, nem às lembranças.
EliminarBjs**
Boa noite Paula, uma delicia esta narrativa dos casamentos de entrudo e a prenda, (esta parte não conhecia;))! Tradições que deveriam manter-se e por isso é muito importante que continuem a divulgá-las
ResponderEliminarO nosso País era (e agora caminha para lá...) muito pobre, mas muito rico em costumes como este que é descrito aqui e segundo creio do qual resultavam por vezes alguns casamentos e muitas histórias engraçadas como a que a Paula aqui repôs!
Na minha aldeia o ambiente era semelhante e entre vizinhas faziam-se maroteiras nas casas umas das outras, tudo muito saudável e engraçado.
Bons tempos no que respeita a estas tradições! Nem tudo era mau…;))!
Continuação de uma boa semana.
Um beijinho para a Paula e Xico.
Ailime
Repare, Ailime, que dantes as pessoas passavam necessidade, mas chegada a época carnavalesca divertiam-se. Hoje pode haver outra pobreza, mas é que nem fazem um bailarico ou uma marcha! Como é que hão-de fazer casamentos satíricos com as suas prendas (que hoje podiam até ser outras)?
EliminarE as raparigas "em peso" que nessas noites quase não dormiam para ouvir que rapaz lhes davam?
Se as nossas aldeias quase não têm jovens, que sejam então os velhos os foliões!
A sério, muitas tradições as instituições podiam recriá-las com as gentes da sua terra, e aposto que muitos gostariam de contribuir, mas em Forninhos não o fazem por causa das "politiquices baratas". O conservadorismo exagerado, leva ao desinteresse de muitos!
Beijinhos e boa semana.
Pelo Carnaval os rapazes casavam as raparigas e nessas noites quase não dormíamos para ouvirmos quem era o rapaz que nos davam. Um ano deram-me o Albino do tio Domingos, não era nada mau porque o pai dele tinha ovelhas e assim já tínhamos carne para a boda.
ResponderEliminarTambém diziam o que lhe vamos dar de presente?
A umas davam-lhe uma cesta para levarem o jantar para o campo, a ouras uma toalha de estopa, etc...A mim e ao Albinino como a mãe o chamava, deram-nos um passeio de burro para irmos de lua de mel. Muito bom, mas passado uns dias o meu pai disse-me: Natália o Albino já me perguntou: tio Zé Cavaca quer que o chame pai ou sogro? Eu fique zangada com ele, mas tudo era brincadeira.
"Damos-lhes um rapazinho bom, o Albino, que ela é boa rapariga" como diz a lenga lenga.
ResponderEliminarE cá está o passeio de burro!
Quer-me parecer que nesta brincadeira os burros eram mais lembrados que as burras -:) Será pelo facto das burras emprenharem logo no mês de Maio e andarem 12 meses prenhas...?
Obrigada Natália pelo sempre bom comentário. Como já referi anteriormente haverá muitas outras histórias (pessoais) guardadas no fundo do baú das memórias, mas hoje as pessoas já não são as mesmas de há alguns anos atrás e têm medo de tomar a palavra.
Um beijo e um bom Santo Entrudo!